Capítulo 53 — Preparativos Finais
Estavam reunidos do lado de fora do prédio, o que pareciam ser as instalações de uma escola abandonada. Raishi concentrou-se em preparar o grupo para a próxima investida, já que apenas Akane, Solum e Kamito ainda tinham fôlego para lutar. Todos ficaram em silêncio; Ryruka, em especial, não se conformava em ficar parada. Raishi então decidiu explicar o que teriam de fazer agora que boa parte da Ordem havia sido derrotada: era a hora de pôr em prática a segunda etapa do plano.
— Certo, certo. Agora que boa parte da Ordem já foi derrotada e conseguimos alguns aliados inusitados, está na hora de finalmente impedi-los e acabar com isso de uma vez por todas. Como eu disse, a Ordem pretende unir a Terra ao Extra-Mundo através de uma Fenda Espiritual, que fica visível quando o sol se põe. Como podem ver, temos apenas uma hora até isso acontecer, a menos que alguém destrua o artefato que será responsável por fixar essa fenda.
Raishi os encarou com seriedade. Eles já sabiam da existência do artefato, mas ainda não o haviam encontrado, e com o tempo tão curto, ele era a prioridade.
— Esse artefato é chamado de “Esfera Estabilizadora”. Se ela for ativada no instante que a fenda se expor, o artefato puxará a energia do Véu Espiritual e a tornará permanente entre os dois mundos, criando uma passagem livre. Vocês precisam encontrar esse artefato e destruí-lo antes do sol se pôr.
— Para a sua sorte, eu sei onde essa “Esfera Estabilizadora” está. Ela está sendo guardada exatamente pelo meu alvo, o Coruja. Pode-se dizer que é uma coincidência e tanto ele estar a guardando. — Solum parecia falar sério, mas Yujiro e Ryruka mantiveram a expressão desconfiada — Eu me encarrego de enfrentá-lo e destruir o artefato. Não precisa pedir ou me agradecer, não estou fazendo por vocês e sim por mim mesmo. Chega de ser usado por alguém.
Por mais que ele afirmasse querer destruir o artefato, não era alguém em quem eles confiavam de imediato.
— Por que deveríamos confiar em você?! — Yujiro cruzou os braços e encarou Solum, a voz firme — Você quase matou o Kamito uma vez, e agora há pouco quase destruiu o local na luta contra ele. Agora você está do nosso lado por uma simples coincidência?! Quem garante que você não esteja armando tudo isso para nos trair e revelar os planos para o inimigo?!
Solum correspondeu o olhar com calma, mas o clima entre o grupo estava mais frio. Ryruka, impaciente, tocou o ombro esquerdo de Yujiro, um gesto pequeno para apaziguar a tensão enquanto todos esperavam a resposta.
— Quais as suas reais intenções a se aliar a nós? — Yujiro perguntou, a voz firme e o olhar desconfiado — O que você ganha com isso?! Não temos um motivo para confiar em você, principalmente depois do que você vez. Qual o seu plano?!
— Eu também não sei se posso confiar nele. — Acrescentou Ryruka, cruzando os braços — Atualmente estamos em maior número, mas apenas dois de nós podem lutar. Meu irmão está encarregado de cuidar dos feridos enquanto Ruby o protege. Isso deixaria quatro contra dois, e com você a vantagem deles aumentariam para cinco contra dois.
Ela o encarava com a mesma desconfiança, fazendo Solum dar um passo para trás. Mesmo que estivesse disposto a destruir o artefato, era claro que ninguém acreditava em suas palavras.
— Não dá para confiar em alguém que atacou um dos nossos e quase o matou, da mesma forma que não confio na Hiena. Ainda acho que isso é um erro.
— Eu não pedi a confiança de vocês! — respondeu Solum, erguendo a voz, impaciente — Eu disse que foi uma “coincidência e tanto”. Eu só vou destruir o artefato porque ele está sendo protegido pelo Coruja. Apenas isso me importa, não é o meu caráter enganar as pessoas, principalmente atacar em desvantagem. Eu gosto de lutar no mano a mano.
Os olhares desconfiados o irritavam, e o clima ficava cada vez mais pesado. Antes que a discussão saísse do controle, Kamito se adiantou e ficou entre eles, erguendo as mãos em sinal de paz.
— Esperem aí! — disse, tentando manter a calma na voz — Esse não é o momento para brigarmos entre nós. Apesar de vocês não confiarem no Solum, eu posso garantir que ele não está mentindo. Ele teve a oportunidade de me matar e não fez isso. Eu pude sentir na sua Manifestação que ele não é uma má pessoa nem uma ameaça. Por que não damos uma chance a ele?! Vocês estavam com a Hiena, que também era uma inimiga. Vamos acreditar nele e deixar que ele cuide do artefato.
As palavras de Kamito quebraram parte da tensão. Os três se encararam por alguns segundos em silêncio. Mais uma palavra em falso e uma luta poderia ter começado ali mesmo.
— Vamos parar com isso! — Kamito insistiu — Temos algo muito mais importante do que brigar. Se o Solum realmente for um traidor, eu mesmo me encarrego dele.
— I-Isso mesmo! — Akane exclamou, aproximando-se rapidamente — O Solum me ajudou contra a Harpia. E ele também trouxe o Kamito para cá. Eu ainda não confio nele pelo que ele fez antes, mas se o Kamito confia nele, eu também vou confiar. Vamos dar uma chance a ele.
Akane tentou acalmar o grupo, preocupada com o rumo que a situação tomava. Uma briga naquele momento só serviria para nos fazer perder o foco, quando já estávamos tão próximos do fim.
— Não é, Kamito?! Kamito? Você está bem? Você não parece bem… — perguntou, notando algo estranho em seu semblante.
Enquanto ela falava, Kamito começou a sentir-se tonto. A voz dela se tornava cada vez mais distante. Todos se aproximaram, preocupados, chamando por ele. Sua visão escureceu, e o som das vozes se transformou em um eco abafado até desaparecer por completo.
Quando abriu os olhos novamente, estava de pé, ou tentava estar. O corpo pesava, e o mundo ao redor parecia distorcido. Olhou em volta, mas tudo o que viu foi um céu avermelhado e uma cidade retorcida, como se estivesse em outro lugar completamente diferente.
— O-Onde está todo mundo?! Que lugar é esse?! — Kamito olhou ao redor, confuso, com o coração acelerado — Será alguma ilusão ou outra dimensão? Eu preciso encontrá-los imediatamente.
Ele começou a caminhar, observando atentamente cada detalhe do ambiente. As ruas pareciam derretidas, o céu vermelho pulsava como se estivesse vivo, e a sensação de déjà vu o atingiu de repente. Aquele lugar… ele já o havia visto antes, quando despertou sua Relíquia.
— Não pode ser possível… Esse lugar é a… Fragmentação! Como eu vim parar aqui?! Eu não tentei nada relacionado à minha ligação com a minha Relíquia.
— Não é assim que ela funciona. E aí, Impostor. Curtindo ser forte?! Uma pena que você desperdiça mais energia do que a usa. Isso é perigoso, acredite.
Ele se virou num estalo e viu o mesmo ser que já havia visto antes: idêntico, sorriso macabro, olhar gelado. Sentiu o estômago tremer.
— Parece que você não seguirá o meu conselho de não se desgastar. Isso será um problema… Para você! Se seguir assim, poderei acabar com a sua farsa mais rápido.
— Q-Quem é você?! Por que você se parece comigo?! E mais importante, por que você me chama de impostor?! Responda de uma vez, seu maldito!!!
Kamito assumiu posição de ataque instintivamente. O outro começou a rir, um riso que lhe gelou os ossos, e avançou com passos despreocupados. Havia algo profundamente errado nele, como se fosse um reflexo deturpado.
— Não se aproxime, seu maldito, ou eu vou te matar! — Kamito avisou, tentando disfarçar o nervosismo — Vamos, deixe dos seus joguinhos! Por que você está aqui? Você é algum tipo de monstro?
— Hahahahahaha!!!! Sim, eu sou um monstro, por isso que me pareço com você. Não preciso negar quem realmente sou, ao contrário de você, Impostor. Você quer saber quem eu sou?! Eu irei lhe dizer. Meu nome é… Kamito!!! Prazer em te conhecer, Impostor.
Ele continuou a se aproximar com aquele sorriso no rosto. A cada passo que dava, o coração de Kamito batia mais forte. O intruso pousou a mão esquerda no seu ombro direito e encarou-o nos olhos, como se realmente o conhecesse.
— Você gosta de ser forte, gosta de lutar por diversão e por prazer. Por que esconde isso? Por que se agarra a uma mentira? Do que tem medo? — provocou ele, devagar.
— Cale-se! Eu não sou assim! Eu luto para proteger quem eu amo! Só um monstro lutaria por isso, assim como você. Além de se parecer comigo, você ainda roubou o meu nome. Isso não ficará barato! Eu não sou um impostor!
Kamito afastou rapidamente a mão dele de seu ombro, saltou para trás e manifestou uma lâmina de chama azul. O outro apenas riu, criando uma lâmina de chama negra. Kamito ficou impressionado ao ver aquilo, o impostor tinha as mesmas técnicas que ele.
— Não pode ser possível. Como… Como você tem as minhas técnicas?! Quem realmente é você?! Como isso pode ser possível?! Você é uma cópia?! — perguntou Kamito, incrédulo.
— Quem sabe?! Talvez você seja a cópia. Você vive em uma mentira e num falso desejo de esperança. Impostor, eu avisei que você deveria ter cuidado com o cansaço e o desgaste mental, ou eu tomaria o controle. E isso está acontecendo como eu quero. Agora, eu sou muito mais forte que você, e a qualquer momento eu finalmente poderei sair e mostrar quem eu sou!
Ele balançou a lâmina negra calmamente, encarando Kamito com um sorriso sádico.
— Olha só para você. Está tão destruído por fora e por dentro que eu consegui te puxar para cá sem nenhum problema. A farsa sempre é mais fraca que a verdade, e essa é a prova disso. Você, sua vida e suas chamas são falsas!
Kamito ofegou, surpreso.
— V-Você me puxou para cá?! Você está mentindo! Eu não sou uma farsa, e jamais permitirei que você tome o meu corpo! Eu irei te impedir agora mesmo!
Ele avançou contra o impostor com a lâmina em mãos. O outro bloqueou o golpe com sua própria espada, e a colisão gerou uma mistura de chamas que se espalharam em todas as direções.
— Você que é uma farsa! Eu nunca serei assim, nunca! — o garoto gritava mais para si do que para o adversário — Não importa o que você diga, eu jamais permitirei que você tome o meu corpo! Eu não sou uma farsa!!!
— É só isso que você tem?! É com essa força que você pretende me impedir?! Patético! Pare de tremer! Se você é mais forte, me mostre essa força!!!
Enquanto ria, ele empurrou a espada, fazendo Kamito recuar. Kamito resistiu, ajustando a postura para não ser arrastado. A colisão das forças começou a se igualar.
— Isso! Era isso que eu queria ver! Essa força, esse olhar! Finalmente você está se revelando, Kamito. Você é tão patético que caiu na minha armadilha. Você é igualzinho a mim. Logo tomarei o que é seu e mostrei como você é.
— Cale-se! Me cansei de escutar suas mentiras! Desapareça de uma vez! Eu nunca serei como você e você nunca tomará nada! Você é só uma sombra!!!
Kamito reuniu toda a força que ainda tinha e empurrou o choque contra ele, obrigando o impostor a recuar. O outro sorriu diante do resultado, como se tivesse alcançado exatamente o que queria.
Então, um clarão intenso tomou conta do lugar. A luz engoliu tudo lentamente, e o cenário começou a escurecer, como se Kamito estivesse prestes a desmaiar mais uma vez.

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