Capítulo 34 — Fragmentação
Próximo ao tronco, Kamito já se sentia exausto. Seu corpo ainda precisava de tempo para se recuperar. Subiu com dificuldade e ficou de pé, lançando um olhar breve para Raishi. Akane já estava em posição. Raishi repetiu calmamente que era hora de começar. Kamito então fechou os olhos e tentou se concentrar. Controlou a respiração com esforço, até começar a sentir sua energia fluir, ainda que de forma instável. À sua direita, podia sentir claramente a presença energética de Akane, era muito mais intensa que a sua. Tentou ignorar isso, buscando esvaziar a mente.
Algum tempo depois, ele pôde ver vagamente aquela pequena chama azul que só aparecia em alguns momentos. Ela estava fraca e debilitada, e Kamito sentia isso. Podia sentir que sua energia vinha dela. Concentrou-se nela, mas uma segunda chama apareceu. Negra, agressiva, instável. Essa segunda chama parecia querer consumir a menor.
Assustado, Kamito abriu os olhos. Mas o céu agora era completamente vermelho, e uma enorme lua carmesim pairava acima. Kamito olhou em volta, procurando por Akane ou Raishi, mas tudo que via era confusão. Vários lugares e objetos se misturavam como pedaços desconexos de um quebra-cabeça mal montado. Desceu do tronco e começou a caminhar, sem saber ao certo para onde ir.
— Akane?! Raishi?! Olá?! Onde vocês estão?! Onde eu estou?! Que lugar confuso é esse?!
Seguiu sem resposta. Passou de um campo para o fragmento de uma rua, depois entrou em uma loja e, dali, foi lançado para uma floresta. O local parecia quebrado, e isso o deixava inquieto. Sentia que conhecia tudo aquilo.
— Por que tenho a sensação de que conheço esses lugares?! O que é isso?!
Continuou andando até ser levado à praça onde havia conhecido Akane. Ao chegar, começou a ouvir vozes do passado. Algumas doces, outras cruéis. Vozes que diziam que o amavam, que o odiavam. Cada palavra o feria mais. Tentou tapar os ouvidos, mas era inútil. As vozes não cessavam.
Gritou o mais alto que pôde, caindo de joelhos enquanto olhava para o chão. Quando estava quase destruído, escutou as doces palavras de uma garota: “Eu jamais sairei do seu lado.” Kamito rapidamente olhou para frente vendo uma versão sua e da Akane quando eram crianças. Mais uma vez, aquelas palavras o salvaram. Estendeu a mão na direção das imagens, mas elas continuaram a falar, alheias à sua presença.
— Akane?! Esse momento… Esse local… — murmurou Kamito, dando alguns passos hesitantes — Esse foi o dia que nos conhecemos. Eu me lembro. Eu havia acabado de me mudar para essa cidade com a minha mãe e vim brincar nesse local porque queria fazer amigos. Eu lembro. Eu lembro de ter visto quatro garotos caçoando de uma garota e me intrometi… Eu já sofria por conta da minha aparência e naquele dia fiz todos eles focarem em mim. Foi então que aquela garota se aproximou de mim, foi então que a Akane se tornou minha melhor amiga, e foi assim que eu me apaixonei por ela. Se não fosse por ela, eu não teria suportado tudo aquilo. Sem ela, minha vida não faz sentido. Eu sei o que eu sou, eu sei o que eu preciso fazer. Obrigado, Akane. Obrigado, antigo eu.
Finalmente, ele se deu conta de onde estava. Aquilo era sua mente. Era estranho, mas aquele lugar confuso e distorcido era a sua cabeça. Talvez estivesse assim por ele nunca ter se encontrado, mas agora era a hora de mudar isso.
Logo as versões do passado desapareceram, e no lugar onde estavam começou a brilhar uma intensa luz. Kamito se levantou, protegendo o rosto da claridade com o braço direito. Quando a luz se dissipou, dois objetos surgiram diante dele.
Abaixou o braço e caminhou até eles, se deparando com duas espadas. Uma de lâmina azul e cabo preto, e a outra completamente negra.
Ele olhou para as duas espadas cravadas no chão, cruzadas em forma de X. Lentamente, estendeu a mão direita em direção a uma delas. Lembrando-se do que Raishi havia dito, que precisava encontrar o que o completava. Moveu a mão na direção da espada negra, que estava à direita. Mas, assim que seus dedos tocaram o cabo, sentiu uma enorme solidão e ódio.
Sentia uma enorme energia negativa vindo dela e o mais estranho de tudo era que eu podia sentir alguém me observando. Havia mais alguém na minha mente? Rapidamente afasto a mão daquela espada. Meu olhar estava assustado, eu não conseguia acreditar que poderia existir algo assim dentro de mim.
Havia uma energia negativa intensa vindo dela, e o mais estranho de tudo era que ele podia sentir alguém o observando. Havia mais alguém em sua mente? Rapidamente afastou a mão daquela espada, com o olhar assustado. Não conseguia acreditar que poderia existir algo assim dentro de si.
Após se acalmar, tocou a espada de lâmina azul e sentiu sua energia e Manifestação reagirem a ela. Respirou aliviado e a puxou do chão. Assim que fez isso, uma enorme energia azul veio junto dela. Aquela espada era realmente incrível. Kamito podia sentir todo o seu poder em suas mãos. Estava encantado por ela. Aquela era a sua Relíquia. A forma real do seu espírito. A espada que ele usaria para proteger quem amava.
— Então você escolheu a azul? Hehe, sem problema. O preto combina comigo.
Alguém falou atrás dele. Kamito se virou rapidamente e se surpreendeu ao ver um rapaz idêntico a ele, mas com a pele branca e cabelos negros. Além disso, seus olhos eram pretos com a íris azul-escura. Seu sorriso era sádico e extremamente assustador. Logo, ele puxou a espada negra do chão enquanto o observava.
— O que foi, por acaso você viu um fantasma?! — provocou o rapaz, com um tom debochado — Para um novato, até que você se localizou bem na Fragmentação. Eu precisava de você, pois só você era capaz de despertar e encontrar a Relíquia.
— Quem é você?! Por que você chama esse lugar de “fragmentação”? Vamos, fale de uma vez!
Exigiu Kamito, empunhando a espada com as duas mãos e a apontando diretamente para o outro.
Ele o encarava sem desviar o olhar. A figura diante dele era idêntica, mas com cores completamente opostas às suas. Até mesmo as roupas seguiam esse padrão inverso: onde Kamito tinha o azul, o outro exibia o preto.
— Que patético, mas eu já esperava isso de um impostor como você! — disse o estranho com escárnio — Cuidado com essa espada, você pode acabar se machucando. Logo sua pequena vida miserável irá acabar, sua farsa será revelada e então eu tomarei o que é meu por direito! Acha que é capaz de me enfrentar?! Seu impostor!!! Acha mesmo que é capaz de me vencer?!
Ele estava furioso. Encarava Kamito com um olhar assassino enquanto apontava a espada negra diretamente para o seu pescoço. O sorriso sádico estampado em seu rosto mostrava o quanto se divertia com toda aquela situação. Logo abaixou a espada, saindo da postura ofensiva.
— Ainda não é o momento para isso, você ainda é fraco — declarou — Eu preciso que você fique forte, só assim eu poderei tomar o que é meu por direito. Kamito, só irei te dar uma advertência. Tome cuidado para não se cansar mentalmente. Se isso acontecer, eu tomarei o controle. Esteja avisado.
Ele o encarou seriamente por um momento, depois se virou e desapareceu.
“O que era aquele ser? Por que ele me chamava de Impostor?” Muitas perguntas passavam pela mente do garoto. Kamito ficou parado, com as mãos trêmulas. Ainda balançava levemente a espada. Aquela presença, aquela energia, o amedrontavam profundamente. Olhou em volta, desorientado, e percebeu que tudo ao seu redor havia mudado.
Antes, os lugares refletiam boas memórias. Agora, mostravam seus piores momentos. Precisava sair dali o quanto antes e retornar ao local de treinamento. A lâmina da espada começou a brilhar, como se tentasse se conectar com ele. Kamito olhou bem para ela, e então a espada refletiu sua imagem. Um imenso clarão tomou conta de todo o local, quase o cegando. E, quando se deu conta, já estava de volta.
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