Capítulo 26 — A Caçada
Quando as coisas haviam chegado a esse ponto? Quando foi que Kamito se acostumou com aquela vida? Meses atrás, ele era apenas uma pessoa “comum”, até que, naquele fatídico dia, tudo mudou. Ele acreditava ser forte, acreditava que estava protegendo as pessoas…, mas estava errado. Agora, uma verdadeira ameaça estava bem à sua frente, e ele não conseguia reagir.
A cada instante, o inimigo brincava com a situação. Kamito sabia que, se quisesse, ele poderia acabar com tudo com um único golpe. Mas preferia se divertir com o seu desespero. Kamito o encarava, sem saber o que fazer, enquanto ele apenas sorria.
— Por que ainda está parado? Eu te dei cinco minutos. Se eu fosse você, começaria a agir. O tempo tá passando. — Ele falava com desdém — Não torne as coisas mais tediosas para mim. Faça alguma coisa!!!
A impaciência começava a surgir em sua voz. Ele começou a se aproximar lentamente. O corpo de Kamito estremeceu. Ele não conseguia se mexer. Estava com medo.
Já bem próximo, Coiote encostou o dedo indicador na testa de Kamito, ainda com aquele maldito sorriso.
— Você só tem mais três minutos. Ou você faz alguma coisa ou eu terei que ir atrás da sua namoradinha. Só assim você vai lutar, não é mesmo?
— Desgraçado!!! Deixe a Akane fora disso!!!
Um turbilhão de ódio e adrenalina tomou conta de Kamito. Em um impulso, empurrou o inimigo para trás e rapidamente envolveu o braço direito em chamas. Avançou com fúria, tentando acertá-lo com vários socos, mas o outro se esquivava com facilidade. Kamito não acreditava, nem de raspão conseguia atingi-lo.
Aquele sorriso debochado começava a deixá-lo louco. Apertou o punho com força, e as chamas em seu braço se estenderam até a mão, moldando-se lentamente em uma lâmina de fogo. A expressão de Coiote mudou sutilmente. Kamito avançou mais uma vez, golpeando com cortes rápidos e precisos. Ainda assim, o inimigo desviava como se fosse algo trivial.
— Resta um minuto. Se lhe servir de conselho, corra. — disse Coiote, subitamente sério.
Ele parou de sorrir e se afastou da investida. Kamito o observou, confuso, enquanto o homem começava a se aquecer — esticando os braços e as pernas como se estivesse se preparando para uma corrida.
— Não vai fugir enquanto isso? Que corajoso você é — provocou Coiote, com seu típico sorriso debochado — Ou talvez seja um idiota.
— Eu não vou fugir! — gritou o de cabelos azuis, sua voz carregada de tensão — Não sou um covarde como você pensa! Eu definitivamente irei tirar esse sorriso estúpido da sua cara! Eu vou acabar com você!
Mesmo dizendo aquilo, suas pernas e mãos tremiam sem controle. Coiote apenas deu de ombros, fechando os olhos enquanto continuava com seu aquecimento. A energia dele aumentava, quase sufocante. Kamito apertou os punhos com força, tentando ao menos conter o tremor. Fugir não era uma opção. Ele sabia que, se o fizesse, morreria do mesmo jeito.
— Eu ficaria impressionado… se você não estivesse se tremendo igual uma garotinha. Mas, sabe de uma coisa? É a minha vez! — disse Coiote com tom de zombaria na voz.
Num piscar de olhos, ele desapareceu da visão de Kamito e reapareceu atrás dele. Antes que o rapaz pudesse reagir, levou uma joelhada violenta nas costas, sendo arremessado para frente. Nem teve tempo de reagir, e Coiote já o esperava de frente, em posição, e o acertou com um soco brutal no estômago. Kamito cuspiu sangue e foi lançado com força contra uma árvore, o impacto rasgando o ar ao redor.
— Você é patético, Kamito Takeda. “Aquele que controla as chamas azuis” — cuspiu o adversário — É só isso que você sabe fazer? Falar, falar, falar e não fazer nada?! Você não passa de um lixo!!!
Coiote avançou mais uma vez enquanto Kamito tentava se erguer, mas o outro o segurou pelo pescoço e o ergueu com uma só mão. Os dedos dele apertavam com força crescente, tirando-lhe o ar. Kamito segurou seu antebraço com ambas as mãos, tentando se soltar, mas era inútil.
— D-Desgraçado… — grunhiu com dificuldade — Já disse para não achar que sou tão fraco assim!
O ar já lhe faltava. Desesperado, Kamito concentrou o pouco de energia que restava, tentando fazer suas chamas surgirem, mas foi interrompido por um soco violento no queixo. Seu corpo foi lançado para cima. A dor era intensa. Ele cerrou os olhos, incapaz de reagir, e caiu com força de cabeça no chão, ficando de bruços. Tentou mover as mãos…, mas não conseguiu.
— Não se preocupe, não irei te matar agora. — Coiote dizia com um sorriso repleto de escárnio em seu rosto — Quero me divertir. Eu vi e soube muito a respeito de você. Eu cheguei a achar que teríamos uma luta de igual para igual, mas você me decepcionou! Você é um fraco! Um lixo! Você fez eu desperdiçar meu tempo por nada!
O mesmo começa a pisar violentamente na minha cabeça e a esfregar seu pé na mesma, esfregando meu rosto no chão. Ele continua repetidas vezes enquanto me ofende, pisando várias e várias vezes. Eu podia sentir meu sangue escorrer.
Ele começou a pisar na cabeça de Kamito com violência. Esfregava o rosto do rapaz contra o chão com força. Os golpes se repetiam, um após o outro, enquanto Coiote o xingava, humilhava e ria. O garoto podia sentir o sangue escorrendo pela testa, o mundo girando.
— E… Eu… Eu já disse para não me achar tão fraco assim!!!
Kamito resistiu à última pisada, forçando a cabeça contra o pé de Coiote. O adversário então começou a pressionar com ainda mais força, e a tensão entre os dois aumentou. O chão tremia sob a força aplicada, e as mãos de Kamito afundavam na terra, sentindo cada grão se romper sob seus dedos. O sangue que escorria da testa e da boca dele parecia ferver.
Num instante, as chamas azuis explodiram ao seu redor, consumindo seu corpo por completo. Sua Vestimenta Espiritual havia sido ativada.
Coiote recuou o pé, observando a cena com atenção. Kamito ofegava, exausto, mas o encarava com ódio puro nos olhos. Suas chamas ardiam com intensidade, não apenas em calor, mas em emoção. Ao redor, o ambiente começava a pegar fogo, e fagulhas negras saltavam das labaredas, como se carregassem a fúria que ele sentia por dentro. Kamito não tinha dúvidas: ele faria Coiote pagar.
— Agora as coisas estão ficando interessantes!!! — gritou o inimigo animado — Era essa a Manifestação que eu queria ver!!! Isso!!! Isso, Kamito!!! Agora, eu não irei mais me segurar!!!
Ele então juntou as palmas das mãos com precisão, sem tirar os olhos de Kamito. Lentamente, abaixou a mão direita enquanto erguia a esquerda. Um sorriso se abriu em seu rosto, e duas espadas curvadas surgiram. As lâminas lembravam as presas de um predador.
— Quero que conheça a minha Relíquia, as Presas Gêmeas!! Sinta-se honrado em morrer por elas, poucos tiveram tal privilégio. Você é um cara de sorte.
— Essa é a sua Manifestação?! Duas espadas?! — rebateu Kamito, com desprezo na voz —Tanto mistério para isso?!
Seus olhos, no entanto, se fixaram nas lâminas. Eram diferentes de tudo que já havia visto. Raishi nunca lhe explicara sobre os tipos de Manifestação, ou formas avançadas delas. Kamito se levantou com esforço, assumindo uma postura mais ofensiva. Cuspiu sangue no chão e estreitou o olhar contra o inimigo.
— Você é idiota? — disse Coiote com escárnio — Isso não é uma Manifestação, isso é uma Relíquia Espiritual.
A expressão séria de Coiote se transformou em uma gargalhada debochada.
— Kamito, então você não sabe o que é uma Relíquia Espiritual?! — zombou — Seu professor é mesmo patético. Isso quer dizer que você nem ao menos tem uma, não é? Não me faça rir.
— Eu posso não saber o que é uma “Relíquia Espiritual”, mas não preciso de uma para te vencer! — o garoto exclamou com determinação.
Aproveitando o momento de distração do inimigo, ele avançou rapidamente, moldando mais uma vez a lâmina de chamas em seu braço direito. Tentou um corte diagonal certeiro, mas Coiote bloqueou com facilidade usando as duas espadas. Sua velocidade era absurda. Aquilo só podia significar uma coisa: velocidade era sua Manifestação, e isso complicava tudo.
— Essa passou perto! Brincadeira… — zombou Coiote com um sorriso debochado — Você nem teve chances de me tocar. Você é lento, tão lento que parece estar parado! É como se você fosse uma estátua! Eu sou intocável!!!
Com um movimento rápido, Coiote cruzou suas espadas em forma de X, partindo a lâmina de chamas com facilidade. Kamito recuou com um salto, mas antes que pudesse reagir, o inimigo já avançava novamente, desferindo golpes de raspão. Cortes superficiais se acumulavam rapidamente por todo o seu corpo.
— I-Isso é ruim!!! — Murmurou o garoto entre dentes, tentando proteger seu rosto.
Mesmo assim, acabou sendo atingido mais uma vez. Num esforço desesperado, concentrou energia no braço direito e formou outra lâmina de fogo, tentando se defender como podia. Ele sabia que estava em desvantagem, era claro, mas recuar não era uma opção. Precisava achar um jeito de virá-lo. Com dificuldade, Kamito foi forçado a recuar até uma região de mata mais fechada. Talvez ali conseguisse alguma vantagem.
Antes que Coiote atacasse novamente, Kamito aumentou o tamanho da lâmina e a arrastou no chão, formando um círculo de fogo ao seu redor. Coiote parou de imediato, surpreso com a estratégia, e Kamito aproveitou para desaparecer entre as árvores. Precisava de tempo. Só um pouco de tempo para pensar.
— Então você jogou sujo?! Eu sabia que você não era tão boa pessoa assim. O que o desespero não faz com as pessoas, não é mesmo?! Se esconder só vai te dar mais poucos minutos de vida!!!
Enfurecido, ele girou as lâminas com força, criando uma ventania que dispersou as chamas ao seu redor. Os olhos dele varriam cada sombra da floresta, atentos, calculistas. Mesmo caminhando com calma, havia algo predatório em sua postura. E então, ele voltou a sorrir.
— Kamito?! — chamou com uma falsa doçura na voz — Apareça, eu prometo te matar rápido. Vamos, apareça! Se você não aparecer, irei até a Akane. Aposto que ela adoraria participar dessa festa.
Coiote sorriu, confiante de que Kamito faria algo. Provocá-lo para revelar sua posição era um truque barato, e ele sabia disso. Mas Kamito não podia ceder. Apesar da raiva fervendo em seu peito, ele se conteve. Seu corpo mal o obedecia. Encostado contra uma árvore, pressionava o ombro direito numa tentativa de estancar o sangramento.
Um dos cortes havia sido muito mais profundo do que pensara inicialmente, quase inutilizando o braço. O sangue escorria de sua testa e pingava direto no olho esquerdo, dificultando ainda mais a visão. Estava exausto, derrotado — e ainda não havia conseguido acertar um único golpe. Ao levantar o olhar, percebeu que o céu já começava a escurecer.
Ele morreria ali?
Pensou em Raishi. Por que ele nunca havia falado sobre essas tais Relíquias Espirituais? Por que nunca os ensinara a como consegui-las? Aquilo não fazia sentido. A lembrança de Akane surgiu em sua mente, a promessa de que assistiriam um filme juntos… Um nó havia se formado na garganta do rapaz, seus olhos aos poucos se enchendo de lágrimas.
O mundo era injusto, cruel e impiedoso, mas Kamito não permitiria que essa fosse a história da sua vida. Ele iria voltar a todo custo. Voltou a olhar para frente, mas lá estava Coiote, parado a poucos metros, saboreando seu desespero como se fosse um espetáculo. Ele ainda sorria.
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