Capítulo 44 — Poeira e Dor
Um silêncio imenso dominava o lugar, nem os pássaros cantavam, nem o vento soprava. Parecia que o mundo inteiro havia prendido a respiração. De um lado, Yujiro permanecia imóvel, encarando o gigante à sua frente. Do outro, Rinoceronte retribuía o olhar com um sorriso confiante, certo de que Yujiro não suportaria a luta.
— O que foi?! Vai ficar aí parado me olhando? Onde está toda a sua coragem? — a provocação de Rinoceronte ecoou pelo salão — Já sei! Você está paralisado de medo. Hahahahahaha!
Então algo cortou o ar: uma lâmina rápida rasgou o espaço e a bochecha de Rinoceronte começou a sangrar. O riso cessou no rosto do gigante, que olhou surpreso para o corte.
— V-Você conseguiu me ferir?! Foi tão rápido que nem pude notar. Acho que esse aquecimento será muito interessante! Vou matar todos vocês!
— Você se diz forte, mas até agora só tagarelou. Se realmente fosse tão forte, você teria evitado o golpe. Ou você faz jus ao ditado de que ser “grande e forte te faz lento”?
Yujiro sorriu, assumiu uma postura ofensiva e ativou sua vestimenta. Segurou a ponta do chicote com a mão esquerda, posicionando-a à frente, enquanto puxava o braço direito para trás, esticando o chicote com calma e precisão.
— Vamos ver na prática se a inteligência vence o poder bruto. — um sorriso de escárnio iluminou a face de Yujiro — Pode vir, Rinoceronte!!! Farei você engolir as palavras que disse para a Camaleão!
— E sou eu quem falo muito?! Não me faça rir! Você não passa de um inseto!
Rinoceronte avançou, cerrando o punho direito e desferindo um soco poderoso. Yujiro moveu os pés com rapidez, desviou levemente para a esquerda e bloqueou o ataque com o chicote. O impacto foi tão violento que a pressão do ar explodiu ao redor, fazendo Yujiro ser arrastado lentamente para trás.
— Uau. Você é bom, conseguiu desviar do meu golpe… Nesse caso, eu terei que usar minha Relíquia contra você. A sua Relíquia é igual à da Camaleão, então eu já sei bem como lidar com tipinhos como os seus.
Rinoceronte recolheu o punho e emanou uma energia tão densa que o chão e as paredes começaram a rachar. Suas roupas se transformaram em um traje de treinamento com braceletes e ombreiras de couro; nas mãos, um imenso machado prateado apareceu. Yujiro observou impressionado, era a energia de alguém capaz de alterar o próprio ambiente e empurrar adversários pela força bruta.
Yujiro começou a pensar em uma forma de evitar um ataque direto, pois sabia que um único golpe daquele homem seria o suficiente para deixá-lo debilitado. Concentrou-se e fez com que espinhos de pedra surgissem ao longo de seu chicote. Em seguida, reassumiu a mesma posição de antes, firme e atento. Rinoceronte riu com desdém, considerando aquilo inútil, mas, dessa vez, Yujiro puxou o chicote para frente e abriu a mão direita, desferindo uma chicotada tão potente que cortou o ar como uma lâmina. O golpe foi tão rápido que Rinoceronte precisou se defender com o machado, e só então percebeu que Yujiro havia trocado a posição das mãos de propósito para atacá-lo desprevenido.
— Você é traiçoeiro. — comentou o mais alto, entre risos — Eu nunca vi um estilo de luta assim no Extra-Mundo. A julgar pelas suas roupas e toda a sua concentração, você deve ter treinado bastante. Que estilo é esse? Por que mais ninguém o sabe?
— Era previsível que você não soubesse. — respondeu Yujiro com calma — Esse é o estilo supremo dos Nomura, o “Despertar Espiritual”. Eu venho de um antigo clã perito em artes Espirituais, esse estilo se baseia na concentração e no foco do usuário. Assim, ele consegue atingir o ápice da paz interior e se torna um só com sua energia, fazendo todos os ataques fluírem ao invés de serem previsíveis e planejados.
Yujiro avançou e desferiu uma sequência veloz de chicotadas. Rinoceronte bloqueou cada uma delas, sorrindo com arrogância, até que o rapaz golpeou o chão. Uma onda de estacas de pedra se formou e avançou na direção do inimigo. Rinoceronte tentou desviar, mas percebeu tarde demais que seus pés estavam presos ao solo e foi atingido em cheio. Yujiro parou por um instante, observando a nuvem de poeira que se ergueu.
— Levante-se, Rinoceronte. — disse, em tom firme — Eu sei que isso não te matou. Eu ainda não fiz você se arrepender das suas palavras! Você sentirá toda a dor que causou à Camaleão!!! E por subestimar minha força e todo o meu poder!
— Então esse é o seu truque?! — Rinoceronte gritou com raiva — Por que se importa tanto com a Camaleão? Ela é apenas uma ferramenta da Ordem. A garota tinha muito potencial quando eu a encontrei jogada na sarjeta. Usá-la foi muito fácil!!!
Rinoceronte saltou com velocidade surpreendente e o atingiu com um gancho poderoso no estômago. O impacto o lançou para cima, fazendo-o bater violentamente contra o teto e cuspir sangue. Em seguida, enquanto ele caía, Rinoceronte cravou o machado no chão, uniu as mãos e desferiu um golpe brutal nas costas de Yujiro, abrindo uma cratera sob o impacto.
— Onde está toda a sua pose?! — disse o gigante aos berros — Você realmente achou que eu era lento?! Idiota, um Rinoceronte não é lento, e você aprendeu isso da pior maneira possível.
— E-Entendo… — o garoto tossiu, limpando o sangue da boca — Pelo visto, você dará mais trabalho do que eu imaginava… Esse golpe doeu bastante, mas agora eu sei aproximadamente a potência do seu soco. Com isso em mente, eu não preciso mais me preocupar.
Yujiro se levantou com dificuldade. Endireitou o corpo, respirou fundo e, sem hesitar, avançou novamente. Começou a girar o chicote com rapidez, desferindo várias chicotadas em sequência. Rinoceronte arrancou o machado do chão e rebateu cada ataque, mas percebeu algo estranho, o garoto não parecia estar tentando atingi-lo.
Segundos depois, o gigante notou que o ambiente ao redor estava mudando. As paredes começaram a se fechar lentamente, o teto e o chão se movendo como se respondessem à vontade do próprio Yujiro.
— Sua Manifestação já está começando a me irritar! Acha que só porque você controla a terra, me vencerá?! Está enganado!!!
Rinoceronte cravou o machado na parede direita e segurou a parede esquerda com a outra mão. Sua força parecia crescer a cada instante; veias e músculos saltavam sob a pele.
— NADA É MAIS FORTE DO QUE EU!!!
Yujiro rangeu os dentes, avaliando a situação. Ele concluiu rapidamente que aquilo não era apenas força bruta comum.
— Você é um monstro!!! De onde vêm tanta força assim?! Mesmo para uma Manifestação, é quase impossível conter tanta força no corpo sem haver consequências. Você não é mais um Extra-humano, você é uma Fúria!
Sem hesitar, Yujiro chicoteou o piso e as paredes, fazendo espinhos de pedra brotarem na tentativa de conter o brutamontes. Rinoceronte, no entanto, destruiu a estrutura e avançou contra ele, forçando Yujiro a desviar para a direita por pouco.
— Ele também está mais rápido… — o garoto pensou em voz alta — Eu preciso contê-lo antes que ele se enfureça mais ainda. Se essa luta se prolongar, esse prédio corre o risco de desabar. Talvez eu possa atraí-lo para fora daqui, saindo por uma janela.
Ajoelhado por um momento, Yujiro traçou um plano. Sabia que Rinoceronte não seria enganado tão facilmente. Levantou-se e encarou o adversário que caminhava lentamente em sua direção. O local não era ideal para executar a manobra, então ele teria de recorrer a uma distração arriscada, algo completamente inusitado, até para si mesmo.
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