Capítulo 55 - Limiar (1/3)

Capítulo 055

Limiar

Por quase meio minuto, o vazio infinito em que flutuavam ficou em silêncio. Nem Zach nem Zorian sabiam o que dizer, e o Guardião do Limiar parecia satisfeito em esperar tranquilamente por mais perguntas. Zorian gostaria de dizer que estava considerando as implicações desse novo conhecimento no momento, mas a verdade é que ele passou a maior parte do tempo surpreso com a forma como Zach estava lidando com tudo aquilo. Ele meio que esperava que o outro garoto surtasse e começasse a xingar e gritar. Mas não, Zach estava surpreendentemente calmo e quieto sobre a situação. A única evidência de que ele estava de alguma forma chateado era uma leve carranca em seu rosto.

“Então”, Zach finalmente disse, sua voz cortando o silêncio enervante que se instalou ao redor deles. “E agora?”

“Sinceramente, não sei”, admitiu Zorian. “Eu realmente não achei que o Robe Vermelho já tivesse saído do loop temporal. Mas faz tanto sentido, agora que olho para trás…”

“É, ele realmente nos ferrou, não foi?” Zach suspirou.

“Bem, eu não colocaria exatamente assim”, Zorian sorriu. “Tenho quase certeza de que não era isso que ele estava planejando. Nós deveríamos ter desaparecido. O loop temporal deveria entrar em colapso quando o controlador do loop temporal deixasse este lugar, nos removendo permanentemente como uma ameaça. Mas ainda estamos aqui, e se o loop temporal estiver tão fora de seus parâmetros normais, talvez seja possível sair daqui.”

“Heh”, Zach riu. “Agora que você mencionou, sim. E também, isso significa que eu posso parar de me segurar. Você também, aliás. Nós dois temos feito o possível para manter a discrição e impedir que o Robe Vermelho notasse nossas atividades. Agora que sabemos que ele não está mais aqui…”

“Sim”, concordou Zorian. “A meu ver, temos três prioridades principais. Número um, precisamos descobrir quanto tempo temos até o loop temporal entrar em colapso. Número dois, precisamos encontrar uma maneira de sair. E número três, temos que tentar descobrir quem diabos Robe Vermelho realmente é para que possamos lidar com ele rapidamente se… quando sairmos deste lugar.”

Zorian se virou para o lado para olhar para o Guardião do Limiar, que flutuava silenciosamente não muito longe deles enquanto conversavam. Ele não pareceu se importar com o fato de estar sendo ignorado.

“Deveríamos questionar o Guardião sobre tudo o que pudermos pensar”, observou Zorian. “Quem sabe que tipo de segredos críticos ele conhece, e ele não parece se importar em compartilhar nada por iniciativa própria. Embora isso possa levar um tempo — provavelmente deveríamos retornar aos nossos corpos por um tempo para garantir que não sejamos interrompidos.”

“Precisamos mesmo nos preocupar com isso?” perguntou Zach, vestindo a jaqueta para demonstrar como suas roupas pareciam parte integrante de seus corpos. “O cubo parece ter arrancado nossas almas de nossos corpos para nos trazer aqui. Importa mesmo se nossos corpos forem mortos lá fora?”

“Poderíamos simplesmente ser projetados aqui”, Zorian balançou a cabeça. “Parece a maneira mais simples de conseguir isso, para ser sincero. Por outro lado, isso deixaria o controlador do loop terrivelmente vulnerável enquanto mexe nos controles. Hmm… Guardião?”

“Vocês foram meramente projetados para este lugar, mas sua estadia não será interrompida por eventos no mundo exterior”, explicou o Guardião. Aparentemente, era inteligente o suficiente para interpretar qual seria a provável pergunta com base na conversa dele com Zach. Interessante. “Se suas formas físicas sofrerem danos críticos, ou se adulteração de almas for detectada, eu atrairei suas almas para dentro do Portal para protegê-las. Seu tempo aqui permanecerá irrestrito, embora vocês tenham que iniciar uma nova iteração do loop para deixar o lugar, pois não posso ancorar novamente suas almas em seus corpos caso eles não estiverem suficientemente intactos.”

“Bem. Bom saber, eu acho”, murmurou Zorian. Ele olhou para Zach e percebeu que o outro garoto já o encarava. “Você tem alguma coisa para perguntar ao Guardião ou…?”

“Você primeiro”, disse Zach, balançando a cabeça.

“Certo. Primeiro, há um limite de tempo para permanecermos aqui?” perguntou Zorian.

“Quando esta iteração do ciclo terminar, sua visita atual a este lugar também terminará”, respondeu o Guardião. “Fora isso, não.”

Então, quando o ciclo temporal recomeçar, eles serão arremessados ​​de volta aos seus corpos no início do mês, mas, tirando isso, poderiam ficar ali o quanto quisessem.

Eles tinham bastante tempo, então.

“Quais são os critérios para o fim de cada iteração?” perguntou Zorian, curioso. “A mera passagem do tempo é suficiente ou há algo mais?”

“A passagem do tempo é suficiente”, confirmou o Guardião. “Nenhuma iteração pode durar mais de um mês. Além disso, há uma infinidade de contingências que farão com que a iteração termine prematuramente.”

“Você pode listar essas contingências?” perguntou Zorian.

“Não”, afirmou o Guardião, sem emoção. “Você não possui autorização para essa informação.”

Zorian piscou surpreso. Embora suspeitasse que o Guardião não seria capaz de responder a todas as perguntas, pensou que teria mais a ver com o fato de ser apenas um feitiço de animação bobo, no fim das contas, e não que ele literalmente se recusaria a ajudá-los daquele jeito.

“O quê? Mas eu pensei que nós éramos o Controlador”, Zach interrompeu de repente. “Como podemos não estar autorizados a saber?”

“O Controlador não tem autorização irrestrita”, explicou o Guardião. “Somente o Criador e seus agentes têm acesso a informações sobre o funcionamento do Portão.”

“Criador?” repetiu Zach, incrédulo. “Criador do quê?”

“Do Portão, é claro”, disse o Guardião. Zorian quase conseguia imaginar o Guardião revirando os olhos com a pergunta, mesmo que seus olhos não funcionassem assim e sua voz nunca mudasse de tom.

“Então o Controlador não é a autoridade máxima quando se trata do Portão ou do loop temporal?” perguntou Zorian. O Guardião confirmou isso imediatamente. “O que você pode nos dizer sobre este Criador, então?”

“Você não está autorizado a saber a identidade do Criador”, informou o Guardião.

Claro que seria algo assim…

“Tsc. Essa coisa é irritante demais!” reclamou Zach.

Mais dez minutos infrutíferos foram gastos tentando questionar o Guardião sobre o Criador, seus agentes, se era um deus (como Zorian suspeitava) ou não, quanto tempo fazia desde a última vez que o Criador interagira com o Portal, e assim por diante. A resposta do Guardião foi a mesma para todas: eles não tinham permissão para saber.

Zorian desejava poder simplesmente invadir a mente da coisa e acabar logo com aquilo, mas a incapacidade deles de realizar magia naquele lugar se estendia às suas habilidades psíquicas. Eles não tinham como forçar a entidade a cooperar e, por fim, decidiram mudar de assunto.

“Você disse que nenhuma iteração pode durar mais de um mês”, lembrou Zorian ao Guardião. “Pode nos dizer por quê?”

“Quando uma iteração termina, tudo nela é destruído”, começou o Guardião. Bem, que bom ter isso confirmado… Zorian já presumia que fosse assim há algum tempo, mas ter o Guardião confirmando foi bom. “Sob certas perspectivas filosóficas, isso poderia ser visto como assassinato em massa…”

“Mas não sob todas, hein?” murmurou Zorian, com desagrado.

“Outros não veem a destruição de cópias como um problema, desde que elas não divirjam excessivamente do original”, continuou o Guardião, ignorando a intervenção de Zorian. “O loop temporal é estabelecido sob tal suposição. Portanto, é imperativo que as entidades copiadas pelo loop temporal não tenham tempo suficiente para divergir significativamente dos originais, pois sua destruição se tornaria antiética. Um mês foi determinado como um bom limite.”

“E se uma das cópias conseguisse alcançar a consciência do loop temporal e encontrasse uma maneira de manter a continuidade entre diferentes iterações?” perguntou Zorian. “Hipoteticamente falando.”

“Isso seria muito lamentável para a cópia”, observou o Guardian. “Afinal, somente o Controlador consegue sair do loop temporal.”

“Tá vendo, é essa parte que eu não entendo”, interrompeu Zach de repente. “Por que essa regra foi colocada em prática? Quer dizer, só existe um Controlador para começar, então por que colocar esse tipo de limitação?”

“Para impedir que o Controlador tente contrabandear algumas das cópias para fora do loop temporal”, disse o Guardião, com naturalidade, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

Houve uma breve pausa enquanto Zach e Zorian processavam isso.

“Por que… por que isso é importante?” perguntou Zorian com a voz trêmula.

“Porque apenas o Controlador tem sua alma real puxada para o loop temporal”, disse o Guardião. “Todos os outros são cópias. Para um Controlador do loop sair, eu só preciso ancorar sua alma de volta ao seu corpo original. Para uma das cópias entrar no mundo real, eu teria que trocar sua alma pela alma do original. Isso efetivamente mataria o original.”

Houve outra pausa, mais longa, após essa explicação.

Zorian não ficou muito surpreso com o fato de que, para sair do loop, ele precisaria trocar sua alma com a do original. Afinal, foi uma das primeiras ideias que ele teve. O que o surpreendeu foi que Zach aparentemente não era uma cópia. Ser o Controlador envolvia mais do que apenas ter um marcador estampado na alma, ao que parecia.

“Então, o Controlador tem sua alma original atraída para o loop temporal quando é criado”, disse Zorian. “Eles não são uma cópia, então não há problema em eles saírem. Mas todos os outros teriam que matar alguém para sair, e isso é inaceitável. Está certo?”

“Sim”, concordou o Guardião.

“Mas você poderia fazer isso?” Zach falou de repente. “Se uma das cópias quisesse sair deste lugar, você poderia trocar a sua alma pela do original?”

“Teoricamente”, admitiu o Guardião, “mas isso vai contra o que eu fui criado para fazer. Eu sou o Guardião do Limiar. Uma das principais tarefas que o Criador me deu foi garantir que as coisas dentro do loop temporal não pudessem ameaçar a fonte do molde. Se uma cópia divergente tentasse matar o original trocando sua alma com a dele, eu faria o meu melhor para impedi-la.”

“E quanto a uma cópia normal, não divergente?” perguntou Zorian. “Certamente não há mal nenhum em substituir o original por uma cópia normal. São praticamente a mesma coisa! É o que torna aceitável destruir milhões de almas todo mês, não é?”

O Guardião hesitou. Um breve e tenso silêncio se instalou na cena enquanto ele considerava o cenário.

“Contanto que as cópias não divirjam muito do original, tal troca seria teoricamente aceitável”, admitiu o Guardião por fim. “Mas meu propósito é evitar que o loop temporal se espalhe para o mundo real o máximo possível, então eu ainda me recusaria a realizar tal troca. Somente o controlador, com o conhecimento e os segredos que reuniu dentro do loop temporal, tem permissão para sair e deixar sua marca no mundo exterior, já que tecnicamente ele é daquele mundo inicialmente.”

“Certo”, Zorian assentiu, sinalizando para Zach com a mão para que ele deixasse o assunto de lado. Embora ainda muito tranquilo, o Guardião parecia quase agitado com a linha de questionamentos que eles estavam seguindo. Zorian temia que, se pressionassem demais, a entidade pudesse perceber que um deles era uma cópia, de alguma forma, e fazer algo para ‘corrigir’ isso. Melhor deixar o assunto de lado por enquanto. “Vamos passar para outra coisa. Guardião, você disse que o Portão está bloqueado porque o Controlador já saiu do loop temporal.”

“Sim”, confirmou a entidade.

“Pode me dizer há quantas iterações isso aconteceu?” perguntou Zorian.

“O Controlador ainda está dentro do loop temporal, Controlador”, disse o Guardião, sem ajudar.

Mais algumas variações da pergunta confirmaram que o Guardião não fazia ideia de quando o Robe Vermelho partiu. O Controlador partiu, mas não partiu de fato, e o Guardião ficou completamente confuso com a situação toda.

Perguntar ao Guardião pela descrição do Robe Vermelho ou por outras informações de identificação também não funcionou — o Guardião não parecia perceber o mundo da mesma forma que eles, apesar de sua aparência bastante humana e dos avatares realistas que ele e Zach habitavam. Ele parecia ignorar praticamente tudo em termos de características de identificação do Controlador. Fora o marcador, é claro.