Em cima de telhados, se movendo com liberdade na escuridão da noite, escondidos dos olhares de todos, quatro figuras misteriosas conversavam pacificamente sobre o que acabara de acontecer.

    — É a primeira vez que algo assim acontece. Nem mesmo as criaturas do lado de fora são assim! Pútridas, como cadáveres ambulantes.

    — Mas bem, de verdade, acho que a coisa mais impressionante que vimos hoje não foi aquela coisa. 

    — A menina… aquilo sim foi bizarro, ela deveria ter o que, dez, doze anos? Ainda não tenho certeza como ela sobreviveu.

    — Falando nisso, capitão, aquele colar — seu capitão interrompeu sua frase, sendo curto e grosso em suas palavras. — Sim Pedro, são os mesmos que damos a cadetes da academia imperial. 

    Disse sem dar mais explicações, como se quisesse que o assunto morresse. Pedro, pareceu entender o recado, e se calou, esperando para ver o desenrolar da conversa.

    — Isso não explica muita coisa. Com ou sem colar de recruta, ela não deveria resistir a uma porrada daquelas, mesmo adultos terminariam em um funeral com o caixão fechado.

    A mulher, que estava quieta até então, olhou  para seus companheiros com desdém e disse.

    — O que tem de surpresa naquele rato sobreviver. Todos nós sabemos que baratas são difíceis de matar!

    Assim que terminou de falar isso, a temperatura despencou e todos podiam ver suas próprias respirações, pequenas geadas cobriam suas armas.

    — Oh, me perdoe Capitão Andrei, sempre me esqueço que o senhor também já rastejou com os ratos. Foi por isso que ajudou aquela baratinha? Ela o lembrou da sua infância nas favelas?

    — Samantha… Há coisas que sua laia nunca vai entender. 

    Ficava mais frio a cada palavra que pronunciava.

    — Dê tempo ao tempo. Vamos ver, quão longe um ratinho pode chegar, você não faz ideia do que o medo e a fome faz com as pessoas. Tenho certeza que vou rir bastante da sua cara quando isso acontecer.

    — Isso o que, capitão? Você acha que a gente vai se reencontrar com aquela menina?

    — Não, longe disso meu querido Luquinhas, longe disso. Ela vai encontrar a gente! Só dê tempo ao tempo, vocês vão ver.

    Todos pareciam curiosos, com o que seu capitão havia dito, menos Samantha é claro, que estava furiosa. 

    Não só ela estava junto com aqueles que considerava escória como punição por insubordinação e agressão a um superior, como também sabia que teria que escutar os delírios daqueles loucos por tempo demais para seu gosto.


    Após todos aqueles incidentes, o grupo passou a semana se movendo em direção ao sul do império, resolvendo qualquer missão que lhes fosse atribuída no caminho.

    O trajeto foi tedioso, com todos quietos sem dizer nada mais que o necessário, com a exceção Lucas que tentava com insistência puxar algum assunto com todos, mas na maioria das vezes acabava fazendo com que seus companheiros ficassem irritados consigo.

    Ao se aproximarem das áreas mais ricas, longe do distrito da pobreza, eles pararam em frente ao guichê de uma grande área militar isolada na encosta de uma baía.

    Os muros que separam a área civil da militar tinham em torno de quinze metros de altura, e era largo o suficiente para que soldados e vigias pudessem transitar com facilidade por cima dele observando todos que tentavam cruzar suas paredes inexpugnáveis. 

    Os holofotes brancos recaíram sobre eles, iluminando-os. Quando a presença do grupo foi identificada pelos vigias e soldados rasos, um coro de cochichos e estalos de língua foram escutados, junto de uma série de olhares de desgosto e desprezo. Alguns segundos depois, Andrei acenou com a cabeça para que todos tirassem suas máscaras e baixassem os capuzes.

    Nesse momento, de dentro da área militar, saiu um homem gigante vindo em direção ao grupo.

    Sua constituição parecia a de uma parede e seu rosto quadrado com a mesma expressão rabugenta de sempre, seus subordinados tinham a teoria que demonstrar alegria lhe causava dor extrema, já que todos as vezes em que sorria, sua expressão se assemelhava a de um cão chupando manga.

    — Unidade de reintegração! Que desprazer ver todos vocês retornando de suas punições, de novo. Isso é uma lástima com certeza… mas não é surpreendente. 

    — Retornamos da missão em segurança Major! Prontos para darmos nosso relatório — disseram todos em uníssono.

    O Major os observou com desgosto, seus olhos fitaram cada um deles, analisando seus estados físicos. Retirou um papel do bolso e começou.

    — Andrei, Samantha, Pedro… e Lucas. Vocês quatro voltaram vivos da sua designação para Unidade de reintegração para soldados insurgentes. Sua punição acabou, e podem finalmente retornar aos seus postos originais.

    Ao dizer isso, as marcas e desenhos vermelhos em seus casacos e roupas brilharam, e junto com estalo, desapareceram. Finalmente, depois de uma semana, todos poderiam retirar suas roupas e receber tratamento médico adequado.

    — Isso, isso! Finalmente livre! 

    Lucas pulava, abraçava seus companheiros, xingava como um marinheiro, até se lembrar que estava de frente para um Major, que o encarava com um olhar de mil jardas.

    — Hurum. Perdão, Major irei ficar quieto.

    Depois de um longo suspiro ele voltou.

    — Tirem os trajes de contenção lá dentro e tomem um banho, vocês estão podres. Depois de ficarem apresentáveis relatem tudo, absolutamente tudo que viram e fizeram durante a sua semana de punição. Não ocultem nada, a menos que queiram ficar permanente na Unidade de reintegração, me fiz claro?

    — Perfeitamente.

    — Como cristal.

    — Sim senhor!

    — Sim, Major.

    Todos entraram, Samantha foi a primeira a se distanciar deles, foi direto para os vestiários se trocar, e todos suspeitavam que ela não voltaria a falar com eles a menos que fosse necessário.

    Os três caminharam juntos, Lucas parecia que ia rasgar o traje de contenção a qualquer momento, Pedro estava pensativo, olhava para os lados com antecipação, como se esperasse alguma coisa acontecer.

    Já Andrei, estava como sempre, ninguém conseguia realmente dizer o que se passava na cabeça dele, um maluco de primeira linha.

    Chegando aos vestiários masculinos, Pedro foi o primeiro a entrar. Foi de cabine em cabine batendo na porta, se certificando de que não havia ninguém lá dentro. Quando tudo foi certificado e todos tinham certeza que estavam sozinhos, eles se encararam e disseram juntos, como se fosse algo ensaiado.

    — O que vamos esconder do Major?

    A constatação de que todos falaram a mesma coisa coisa os atingiu como uma maravilhosa piada. Andrei gargalhou rapidamente, antes de continuar o assunto com seus companheiros.

    — Nossa, eu esperava isso do Pedro, já que é a terceira vez dele na reintegração, mas você, novato, foi uma grata surpresa, sinto que vamos nos dar muito bem daqui pra frente.

    — Temos que ser rápidos pessoal. Então, todos concordamos que só tem uma coisa que devemos esconder do Major certo? — Pedro disse e sem dar tempo para que eles respondessem ele continuou — Com isso resolvido, vamos para o próximo assunto… agora que estamos sozinhos, você pode por favor me dizer o que era aquele colar?

    Andrei não teve tempo de responder, porque Pedro sem cerimônia começou a falar.

    — Ahhh, qualé rapaziada, não sei se vocês esqueceram, mas eu sou o novato! Eu não tô entendendo porra nenhuma do que vocês estão falando. Eu sei que você fez uma pergunta retórica, mas eu não entendi! O que a gente vai esconder do Major?!

    Pedro e Andrei pararam por um momento, se encararam, não sabiam se eles que eram malucos e realmente falavam com um entendimento mútuo estranho, ou se Lucas era um pouco burro.

    — A gente não vai falar pro Major que uma criança com um item de categoria militar sobreviveu ao ataque de uma dessas criaturas misteriosas e que após o confronto não só prestamos ajuda a ela mas também a levamos para absorver a essência da criatura. Mais alguma coisa que eu tô esquecendo? 

    — Não, não, acho que isso é tudo. Entendeu Lucas? — Pedro perguntou, olhando nos seus olhos para ter certeza que ele compreendeu.

    — Ahhhhh, faz sentido, achei que a gente só ia combinar de esconder algumas bobeiras tipo a gente tomando chopp depois das missões, ou então do Andrei bêbado perdendo a máscara de contenção na hora de bater o cartão. Não uma informação sobre um item militar perdido e da gente revelando segredos militares pra uma criança esquisita… isso faz bem mais sentido na verdade. Mas e a Samantha? Ela pode… não, ela vai contar! 

    — Ela não vai, pode ter certeza. Agora podemos falar do colar? 

    — Podemos? 

    Ambos olhavam para Andrei.

    — Podemos! Suas suspeitas estão certas Pedro, aquele colar é o mesmo dado aqueles que entram no esquadrão ébano e serafim. — disse retirando o exato mesmo colar de dentro de sua roupa.

    — Isso quer dizer…

    — Sim! Aqueles são os pertences do meu grande amigo fugitivo. Bem, acharam ele né, então agora é: grande amigo cadáver!

    Ambos continuaram a falar, o assunto foi para o anel e os livros que a menina deveria ter pego junto com o colar, o que tudo aquilo podia ocasionar e o que ela iria fazer com essas coisas. 

    Muitas teorias foram feitas, Andrei e Pedro pareciam duas crianças falando sobre um desenho animado, não sobre a vida de uma menina.

    Para Lucas, aquela conversa estava em grego, então ele só seguiu o fluxo, fazendo perguntas e buscando resposta para garantir que não desse com a língua nos dentes e que nada de ruim acontecesse com ele por enquanto.

    — Beleza, eu tô meio perdido no assunto, mas tá tranquilo. Agora me digam, se a Samantha não vai contar pro Major sobre a menina. Por que você pediu pra gente não falar colar das outras coisas com ela por perto?

    Aqueles dois se olhavam como uma dupla de stand up, um com uma cara risonha, prestes a contar a coisa mais engraçada do mundo. O outro com uma cara preocupada, sabendo que não teria graça nenhuma.

    — Por que? Porque se ela descobrisse, ela sem dúvidas voltaria até lá pra matar a menina e roubar o colar dela.

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      Parece que você se perdeu entre os mundos. A história que você está procurando não está aqui. Talvez ela tenha sido perdida entre as páginas ou nunca tenha existido.

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