Capítulo 40 - Mudança de Trilhos (1/3)
Capítulo 040
Mudança de Trilhos
Zorian acordou muito cedo pela manhã, despertado de seu sono pelo murmúrio fraco e incoerente de Kirielle dormindo ao seu lado. Por um momento, ele se perguntou por que Kirielle estava dormindo em sua cama em vez de estar em seu próprio quarto, mas então ele saiu do estado confuso de meio-sonho em que estava, e as memórias da noite anterior vieram como um turbilhão para ele.
Rea e seu marido estavam mortos, sua filha desaparecida. Um evento que pegou Zorian completamente desprevenido, que nunca tinha ouvido falar de algo assim acontecendo nos reinícios anteriores. Isso era algo que geralmente acontecia e ele nunca ouviu falar, ou as muitas mudanças originárias da destruição araneana de alguma forma causaram esse desdobramento? O fato de Rea e Sauh terem sido mortos por um monstro errante parecia sugerir o último, mas Zorian tinha um palpite de que não havia nada de aleatório naquele ataque do monstro. Afinal, os ratos cefálicos estavam monitorando a casa dos Sashal por um motivo, e os invasores gostavam muito de escravizar os habitantes das masmorras à vontade e usá-los como seus cães de ataque.
Kirielle, é claro, não sabia nem se importava com as reflexões de Zorian sobre o assunto. Ao contrário dele, que não era terrivelmente próximo da família Sashal e para quem suas mortes de forma alguma seriam permanentes, Kirielle tinha se aproximado muito de Nochka e ficou arrasada ao saber do ataque. Nem mesmo apontar que ela ainda poderia estar viva a fez parar de chorar. Afinal, a polícia disse que seus pais foram mortos por um habitante das masmorras, e eles não eram exatamente conhecidos por sequestrar pessoas e mantê-las vivas para pedir resgate.
No final, Kirielle só se acalmou e foi dormir quando Imaya lhe deu um ‘chá calmante caseiro’ que fez efeito suspeitosamente rápido. Provavelmente um opiáceo suave1. Muito provavelmente, ele deveria ter pedido uma xícara disso para si mesmo— ele já estava bastante nervoso com sua experiência de ler as memórias dos cultistas e, portanto, estava mal preparado para lidar com essa nova crise.
Movendo-se lentamente, Zorian cuidadosamente se soltou da cama e saiu do quarto, tentando não acordar Kirielle. Ele tinha quase certeza de que falhou nesse aspecto, pois sua assinatura mental abruptamente ficou mais ativa na metade de sua retirada do quarto, mas como ela nunca disse nada e manteve os olhos fechados, ele presumiu que ela não queria falar com ele ainda. Ou talvez ela só quisesse voltar a dormir. Era muito cedo…
Ele encontrou todos os outros já acordados e sentados ao redor da mesa quando entrou na cozinha — Imaya, Kael e até Kana.
“Não conseguiu dormir também, hein?” Kael perguntou retoricamente.
“Kirielle se esgueirou para minha cama no meio da noite”, disse Zorian com um suspiro. “Ela já é difícil de dividir a cama mesmo em circunstâncias normais, e considerando os eventos recentes…”
“Coitadinha”, disse Imaya. “Ela foi a mais atingida por isso, eu acho. É uma vergonha que algo assim pudesse acontecer no meio da cidade, e depois que já se sabia que os monstros estavam ficando anormalmente agressivos também!”
Imaya passou os próximos dez minutos ou mais culpando a cidade pelo má gestão da crise dos monstros — um assunto pelo qual ela nunca demonstrou muito interesse antes. Não era preciso ser um empata para perceber que Kirielle não era a única profundamente afetada pelos assassinatos. Ela provavelmente havia formado uma amizade com Rea durante as muitas vezes em que trouxera Nochka para se encontrar com Kirielle.
Kael e Kana, por outro lado, pareciam muito menos afetados. Kael praticamente não tinha interação com Nochka ou Rea, e nunca havia conhecido Sauh, então isso era compreensível. Kana às vezes se juntava a Nochka e Kirielle em suas brincadeiras, mas não chegava nem perto de Nochka quanto Kirielle. Ela também era muito jovem e provavelmente não entendia bem o que estava acontecendo.
Eventualmente Imaya se esgotou e ficou em silêncio, embora Zorian ainda pudesse sentir muita frustração saindo dela. Uma atmosfera desconfortável desceu sobre a mesa.
“Ah, sim”, Imaya disse de repente. “Esqueci de te contar ontem, mas a polícia quer falar com você sobre… Rea e sua família.”
“Eu?”, perguntou Zorian surpreso. “O que eu saberia sobre isso?”
“Você falou com Rea e seu marido relativamente recentemente”, apontou Kael. “Eles provavelmente querem ver se te contaram algo importante. Muito provavelmente querem falar com todos que conheciam as vítimas.”
“Entendo”, disse Zorian, tamborilando os dedos na mesa. “Eles vão fazer uma visita aqui em algum momento ou devo ir visitar a delegacia?”
“O detetive Ikzeteri disse que estaria na residência Sashal ao meio-dia de hoje, e que você deveria encontrá-lo lá se possível”, disse Imaya.
Zorian franziu a testa. Ikzeteri? Isso soava familiar, onde ele… ah, seu antigo professor de adivinhação tinha esse sobrenome também, não tinha? E ele era um detetive também…
“Esse detetive Ikzeteri… ele não se chamaria Haslush, chamaria?” perguntou Zorian.
“Eu acho que esse era o nome dele, sim”, Imaya disse, franzindo a testa. “Tenho que dizer que não me lembro muito bem da apresentação dele. Fiquei chocada demais para prestar atenção. Por que, você o conhece?”
“Já ouvi falar dele”, disse Zorian. “Não é realmente importante, eu estava apenas curioso. Vou visitá-lo mais tarde.”
Nesse ponto, Kirielle entrou na cozinha, aparentemente tendo decidido não voltar a dormir, e todos eles decidiram, sem palavras, deixar o assunto da família Sashal de lado por um momento.
* * *
A casa da família Sashal não parecia uma cena de morte. Essa foi a primeira coisa que Zorian notou quando se aproximou da casa. Ele esperava ver algum tipo de dano no prédio — janelas quebradas, a porta arrancada das dobradiças, talvez uma parte da parede danificada — mas a casa parecia totalmente intacta. Se não fosse pelo trio de policiais rondando a entrada e dando-lhe olhares severos enquanto ele se aproximava, ele nunca teria imaginado que os ocupantes haviam sido assassinados.
Não parecia muito com um ataque de monstro para ele. A chance de isso ser um evento aleatório genuíno estava ficando cada vez menor.
“Estou aqui para falar com o detetive Ikzeteri”, ele disse ao policial alto, bigodudo e de aparência severa que parecia ser o líder do grupo na frente dele. “Ele me disse que eu deveria procurá-lo aqui. Ele está presente?”
“Ele está lá dentro”, o homem assentiu. “Mas temo que não posso deixar você ir procurá-lo sozinho. Se você estiver disposto a esperar um pouco, eu o notificarei que você está aqui.”
“Por mim, tudo bem”, disse Zorian, embora internamente ele não estivesse feliz. Ele queria dar uma olhada dentro do lugar para ver se conseguia encontrar alguma pista. Ele duvidava que a polícia estivesse disposta a lhe contar detalhes sobre os assassinatos, afinal.
Inconveniente. Ele poderia simplesmente esperar até que eles saíssem do lugar sozinhos e entrar furtivamente, mas isso poderia levar vários dias — a maioria das pistas já teria esfriado até lá, supondo que não tivessem sido confiscadas pela polícia como evidência. Além disso, não havia muito tempo antes do fim do reinício, então sua janela de oportunidade para conduzir uma investigação era muito pequena.
Droga, ele definitivamente não precisava disso agora…
“Espere aqui, então”, disse o policial bigodudo. “Qual é seu nome, garoto?”
Zorian deu a ele seu nome, e o homem prontamente desapareceu pela porta para buscar Haslush. No entanto, depois de cinco minutos de espera em silêncio desconfortável enquanto os outros dois policiais lhe davam olhares desconfiados, ele percebeu que levaria um tempo para o homem retornar.
Zorian se remexeu desconfortavelmente no lugar, provavelmente parecendo extremamente suspeito para os dois policiais que examinavam minuciosamente cada movimento seu. Ele sabia que não era totalmente racional, mas estava profundamente nervoso por estar tão perto da polícia. Logicamente falando, eles não tinham razão para suspeitar de nada e toda essa conversa provavelmente era apenas uma formalidade. Entretanto, ele teve experiências ruins com a polícia em Cirin, e além disso, estava lidando com Haslush — seu antigo professor podia ser assustadoramente perceptivo às vezes. Zorian não duvidaria que o homem notasse algo estranho nele e o levasse para um interrogatório mais detalhado, o que seria uma perda de tempo gigantesca na melhor das hipóteses e, na pior, exigiria um fim prematuro do reinício por suicídio.
Ele preferiria evitar a última possibilidade a todo custo. Kirielle já estava devastada por perder um amigo, então ter seu irmão se explodindo de repente na delegacia seria terrível. Verdade, Zorian não estaria lá para ver sua angústia, e o reinício terminaria alguns dias depois, mas só de imaginar a possibilidade o deixava doente.
Talvez ele devesse ler a mente de Haslush? Haslush provavelmente era treinado para detectar e resistir à intrusão mental, sendo um mago trabalhando para a polícia e tudo, mas a marca particular da magia mental de Zorian era muito fora do padrão. Ele não usava nenhum encantamento ou gesto óbvio, então talvez ele pudesse se safar. Isso provavelmente responderia a muitas perguntas e permitiria que ele evitasse qualquer erro óbvio ao falar com ele…
…mas não, isso era um risco muito grande. Além disso, ele tinha alvos muito melhores para algo assim parados ao lado dele — ele duvidava que aqueles policiais mundanos fossem treinados para lidar com magia mental, além de talvez receberem algumas dicas. Um segredo é tão forte quanto seus elos mais fracos. 2
Ele começou a se infiltrar nos pensamentos dos dois policiais. Ele descobriu que eles não estavam realmente tão interessados nele quanto ele imaginava, mas também não estavam pensando na família Sashal — um deles estava com fome e pensando no jantar que sua esposa estava fazendo para ele em casa, e o outro estava fantasiando sobre alguma funcionária administrativa da delegacia. Bem, tudo bem — ele falaria com eles e guiaria seus pensamentos de volta à situação em questão.
“Então, eu não quero colocar vocês, cavalheiros, em apuros ou algo assim, mas há algo que vocês possam me dizer sobre o que aconteceu aqui? Sauh e Rea eram meus amigos e fiquei chocado ao ouvir o que aconteceu com eles… há algo que vocês possam me dizer sobre tudo isso?”
Zorian não esperava que eles falassem muito — ele esperava que eles lhe dessem um tratamento silencioso até Haslush sair, mas simplesmente mencionar o tópico geralmente era o suficiente para fazer uma pessoa começar a pensar sobre isso. Ele não esperava ser atingido por uma verdadeira onda de desconfiança e escárnio vindo de seu vínculo com um dos policiais, no entanto.
[E ele parecia um garoto de aparência tão normal também], o homem pensou consigo mesmo. [Eu nunca imaginaria que ele estava andando com um bando de metamorfos gatos ladrões. Só mostra que você nunca pode confiar nas aparências externas quando se trata dessas besteiras mágicas…]
Rea era uma metamorfo gato? Huh. Isso fazia muito sentido, na verdade — explicava algumas coisas. O que ele não entendia era que o policial parecia pensar que isso tornava Rea e sua família pessoas más — tanto que Zorian era aparentemente mau só por se associar a eles.
Aparentemente, ele reagiu fisicamente a essa revelação, pois o outro policial percebeu e falou para evitar qualquer possível aborrecimento. Ele não pareceu ver a reação de Zorian como qualquer evidência de leitura de mentes, atribuindo sua reação ao fato de ele ser capaz de sentir a mudança no comportamento e na expressão facial de seu parceiro.
“Estamos aqui apenas para parecer durões e desencorajar vizinhos curiosos de bisbilhotar, garoto”, disse o outro policial. “Não sabemos nada mais sobre isso do que você, muito provavelmente — algum tipo de criatura de masmorra entrou na casa e matou o casal lá dentro. Para mais alguma coisa, você terá que esperar o policial Kalan voltar com o detetive.”
O primeiro policial balançou a cabeça levemente antes de perceber o que estava fazendo e parar. [A criatura que os matou simplesmente entrou por uma porta destrancada,em vez de arrombá-la, e não atacou absolutamente mais ninguém em todo esse bairro lotado. Se isso foi uma incursão genuína de monstros, eu como meus próprios sapatos], o homem pensou consigo mesmo. [Os gatinhos provavelmente meteram o nariz em algum negócio obscuro, como sempre, e foram punidos quando alguém se ofendeu. Os deuses sabem que eles estão metendo as patas em tudo ultimamente…]
Zorian franziu a testa. “E Nochka? A filha deles? Disseram-me que o corpo dela nunca foi recuperado, e que ela ainda pode estar viva?”
Os dois policiais subitamente ficaram muito desconfortáveis. Até o primeiro, que claramente não gostava de metamorfos gatos como um todo, sentiu-se mal pela garotinha que o lembrava de sua própria filha. Nenhum deles achava que havia muita chance de Nochka ser encontrada novamente, mas, como era de se esperar, eles não estavam dispostos em contar isso a Zorian e, em vez disso, tentaram pensar em uma resposta vaga adequada que pudessem lhe dar.
Ambos deram um suspiro de alívio quando sua conversa foi interrompida pela chegada de seu amigo bigodudo, que saiu da casa com Haslush acompanhando. Haslush, por sua vez, decidiu levar Zorian para uma caminhada para longe da casa, arruinando seu plano de continuar lendo a mente dos policiais mundanos enquanto eles conversavam para obter pistas adicionais.
Pode ser até melhor, na verdade — prestar atenção a dois fluxos de pensamento diferentes ao mesmo tempo já tinha sido bem difícil. Tentar ter uma conversa com Haslush enquanto fazia o mesmo provavelmente teria sido impossível.
“Então, Zorian… Posso te chamar de Zorian, certo?” Haslush perguntou. Zorian assentiu, ciente de que o homem tinha uma aversão enorme por formalidades. “Certo. Imagino que a Srta. Kuroshka contou a você o que aconteceu ali dentro, mas só para deixar claro: Rea e Sauh Sashal foram encontrados mortos em sua casa ontem de manhã, junto com os corpos mutilados de duas centopeias gigantes. A filha deles não foi encontrada em lugar nenhum, e ninguém ouviu nada sobre ela desde então. Alguma dessas é novidade para você?”
“O Sr. Tverinov e a Srta. Kuroshka já me contaram a maior parte disso, mas não a parte sobre as centopeias mutiladas”, disse Zorian.
“Sim, bem, sua irmã mais nova reagiu tão mal à notícia que me censurei um pouco. Chamei de ataque de monstro em vez de me deter nos detalhes”, Haslush deu de ombros. “Peço desculpas por aborrecê-la tanto. Disseram-me que às vezes posso ser um pouco indelicado, mas é uma característica difícil de perder. Essa linha de trabalho tende a torná-lo mais do que um pouco mórbido, e às vezes esqueço que a maioria das pessoas não é exposta à morte e ao crime em todos os momentos de suas vidas.”
Zorian pensou em tranquilizar a preocupação do homem e garantir que não guardava rancor sobre isso, mas então imaginou que o homem estaria mais disposto a compartilhar informações com ele se se sentisse culpado, então ele permaneceu em silêncio. Em vez disso, ele mudou o tópico de volta para os assassinatos.
“Então eles foram mortos por centopeias gigantes?” perguntou Zorian. “Não vi nenhum dano do lado de fora da casa. Como elas entraram?”
“Pela porta. Aparentemente os ocupantes a deixaram destrancada.”
Zorian lançou um olhar incrédulo para Haslush.
“Só estou lhe contando o que descobrimos”, disse Haslush defensivamente. “Sei que esse caso é estranho, é por isso que não o declaramos encerrado e seguimos em frente. E, falando nisso, há algo que você possa me dizer sobre a família Sashal que explique o que aconteceu com eles?”
Claro que havia — mas nada que ele pudesse dizer ao homem sem se meter em problemas. Ele contou a Haslush tudo o que havia descoberto sobre os aparentes metamorfos gatos por meio de suas interações com eles, mas essa era uma informação muito superficial, e pela expressão infeliz de Haslush, provavelmente não era nada novo para o detetive. Não é tão surpreendente — Imaya sozinha provavelmente havia lhe contado tudo o que Zorian disse e mais um pouco.
“Isso não foi realmente um ataque de monstro, foi?”, perguntou Zorian.
Haslush lançou a Zorian um olhar penetrante, que Zorian respondeu sem pestanejar. Depois de alguns segundos, Haslush tirou um cantil de sua jaqueta, tomou um longo e profundo gole e o colocou de volta no bolso da jaqueta.
“Não, provavelmente não”, ele admitiu.
“Por que eles foram alvos e por quem, se você não se importa que eu pergunte?” Zorian disse, tentando a sorte. Ei, quem sabe? Talvez o homem até respondesse.
“Bem, se eu soubesse disso, não estaria falando com você agora, estaria?” Haslush apontou.
“Então você não tem pistas”, Zorian concluiu.
“Tenho pistas demais”, Haslush corrigiu. “Os Sashals… bem, o quanto você realmente sabe sobre eles?”
“Presumo que você esteja falando sobre eles serem metamorfos gatos?” Zorian adivinhou.
“Ah, então você sabe sobre isso. Eu estava me perguntando — o resto dos seus colegas de casa não pareciam cientes desse fato, mas Imaya disse que você estava ‘irracionalmente desconfiado’ de Rea desde o começo. Bem, se você sabe o que eles são, então você certamente sabe por que isso pode ser uma série de coisas…”
“Eu não sei, na verdade”, disse Zorian balançando a cabeça em negação. “Eu estava desconfiado sobre Rea porque ela parecia suspeita e eu sou uma pessoa paranoica. O fato de serem metamorfos gatos nunca foi levado em consideração, e para ser franco, eu não sei praticamente nada sobre eles. Qual é o problema com metamorfos gatos, afinal?”
“Sem rodeios, a maioria dos metamorfos gatos está fortemente envolvida com o crime”, Haslush disse. “Roubo, contrabando e espionagem, geralmente, mas ocasionalmente até assassinato. Suas formas alternativas são feitas sob medida para essas atividades obscuras, afinal. Gatos são animais pequenos e furtivos cuja presença dificilmente é notável por si só. Quantos gatos novos, nunca vistos antes, você vê em uma semana?”
“Muitos.”
“Exato. Em uma cidade grande como esta, gatos desconhecidos são onipresentes. Poucas coisas os ameaçam além dos humanos, e a maioria dos humanos não machuca gatos sem razão. E além disso, os metamorfos ganham a habilidade de acessar características de sua forma animal mesmo enquanto são humanos, o que significa que os metamorfos gatos ganham coisas como visão noturna, um olfato poderoso o suficiente para envergonhar a maioria dos cães, equilíbrio e agilidade superiores, e um monte de outros benefícios.”
“Ainda estou um pouco surpreso que isso os deixe tão ativos no crime”, disse Zorian. “Você poderia pensar que a flexibilidade pura dos magos clássicos empregados pelas várias forças policiais permitiria que eles fechassem um grupo de metamorfos operando assim, independentemente de suas habilidades especiais.”
“Ah, mas você está assumindo que os metamorfos gatos trabalham sozinhos, o que não é o caso. Eles são, de longe, o tipo de metamorfo mais firmemente assimilado de todos. Eles vivem em cidades e vilas entre pessoas comuns, e são virtualmente indistinguíveis de um humano normal em uma inspeção casual. Tudo o que um cidadão comum pode fazer, os metamorfos gatos também podem — em particular, isso significa que eles não têm problemas em aprender magia clássica sozinhos. Inferno, suas ligações com o crime significam que eles podem colocar as mãos em muitas coisas que um mago comum não pode, como rituais de aprimoramento permanente ou feitiços ilegais para evitar ser notado e influenciar pessoas…
“No entanto, você tem alguma evidência de que Rea e sua família eram esse tipo de metamorfos gatos?” Zorian franziu a testa. “Talvez eu seja ingênuo, mas eles não pareciam assim para mim. Certamente existem metamorfos gatos não criminosos?”
“Existem”, Haslush assentiu. “E cada metamorfo gato faria você acreditar que é um deles. Considerando o que aconteceu, não acho que estou disposto a dar muito crédito à família Sashal como tais contraexemplos.”
Meia hora depois, Haslush decidiu que tinha conseguido tudo o que precisava de Zorian e o mandou embora. Em vez de ir para casa, no entanto, Zorian ficou para trás. Depois de confirmar que Haslush não voltaria para a cena do crime, Zorian voltou furtivamente para lá para fazer mais algumas investigações. Havia guardas postados na frente da casa, mas nenhum estava lá dentro. Perfeito. Zorian não ousou entrar na casa sozinho, com medo de que houvesse algum tipo de alarme na casa para notificar a polícia sobre invasões, mas conjurar um globo ocular ectoplasmático e enviá-lo para dentro não pareceu disparar nenhuma barreira mágica, então ele fechou os olhos e fez seu olho espião olhar o interior da casa.
Os corpos de Rea e Sauh já haviam sumido há muito tempo, mas não foi difícil descobrir onde cada um havia morrido devido a todas as manchas de sangue. Tragicamente, Rea parecia ter sido morta na frente do quarto de sua filha, tentando manter os agressores longe de Nochka. Ela não caiu sem lutar — os corpos das duas centopeias gigantes, que a polícia decidiu deixar na casa por algum motivo, estavam espalhados por toda a área. Elas tinham sido literalmente despedaçadas, seus corpos cortados em seções por algum poderoso ataque cortante. No final, porém, não foi o suficiente. A porta do quarto de Nochka foi arrombada — a única porta da casa que foi tratada de forma tão destrutiva — sua cama estava virada e Nochka não estava em lugar nenhum.
Zorian estava nutrindo a esperança de que talvez Nochka tivesse se transformado em um gato quando o ataque aconteceu e então escapado a noite, mas isso não parecia mais provável. Estava mais do que óbvio agora que Nochka tinha sido levada pelos agressores por algum motivo.
Meia hora depois, não tendo encontrado nada similarmente notável, ele estava pronto para encerrar o dia e ir para casa. Foi quando ele procurou novamente no lugar onde Rea havia morrido, e notou algo interessante na cabeça decepada de uma das centopeias — vagamente esculpido na quitina de uma das seções dianteiras da centopeia havia um símbolo muito familiar — um círculo com um pictograma ikosiano arcaico para ‘coração’ dentro dele. Não era o símbolo oficial usado pela Ordem Esotérica do Dragão Celestial, mas era um dos vários sinais ‘secretos’ que seus cultistas de ordem inferior usavam para sinalizar outros membros de sua associação.
Depois de inspecionar o resto das partes da centopeia e não encontrar nada mais significativo, Zorian deixou o olho se dissolver e foi embora. Então sua suspeita inicial estava certa — este não era um acordo obscuro voltando para assombrar Rea e sua família, estava conectado à invasão de alguma forma. É verdade que Zorian não tinha ideia de como, mas sabia onde poderia descobrir isso.
O Culto do Dragão Mundial receberia muito mais visitas de Zorian nos próximos dias.
* * *
- Opiáceos são substâncias derivadas do ópio, causam sonolência e têm efeitos analgésicos. [↩]
- Isso é um provérbio modificado, cuja origem é ‘Uma corrente é tão forte quanto seus elos mais fracos’, que significa que a força de uma corrente depende do elo mais fraco, pois, se esse quebrar, a corrente se desfaz. O autor, ao fazer a alteração para ‘segredo’, quis dizer que os policiais mundanos são os elos fracos e, portanto, revelam o segredo mais facilmente.[↩]

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