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    Trinta minutos antes da aparição de Falcão, Solum havia acabado de entrar na sala onde o artefato era guardado por seu antigo mentor, Coruja. Os dois se encaravam seriamente, analisando cada movimento um do outro. Finalmente Solum estava diante do homem que mais desejava matar. Seu desejo crescia a cada segundo; ele sorria como se aquele fosse o dia mais feliz de sua vida. 

    — Eu esperei muito por esse momento, mestre. — disse ele, inclinando levemente a cabeça enquanto sorria mais. — Você vai pagar por tudo que fez a mim e, como prometido, eu irei te matar. 

    Solum se aproximava cautelosamente, sem desviar o olhar nem por um instante. Estava ansioso, mas sabia que não podia se descuidar. 

    — Você continua indisciplinado como sempre, Solum. — Coruja comentou, estreitando os olhos ao observá-lo. — Eu disse que nada nem ninguém ficaria no meu caminho e dos meus sonhos, principalmente você. 

    Ele encarou Solum nos fundos dos olhos, como se confirmasse que o rapaz realmente havia mudado de lado. Em seguida, Coruja sorriu e afastou as pernas lentamente, assumindo uma postura firme. 

    — Entendo… Você finalmente amadureceu, Solum. — murmurou, abrindo um sorriso frio. — Pena que tarde demais. Prepare-se para morrer como sempre desejou, meu discípulo! 

    — Eu não sou mais seu discípulo, nem morrerei aqui! — Solum rebateu, cerrando os punhos antes de invocar suas Relíquias. — Agora eu tenho um objetivo maior do que apenas lutar. E para isso você vai morrer, meu antigo mestre! 

    Ele avançou contra Coruja. No mesmo instante, o mentor foi protegido por algo semelhante a uma grande coruja feita como um boneco. Solum sorriu e acelerou os movimentos, tentando encontrar uma brecha para atacá-lo, mas mais corujas surgiam a cada tentativa, bloqueando seu caminho. 

    — Hehe… você não vai lutar?! — provocou Solum, desviando de mais uma coruja enquanto erguia a voz. — Prefere usar seus malditos lacaios ao invés dos próprios punhos? Acha que só sua Manifestação vai te ajudar?! 

    — Não acho. — respondeu Coruja, levantando uma mão como quem ordenava às corujas que se posicionasse. — Eu tenho certeza. Solum, se realmente me vê como seu inimigo e quer tomar minha vida, sugiro que pare de brincadeira e lute a sério. 

    Coruja então lançou um rápido olhar para a esquerda, no exato momento em que Solum surgia ali para atacá-lo e desviou calmamente do golpe, como se fosse fácil. Logo em seguida, usou sua Manifestação para segurar Solum. 

    — Vê?! — exclamou Coruja, apertando o controle da Manifestação. — Você acha que só porque trocou de lado poderia me matar, e esse foi o seu erro. Solum, sua motivação é fraca e vaga. Pelo que você luta?! Pelo que Kamito e os outros lutam? Por essas pessoas? Por essa cidade?! E você?! Você luta por uma cidade que tentou destruir, por pessoas que não conhece?! Vira as costas para a própria raça… por qual motivo?! 

    — C-Cale-se!!! — Solum rosnou, se debatendo com dificuldade. — Eu não luto por ninguém, nem para proteger algo! Antes eu só lutava por mim mesmo e pelos objetivos da Ordem, mas isso mudou. — Ele cerrou os dentes, sentindo o braço escapar da força da Manifestação. — Agora eu luto por uma única coisa, por um desejo: lutar pela verdadeira paz!!! 

    Com um estalo de energia, Solum conseguiu liberar o braço esquerdo. Ele agarrou sua espada com força e, com golpes rápidos, começou a fatiar as corujas etéreas que o cercavam. Cada golpe deixava rastros de luz. Em instantes, restavam apenas pequenos pedaços delas no ar. Ele então pousou os pés no chão, engoliu o ar com dificuldade e encarou Coruja com um sorriso determinado. 

    — Se eu conseguir a verdadeira paz, poderei lutar contra ele mais uma vez. — Ele levantou a espada, apontando-a para o rosto de Coruja. — E para que isso aconteça, vocês precisam cair! Agora entende, mestre?! 

    Coruja apenas ergueu o queixo, observando-o silenciosamente. 

    — Entendo… — murmurou, fechando os olhos por um breve instante enquanto um sorriso suave, quase nostálgico, formava-se em seu rosto. — Você quer realizar o objetivo deles só para poder lutar mais uma vez. Ao que parece, você finalmente encontrou um rival à altura. Sendo assim, eu não medirei esforços para te impedir, pois também tenho um sonho. — Ele abriu os olhos, sombrios. — E, como eu já havia dito, ninguém ficará no meu caminho. 

    O sorriso dele se alargou. Os pedaços dos lacaios dilacerados por Solum começaram a brilhar, flutuando no ar e gradualmente se moldando em pequenas esferas do tamanho de bolas de baseball. Coruja ergueu calmamente o braço esquerdo; uma varinha surgiu em sua mão, materializando-se com um brilho roxo. Ele levantou o queixo e encarou Solum com intensidade. 

    — Saúda a orquestra perfeita… The Thousand Eyes of the Owl!!! — anunciou, abrindo os braços como um maestro antes de iniciar um espetáculo macabro. 

    Solum estreitou os olhos. 

    — Fazia tempo que eu não via a sua Relíquia em ação… — comentou, levantando a espada esquerda e posicionando-a diante da garganta de Coruja — Você até a renomeou. Isso me traz recordações do passado… uma pena elas voltarem logo agora. — Ele sorriu, quase desafiador. — Coruja, você finalmente decidiu me levar a sério, mas já é tarde, não acha?! 

    Os dois avançaram ao mesmo tempo. Solum correu em linha reta, esquivando-se como podia das esferas dançantes ao redor, enquanto Coruja movia os braços como um maestro guiando uma orquestra infernal, manipulando as dezenas de bolas contra ele. 

    — Essa é a minha luta! — gritou Solum, acelerando, desviando por centímetros dos ataques. — Meu maior objetivo!!! 

    Enquanto se aproximava do adversário, flashes de memórias antigas surgiram em sua mente: Um homem encapuzado caminhava por uma cidade miserável. As ruas eram sujas, as construções precárias, e pessoas vestidas com trapos rasgados vagavam sem rumo. O homem ignorava todos enquanto seguia pelo beco estreito, até que uma criança surgiu diante dele, empunhando uma faca trêmula. 

    Ele parou. 

    A criança tremia, mas não recuava. O homem ergueu lentamente as mãos até retirar o capuz, revelando cabelos verdes desgrenhados e um olhar frio, sem traço de medo ou piedade. A lâmina da criança refletiu nos seus olhos. 

    — Garoto… — o homem murmurou, inclinando levemente a cabeça enquanto analisava o menino. — Você deve ser muito burro ou muito corajoso para apontar uma lâmina para mim. Quando se aponta uma lâmina para alguém, esteja com a plena convicção de que irá matá-lo caso precise. Não torne tal ato um blefe. 

    Ele então notou as inúmeras cicatrizes e ferimentos espalhados pelo corpo do garoto. Pelo visto, aquele menino já tinha passado por coisas piores para sobreviver, e mesmo assim ainda tinha coragem de desafiar alguém claramente mais forte do que ele. Um sorriso discreto surgiu no rosto do homem, que lentamente se abaixou, estendendo a mão para o garoto. 

    — Você tem garra… isso eu posso ver. — comentou, com um tom quase gentil. — Que tal vir comigo? Prometo que você jamais viverá assim novamente. Eu te ofereço um caminho no qual você lutará por seus próprios sonhos e propósitos, com glória e poder, não por algumas moedas para comprar um mísero prato de comida. O que me diz, garoto?! 

    O garoto hesitou apenas por alguns instantes. Depois, começou a se aproximar lentamente, erguendo a mão na direção do homem com a intenção de tocá-lo. 

    Então, a memória se quebrou. 

    Solum foi arrancado daquele fragmento do passado e devolvido ao presente no exato instante em que estava prestes a golpear Coruja. As esferas conjuradas por ele se reuniram rapidamente, formando uma parede que barrou o golpe e o empurrou para trás. Solum cravou a espada direita contra a barreira para não ser jogado longe. Um sorriso surgiu em seus lábios e, com um impulso brusco, ele girou o corpo com velocidade, criando um redemoinho que cortava tudo ao redor. 

    Coruja apenas moveu o braço que segurava a varinha de maneira delicada, como um maestro em pleno concerto. As esferas começaram a rodear o redemoinho de Solum, comprimindo o espaço até que ele se dissipasse por falta de alcance. Em seguida, Coruja ergueu ambos os braços de forma brusca, arremessando Solum para cima enquanto as esferas se uniam e assumiam a forma de uma enorme lâmina afiada. 

    — Acabou, Solum. — Declarou Coruja, movendo a varinha com elegância mortal. — Descanse em paz. Me lembrarei de você quando alcançar meu objetivo. Os fracos sem propósito se submetem aos mais fortes. 

    Ele girou a varinha, fazendo a lâmina colossal avançar contra Solum. O rapaz fechou os olhos por um instante, acreditando que a luta havia acabado. Porém, o som de metais colidindo ecoou pelo ar, obrigando-o a abrir os olhos novamente. Quando olhou para cima, viu a lâmina parada — Solum a segurava com suas próprias armas, resistindo com todas as forças. 

    — Entendo… — Coruja murmurou, observando-o sem pressa — Você decidiu ser persistente. Solum, uma vez eu lhe disse que, para empunhar uma lâmina, é preciso ter a convicção de que irá matar alguém se for necessário. Mesmo agora você não a tem. Patético. 

    — Cale-se!!! — Solum rugiu, apertando ainda mais as lâminas contra a lâmina etérea. — “Lutar pelos seus objetivos e sonhos é algo que você deve fazer. Não manche suas mãos com o sangue de quem não seja necessário. Lute por seus objetivos até o último minuto da sua vida, e só mate quando tiver a certeza de que isso seja necessário para avançar no seu caminho”!!! 

    Com um movimento brusco, Solum desviou a lâmina inimiga, fazendo-a se projetar contra o telhado. Coruja se surpreendeu com aquelas palavras, o choque foi tão grande que ele não percebeu Solum se movendo para a direita, aparecendo ao seu lado já com o golpe preparado. Coruja o encarou surpreso, incapaz de reagir. 

    — Eu tenho um objetivo! — Solum gritou, erguendo a espada enquanto seus olhos ardia de determinação. — Um propósito muito maior que o seu! Então chegou a hora de finalmente te matar! Morra, meu antigo mestre!!!! 

    Mais uma vez, memórias invadiram sua mente. Ele ouviu uma garota gritando seu nome e respondeu automaticamente, acompanhando o homem de cabelos verdes. Solum, ainda criança, se aproximou de uma linda garota de olhos vermelhos e cabelos brancos como neve. Ela o abraçou com carinho e sorriu enquanto acariciava seus cabelos. O homem de cabelos verdes observou a cena e se sentou à mesa. 

    — Bem-vindo de volta, Solum. — disse a garota, alegre. — Como estava o treinamento?! Espero que você se torne um homem forte e justo, assim você poderá me proteger. 

    Solum, ainda menino, afastou-se levemente envergonhado. Helenae, que deveria ter por volta de treze anos, caminhou até o fogão, pegou uma panela e levou-a até a mesa. 

    — E-Eu… — o garoto murmurou, ruborizado. — eu já sou forte, irmã Helenae. Você deveria parar com essas brincadeiras. Eu me tornarei cada vez mais forte e alcançarei meu objetivo! 

    Ele se sentou à mesa, emburrado, enquanto Helenae sorria com doçura. 

    — Espero que você consiga alcançar seus objetivos, Solum — disse ela enquanto se sentava ao seu lado. — Mas nunca se esqueça de que você é uma boa pessoa. Então, nunca suje suas mãos com sangue inocente. Só porque você é forte, não significa que perdeu seus valores morais. Lutar pelos seus objetivos e sonhos é algo que você deve fazer… mas não suje suas mãos com o sangue de quem não seja necessário. Lute por seus objetivos até o fim da sua vida, e só mate quando tiver certeza de que isso é necessário para avançar no seu caminho. 

    A garota pegou o prato de Solum e começou a servi-lo, enquanto o homem de cabelos verdes ouvia as palavras dela em silêncio respeitoso. 

    — Comam bastante! — ela disse alegremente. — Precisam recuperar as forças para voltarem a treinar. 

    A imagem começou a distorcer, a voz dela ecoando como se viesse de muito longe. Sons de gotas atingindo o chão surgiram, seguidos de estrondos e gritos abafados. Então, o presente retornou de forma abrupta. 

    Coruja havia usado o braço direito para se defender. Sua reação fora quase instantânea, precisa e mortal. Ambos se encararam, sérios, sem dizer uma única palavra. Solum então puxou a espada de volta e saltou para trás, temendo o próximo ataque da Manifestação de Coruja. 

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