Capítulo 51 - Fora de Controle (2/3)
No dia seguinte, ele foi a um templo. Mais especificamente, foi a um templo que já havia visitado em reinícios anteriores — aquele com o simpático sacerdote de cabelos verdes e a alta sacerdotisa vidente. Não havia nenhum motivo específico para escolher aquele templo em detrimento dos outros, além da familiaridade, mas ele não achava que isso faria diferença. Qualquer que fosse o templo que ele fosse, eles ainda se reportariam à mesma organização-mãe.
Batak foi tão educado e acolhedor como sempre — cumprimentou Zorian imediatamente ao chegar ao templo e o conduziu para dentro. Depois de servir chá a ambos e conversar um pouco, ele perguntou a Zorian o motivo da sua vinda.
“É incomum ver um jovem como você visitar nosso templo”, comentou Batak. “Você faz isso com frequência?”
“Bem, não”, admitiu Zorian. “Para ser sincero, costumo evitar templos. Já tive algumas experiências ruins com eles no passado. Mas eu queria relatar algo e pedir alguns conselhos, então aqui estou.”
“Ah? Que tipo de experiências ruins?” perguntou Batak, curioso.
Claro que ele queria saber sobre isso. Zorian teria pensado que ‘algo para relatar’ teria despertado ainda mais a curiosidade de Batak, mas aparentemente não.
“É uma longa história”, suspirou Zorian. “A primeira coisa que você precisa ter em mente é que eu sou um empata.”
“Como se você pudesse sentir as emoções das outras pessoas?” perguntou Batak. “Um dom útil.”
“Quando treinado”, assentiu Zorian. “Mas quando criança, eu não tinha controle sobre isso. Eu nem sabia que era um empata. Tudo o que eu sabia era que estar perto de grandes grupos de pessoas me deixava enjoado e tonto. E na minha cidade natal, Cirin, o templo costumava ficar lotado. Nas poucas vezes em que meus pais me levaram lá, acabei desmaiando e causando um certo alvoroço…”
“Que pena”, disse Batak, com simpatia.
“Não foi tão infeliz quanto a reação do velho sacerdote”, disse Zorian, balançando a cabeça. “Ele realmente levou minha reação para o lado pessoal. Decidiu que eu tinha algum tipo de ‘sangue ruim’ que era repelido pela santidade do templo.”
“Sangue ruim?” perguntou Batak, incrédulo.
“Minha mãe era de linhagem de bruxas”, esclareceu Zorian.
“Ah”, disse Batak, compreensivo. “Isso faz mais sentido. Embora eu não concorde com a reação do homem, não era totalmente irracional acreditar que você tivesse algum problema relacionado à linhagem de descendência de bruxas. Linhagens eram muito importantes para as bruxas, e elas adoravam habilidades mágicas hereditárias. Muitas de suas famílias influentes tinham algum tipo de poder de linhagem para explorar.”
“Espere”, Zorian franziu a testa. “Então minha empatia…”
“É perfeitamente possível”, assentiu Batak.
Droga. Então seria possível que o velho padre intolerante estivesse certo sobre ele, pelo menos em certa medida? Porque se sua empatia fosse realmente algo que ele herdara de sua linhagem de bruxas, então ‘sangue ruim’ realmente tinha alguma relação com seus desmaios…
Ele não sabia se achava graça ou se ressentia com isso.
“Eu achava que empatia era algo bem genérico, no que diz respeito a poderes especiais”, disse Zorian. “Muitas pessoas têm, relativamente falando.”
“Poderes especiais não surgem do nada”, disse Batak. A maioria é produto de poções, rituais, possessões espirituais e coisas do tipo. Mas, às vezes, esses poderes podem ser transferidos para os descendentes de uma pessoa, permanecendo adormecidos por uma ou duas gerações antes de ressurgir. É meio que um segredo público, mas quando uma criança nasce com um poder mágico ‘do nada’, isso quase sempre significa que a criança tem coisas interessantes escondidas em sua árvore genealógica. Quanto à empatia ser relativamente comum, bem… imagino que existam mais pessoas com, digamos, origens interessantes do que a maioria das pessoas estaria disposta a admitir.
Isso foi muito interessante, porque bruxas eram endêmicas1 em Altazia, mas empatas podiam ser encontrados em todos os três continentes habitados por humanos. Zorian não achava que todos aqueles empatas em Miasina e Hsan tivessem suas raízes em alguma bruxa nascida em Altazia. Supondo que Batak estivesse de fato certo e que empatas ‘aleatórios’ se originassem de um ancestral que deliberadamente se tornou psíquico, isso significaria que muitas pessoas conseguiram se transformar em psíquicas ao longo da história.
Em outras palavras, havia algum tipo de método confiável circulando por aí para transformar pessoas normais em psíquicos. Não devia ser muito fácil, já que empatas ainda eram bastante raros, mas claramente também não era impossivelmente difícil.
Havia também a questão da família dele. Se sua natureza psíquica fosse de fato algum tipo de pseudolinhagem, então sua mãe e irmãos certamente a teriam também, mesmo que de forma adormecida. Ele sabia que a maioria deles não eram psiquícos completos, já que ele sentiria isso se fossem, mas talvez Daimen fosse. Seu irmão mais velho tinha uma capacidade bizarra de entender as pessoas…
Bem, não havia como confirmar isso de uma forma ou de outra. Daimen estava em Koth, e Zorian não achava que conseguiria alcançá-lo, mesmo que dedicasse um recomeço inteiro só para chegar lá. A menos que encontrasse uma maneira de alcançar instantaneamente outro continente ou algo assim, eles nunca se encontrariam enquanto o loop temporal durasse.
De qualquer forma, mesmo que o resto de sua família não fosse totalmente psíquico, ainda poderia haver uma maneira de despertar seu talento mágico mental adormecido. Certamente era mais fácil desbloquear uma habilidade mágica adormecida do que criá-la do nada, então ele não pôde deixar de se perguntar se seria possível, digamos, tornar Kirielle psíquica de uma forma relativamente fácil e indolor. Não que ele faria isso, já que a ideia de uma Kirielle psíquica o aterrorizava completamente, mas talvez quando ela fosse mais velha e capaz de lidar com o poder de forma responsável…
“De qualquer forma”, Batak continuou após uma breve pausa, “acredito que você disse algo sobre querer fazer um relatório e precisar de conselhos?”
“Sim”, disse Zorian. Ele então retirou um envelope em branco e lacrado do bolso e o entregou a Batak, que franziu a testa para ele.
“Um relatório anônimo?” Batak murmurou para si mesmo.
Pessoalmente, Zorian não achava isso muito anônimo. Anônimo significaria enviar a carta pelo correio normal, sem nunca ter que se encontrar pessoalmente com ninguém. Infelizmente, por mais que Zorian gostasse da ideia, isso não o levaria a lugar nenhum. Tal relatório não seria levado a sério e provavelmente seria jogado no lixo antes mesmo de chegar a alguém importante. Se ele quisesse que a Igreja realmente fizesse alguma coisa, teria que falar com um padre de verdade e pedir que ele garantisse que seu relatório havia sido feito de boa-fé.
“Preciso perguntar: isso é absolutamente necessário?”, disse Batak, preocupado.
“As informações contidas na carta dizem respeito aos crimes de uma pessoa altamente influente com muitos subordinados”, disse Zorian, sem emoção. “Se meu nome for conhecido, temerei pela minha segurança.”
“Entendo”, suspirou Batak. “Muito bem, encaminharei seu relatório aos meus superiores como está. Devo avisá-lo, no entanto, que eles não gostam muito de relatórios anônimos. São vistos como pouco confiáveis. Fique tranquilo, pois suas preocupações serão analisadas, mas pode levar algum tempo até que os investigadores da Igreja se ocupem disso.”
“Quanto tempo é ‘algum tempo’?” Zorian franziu a testa.
“Algumas semanas. Possivelmente meses, se algo mais urgente surgir”, disse Batak.
Droga. Lá se vai essa ideia! Parecia que ele teria que seguir com seu plano B — falar com Alanic Zosk. Ele queria evitar isso, já que duvidava que o velho sacerdote guerreiro o deixasse em paz sem fazer perguntas depois, mas parecia não ter escolha. Se ele realmente precisasse fazer um relatório pessoal para alguém, Alanic provavelmente seria sua melhor opção. O homem quase certamente acreditaria nele e provavelmente se importaria o suficiente com Zorian para manter sua identidade em segredo.
Ele sempre poderia encerrar o reinício prematuramente se as coisas saíssem do controle.
“Bem, já que isso está resolvido, sobre o que posso lhe aconselhar?” perguntou Batak, empurrando a carta para o lado da mesa.
“Almas e necromancia”, disse Zorian sem rodeios.
“Ah”, disse Batak, sentando-se um pouco mais ereto de repente. “Esse é… um assunto bastante incomum para se perguntar. Jovem, o único conselho que posso lhe dar sobre necromancia é: não a use.”
“Eu não estava planejando”, Zorian balançou a cabeça. “O que eu quero saber é por que outra pessoa faria isso. E também por que sentiriam a necessidade de reunir milhares de almas e mantê-las aprisionadas em um pilar de cristal gigante.”
Batak lançou-lhe um olhar vazio, olhou para o lado da mesa onde a carta lacrada de Zorian repousava inocentemente e lançou a Zorian outro olhar vazio. Então, colocou a carta à sua frente novamente e escreveu ‘URGENTE’ em cima do envelope em letras maiúsculas e grandes antes de colocá-la de lado novamente.
Bem. Zorian ainda pretendia falar com Alanic, já que não fazia ideia de quanta influência o pequeno comentário de Batak teria sobre seus superiores, mas ainda assim ficou comovido com o gesto.
“Você provavelmente sabe disso, mas almas são coisas muito misteriosas”, disse Batak seriamente. “Elas têm muitas funções, a maioria das quais não conseguimos nem entender, muito menos influenciar. Mas sua função mais importante não é, como muitos magos acreditam, permitir que se produza e molde mana. É o fato de servirem como um registro vivo e pulsante de tudo o que uma entidade específica é.”
Zorian ergueu as sobrancelhas em incompreensão.
“Os deuses originalmente deram almas aos seres vivos para registrar seus pensamentos e formas, para que suas vidas pudessem ser preservadas após a morte e seus atos devidamente julgados na vida após a morte”, disse Batak. “Por essa razão, os deuses, que tinham profundo conhecimento de como as almas funcionavam, eram capazes de muitos milagres. Contanto que tivessem acesso à alma de uma pessoa, podiam trazê-la de volta à vida, mesmo que seus corpos tivessem sido reduzidos a cinzas e espalhados ao vento. Podiam investigar sua alma para examinar toda a sua vida desde o momento do nascimento. Podiam restaurar a juventude de uma pessoa regredindo suas formas ao estado que possuíam. De acordo com algumas histórias, podiam até criar uma cópia idêntica de uma pessoa, indistinguível do original em todos os aspectos.”
“Cópias de pessoas?” Zorian franziu a testa.
“Não é tão estranho assim”, disse Batak, agitando a mão com descaso. O feitiço do simulacro faz algo muito semelhante. Embora simulacros não sejam de forma alguma perfeitos, eles são tão reais que algumas pessoas argumentam que o uso do feitiço é inerentemente antiético. Eles acreditam que toda vez que um simulacro se dispersa, uma pessoa morre.
“E você?” perguntou Zorian.
“Não”, Batak balançou a cabeça. “Naturalmente, eu sigo o dogma da minha Igreja, que afirma que apenas coisas com alma são consideradas pessoas. Simulacros não as possuem. Mas isso é um devaneio, e eu não sou especialista nesse tipo de magia. O importante é que a magia de alma tem o potencial de conceder aos magos terrenos poderes divinos sobre seus semelhantes. Não é de se admirar, então, que muitas pessoas tenham cobiçado tal poder ao longo dos anos. Seus esforços foram em grande parte em vão, mas isso não impede os necromantes de cometerem atrocidade após atrocidade na tentativa de desvendar os mistérios da alma.”
Zorian considerou essa informação por alguns instantes. A ideia de almas como dispositivos divinos de gravação era totalmente plausível para ele, já que conseguia ver claramente que simplesmente enviar sua alma de volta no tempo poderia manter suas memórias intactas. O que era bastante curioso, agora que pensava nisso — era de conhecimento geral que mentes humanas eram armazenadas dentro do cérebro. Será que sua alma estava sobrescrevendo suas células cerebrais a cada reinício ou algo ainda mais exótico estava acontecendo lá?
Embora houvesse algo naquela história sobre deuses fazendo cópias de pessoas que o incomodava profundamente. Ele sentia que estava perdendo algo importante.
“Então por que o dano à alma é tão catastrófico para o corpo?” perguntou Zorian, curioso. “Claramente, a conexão entre o corpo e a alma não é unidirecional.”
“Claramente”, concordou Batak. “Mas ninguém realmente entende a natureza dessa conexão e como ela funciona. Sabe-se que as almas não conseguem pensar ou sentir quando não estão incorporadas em algo. A alma precisa de um corpo, mesmo que seja apenas uma concha ectoplasmática… mas, igualmente, o corpo precisa de uma alma. No entanto, é provável que uma reação tão catastrófica ao dano na alma tenha muito a ver com a força vital de uma pessoa.”
Zorian quebrou a cabeça por um momento, tentando se lembrar do que a força vital tinha a ver com qualquer coisa. Se lembrava corretamente, a força vital era simplesmente um tipo especial de mana pessoal que não fazia parte da reserva de mana de um mago e era usada exclusivamente pelo corpo para se manter vivo e resistir a magias estranhas. Como a quantidade de força vital raramente variava muito entre os humanos e não podia ser usada para potencializar feitiços, os instrutores da academia não haviam falado muito sobre isso.
Espere. Era isso, não era? Força vital era algo que todo ser vivo tinha e do qual dependia para se manter vivo. E era basicamente uma forma exótica de mana. E a parte externa da alma — a parte que pode ser deformada e mutilada — era a responsável por regular o fluxo de mana de uma pessoa. Se a alma de uma pessoa fosse danificada, isso faria com que suas próprias energias vitais saíssem de controle…
“Agora eu entendo”, assentiu Zorian. “Mas, se eu puder te incomodar com mais algumas perguntas…”
Duas horas depois, Zorian encerrou a conversa com Batak e saiu do templo. Estranhamente, o sacerdote de cabelos verdes expressou o desejo de que Zorian aparecesse para outro bate-papo. Estranho. Zorian esperava que o homem o ignorasse depois de discutir tal assunto. Ele deu a Batak uma resposta evasiva, sem saber se deveria aceitar a oferta, e voltou para casa.
* * *
- restritas a certas regiões[↩]
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