Capítulo 63 — O Despertar da Sombra 

Tudo começara a ficar em câmera lenta enquanto as vozes ao redor se tornavam abafadas. A cada segundo que passava, Falcão se aproximava, preparado para desferir o golpe final. Akane observava tudo em desespero, e Kamito ainda tentava reanimar Solum, embora não tivesse sucesso algum. Falcão o encarava sem qualquer sinal de piedade enquanto erguia o braço esquerdo. 

O coração de Kamito batia mais forte do que o normal; mesmo diante da própria morte, ele se preocupava apenas com Solum. 

— Ei, Solum! — gritou ele, sacudindo o corpo do companheiro com as mãos trêmulas. — Aguenta firme, vamos! Você não pode morrer! Droga! Droga!!! Por que as coisas têm que ser assim?! Por que eu tenho que ser tão fraco? Se eu tivesse mesmo forças para lutar, as coisas não estariam assim! Por quê?! Eu não sou capaz de proteger ninguém… Eu sou fraco… Eu só queria proteger essa cidade e todas as pessoas, mas eu não consigo!!!! 

Cada palavra o deixava ainda mais quebrado. Kamito abaixou a cabeça, sem saber o que fazer, enquanto Falcão criava uma lâmina de energia e o atacava sem piedade. Seus olhos começaram a pesar e sua mente a adormecer. 

Então, de forma inesperada, sua mão esquerda se moveu. Ela se fechou ao redor da lâmina de energia, parando o golpe. O gesto fez Falcão arregalar os olhos e arrancou de Akane um olhar de puro choque. Um riso baixo ecoou logo em seguida. Os cabelos de Kamito escureciam lentamente até ficarem completamente negros, e seus olhos assumiam um tom azul profundo. 

— Que saco. — disse ele, inclinando o rosto com desdém. — Parece que eu terei que acabar com esse fracote por você, Impostor. Prazer em conhecê-lo, eu sou o seu verdadeiro adversário. 

— K-Kamito?! — Akane levou a mão à boca, recuando dois passos. — Você é realmente o meu Kamito?! Como isso é possível?! 

Ela mal podia acreditar no que via: a aparência dele mudara completamente, e ele bloqueava um golpe poderoso com a mesma facilidade com que se respira. Naquele estado, ela simplesmente não conseguia reconhecê-lo. 

— Não… Aquele não é o Kamito. — Murmurou ela, estreitando os olhos. — Será que esse é aquele ser de quem ele falou mais cedo?! Por que o Kamito tem uma coisa dessas com ele?! 

— Quem é você?! — Falcão rosnou, tentando forçar a lâmina para frente. — Como foi capaz de bloquear meu golpe com as mãos nuas?! Até agora, você não conseguia nem me acompanhar! 

Ele pressionou ainda mais a lâmina, mas ela não se moveu nem um centímetro. O ser diante dele apenas ria, levantando-se devagar enquanto uma aura negra e violenta pulsava ao seu redor. Chamas negras começaram a envolver seu corpo, fazendo Falcão recuar instintivamente. 

— Seus cabelos… Essa cor… — Ele sussurrou, incrédulo. — É impossível um Manifestador mudar a cor de sua Manifestação, principalmente para essa. Quem é você?! Uma Fúria?! 

— Vai saber. — respondeu o ser com um sorriso distorcido. — Só sei que meu nome é Kamito. E eu estou doido para matar você e mostrar toda a minha superioridade!!!! Dilacere toda a carne! ZANDRIQ!!!! 

As chamas negras se espalharam por todo o local, consumindo o ar ao redor com um calor opressivo. Uma espada de lâmina escura surgiu nas mãos daquele ser, semelhante à de Kamito, porém com detalhes muito mais brutais, quase selvagens. Assim que ela tomou forma, ele avançou contra Falcão, tentando atingi-lo com violência, mas dessa vez, Falcão ergueu as asas e bloqueou o golpe com firmeza. Ele riu. 

— O que foi?! Por que se defendeu? Eu nem comecei a brincar. Vamos nos divertir! Quero muito dilacerar alguém agora que estou livre!!!! 

Falcão forçou o bloqueio enquanto analisava o inimigo diante de si. 

— “Quem diria que aquele homem possuía um segredo desses…” — Pensou ele, observando as chamas negras serpentear pelo ar. — Uma Manifestação negra bem debaixo do meu nariz e eu não notei. Mas ele está diferente de antes. Está mais selvagem e cruel. O que aconteceu com ele? 

Esperando o momento certo, Falcão finalmente revidou. Era impressionante, os dois lutavam quase de igual para igual. Ainda assim, a vantagem permanecia do lado de Falcão, que, golpe após golpe, fazia a criatura recuar passo a passo. 

— Entendo. Mesmo com essa forma e Manifestação, seu corpo ainda está exausto. Apesar de ter ganhado mais força, você não é capaz de me vencer. 

— Idiota! Acha que não posso?! Não me compare ao verme que você estava espancando antes! Eu sou seu verdadeiro eu, ele é ele, e provarei isso agora!! 

Aquelas palavras o enfureceram completamente. O ser começou a se mover de forma desordenada, dando golpes aleatórios e imprecisos, interrompendo qualquer possibilidade de estratégia. 

— Vamos lá, senhor. Não me diga que isso é tudo que tem! Use seu golpe mais poderoso em mim! Eu aguento!!! Não quero te matar sem te testar! 

Akane, que assistia tudo de perto, apertou os punhos, tremendo. 

— E-Eu preciso fazer alguma coisa… — murmurou, quase sem voz. — Não posso ficar parada! E-Eu tenho que ajudar o Solum. Ele não pode morrer em um lugar como esse. 

Cautelosamente, ela se levantou, o corpo rígido pela tensão. As chamas negras e as ondas de energia disparadas por Falcão cruzavam o ambiente de forma caótica. Mesmo assim, ela correu até Solum — mas uma lâmina negra parou a centímetros de sua garganta. Akane parou imediatamente, engolindo seco. O ser a encarava de perto, seus olhos azuis brilhando de forma ameaçadora. 

— K-Kamito…?! V-V-Você realmente é o Kamito?! — perguntou ela, trêmula. — Se você for o meu Kamito, por favor pare… Você está me assustando… Por favor, volte ao normal. 

A espada tremeu na mão daquele ser. Ele estremeceu por inteiro, desviando o olhar e, por fim, afastando a lâmina do pescoço dela. Akane recuou lentamente, ainda muito assustada, sentindo algo estranho, quase familiar, porém distorcido emanando dele. 

Ele não lhe deu mais atenção. Avançou de novo contra Falcão e iniciou um ataque brutal. Falcão, dessa vez, reagiu rapidamente e disparou várias ondas de energia que o atingiram em cheio. O ser caiu de joelhos, arfando, mas sorrindo, como se não entendesse o próprio impulso. 

Ele lutava de igual para igual contra Falcão, mas as palavras da garota o haviam feito tremer. Levou a mão esquerda ao rosto, confuso. Era absurdo… mas algo nela realmente o afetara. 

Ao notar essa fraqueza, Falcão lançou mais uma Glorius Claws em sua direção. O ser sorriu e se preparou para esquivar, porém, no último instante seu corpo travou. A imagem de Akane voltou à sua mente como uma faca. 

— Droga. Vou ter que usar meu trunfo logo agora. — Rosnou ele, erguendo a espada com ambas as mãos. — Ao menos você verá o verdadeiro poder das minhas chamas negras. Transforme-se em cinzas!!! 

A lâmina escura passou a queimar como uma chama viva, indomável, e ele sorriu de forma sádica. Quando o golpe de Falcão se aproximou, ele desferiu sua energia num corte vertical devastador. 

— Black Sky Ripper!!!!! Esse é o verdadeiro poder das chamas negras!!! 

Falcão apenas riu. 

— Entendo. Então existe uma variação negra do mesmo golpe. Você é mesmo cheio de surpresas. Agora começo a entender por que “ele” se interessou por você. Porém, isso não é tudo que tenho!!! Morram, você e a garota! 

Ele bateu as asas com força, intensificando seu ataque. A colisão dos golpes fez o prédio inteiro tremer e rachar, como se a estrutura fosse prestes a ceder. As forças eram quase equivalentes, mas, aos poucos, a pressão de Falcão empurrava as chamas negras para trás. 

— Se você é tão forte, então resista, Kamito!!! — gritou ele, avançando mais. 

— I-Incrível… — Akane murmurou, protegendo o rosto do vento cortante. — Mesmo em desvantagem, o Kamito ainda tem muita energia. Por que ele mudou?! O que diabos está acontecendo?! O que o Raishi fez? 

O vento soprava tão forte que seus cabelos eram arrebatados para trás. Ela tentava reunir o pouco de energia restante para manter Solum vivo, mas a presença daquele ser, aquela fusão entre algo sombrio e alguém que ela amava, a deixava profundamente assustada. 

Akane deu um passo à frente, tremendo, enquanto as chamas negras e azuis ainda giravam caoticamente ao redor daquele ser. 

— Por favor, Kamito, volte para mim. Isso realmente me assusta muito. Eu estou com medo! Por favor, volte a ser o meu Kamito de antes!!!! 

A voz dela ecoava desesperada. Dentro da mente da criatura, a voz verdadeira de Kamito também gritava, implorando para proteger Akane, para recuperar o corpo que havia perdido. Ele tinha caído naquele plano por descuido, e agora se via preso, incapaz de voltar. Mas as palavras dela — como tantas outras vezes — voltavam a alcançá-lo. Ele precisava retornar imediatamente ou seria tarde demais. Mais uma vez, ela o estava salvando. Bastava tomar o corpo de volta daquela sombra que havia roubado até seu próprio nome. 

O ser rangeu os dentes, irritado, sentindo sua atenção ruir. 

— Que saco! Eu… Eu não consigo me concentrar! Por que eu não consigo desviar?! Aquele fracote maldito está tentando tomar o controle de volta?! Isso não deveria ser possível! Eu o deixei mentalmente fraco e fisicamente cansado. Ele não deveria me afetar só de ouvir a voz daquela garota!!!! 

Com dificuldade, ele desviou o ataque para a direita, lançando toda a energia contra a estrutura. O lado direito do prédio foi destruído por completo. Ele arfou, cambaleando; um de seus olhos voltou à cor vermelha, e seus cabelos, antes negros, começavam a clarear aos poucos, como se algo o estivesse puxando de dentro para fora. 

— O que você está fazendo?! Não! Não, seu impostor! Pare agora, você é fraco! Me deixe acabar com isso! Desista de uma vez por todas!!! Seu impostor!!!! 

Kamito, lutando internamente, respondeu com toda a força de vontade que lhe restava: 

— Não! Você que é o impostor! Devolva já o meu corpo, sua sombra! Já chega de você tentar fazer a minha cabeça e de fazer a Akane sofrer!!! Desista!!!! 

A Relíquia negra desfaleceu em luz, desaparecendo completamente. O ser levou ambas as mãos à cabeça e gritou, curvando-se. Um vórtex caótico de chamas azuis e negras se formou ao redor de seu corpo, crescendo como um furacão. Akane recuou um passo, assustada; Falcão observou tudo com atenção, percebendo que algo jamais visto estava acontecendo. 

— Sai logo da minha cabeça!!! Não! Eu não vou mais me submeter a um fraco como você! O fraco é você que teve que me enfraquecer mentalmente para assumir o controle, saia de uma vez!!! Sua sombra!!!! 

Falcão estreitou os olhos, estudando a cena. 

— Agora eu entendi. Dupla personalidade. Ambos existem no mesmo corpo e possuem Manifestações de cores diferentes. Você é mesmo cheio de surpresas, Adfectus, mas será que o garoto resistirá à Manifestação Negra? 

Ele virou o rosto para a esquerda por um instante, olhando a cidade através do enorme buraco aberto na parede. Em seguida voltou sua atenção ao garoto, percebendo que os cabelos de Kamito tinham retornado ao normal. Com isso, ele caiu de joelhos, completamente exausto. 

— Ao que parece, sua Manifestação Negra se foi, e suas forças também. Acabou. Você não tem mais nenhum truque, nem mesmo forças para lutar. Você é realmente interessante, novo Lobo, mas já chega de brincar. 

Antes que ele pudesse avançar, Akane correu para a frente de Kamito e abriu os braços, protegendo-o com seu próprio corpo. Sua voz veio firme, mas tomada pelo desespero. 

— Você não encostará mais um dedo no Kamito! Eu não irei permitir!!! Se quiser matá-lo, terá que me matar também!!! Eu também sou sua inimiga! 

Ela estava tremendo, mas não recuava. Para Kamito, mal conseguindo manter os olhos abertos, aquilo parecia um sonho distante. 

— Não se preocupe, Kamito. — disse ela, com uma calma triste. — Eu prometi que seria seu escudo, então, se realmente vamos morrer, eu quero morrer junto de você!!!! 

Falcão sorriu sombriamente, erguendo um braço. 

— Se esse é seu desejo, morra junto do seu amado. Mas quando chegarem no inferno, não digam que não fui caridoso em realizar seu último desejo!!!! 

Ele disparou uma lança massiva de energia, que atravessaria os dois de uma só vez com velocidade mortal. Porém, a poucos metros de os atingir, a lança parou bruscamente, e, num estalo violento, retornou na direção de Falcão. Ele arregalou os olhos e desviou no último instante, completamente confuso. 

— Quem fez isso?! Quem teria tal poder a ponto de rebater minha lança?