Capítulo 76 - Erro Crítico (1/3)
Capítulo 076
Erro Crítico
A noite estava agradável, com ventos frescos soprando pelas ruas de Cyoria e a lua brilhando intensamente no céu. Zorian absorvia tudo, sentindo-se de certa forma revigorado pelo frio noturno, e refletia sobre a vida. Era interessante, Zorian pensou, que mesmo depois de todos esses anos no loop temporal, algumas experiências simples lhe tivessem escapado até então.
Ser expulso de uma cafeteria por perturbar os outros clientes, por exemplo, era uma experiência totalmente nova.
Ele olhou para o lado, onde Daimen e Fortov estavam tendo um confronto tenso, encarando-se com expressões sérias. Ele nem estava com raiva, para ser sincero. Sim, ser expulso do prédio foi um pouco constrangedor, mas não o incomodou tanto. O que o incomodava era que, mesmo depois de causar tamanha comoção, eles ainda não conseguiram sequer estabelecer qual era o problema. Francamente, esses dois…
“Fortov, olha…” Zorian começou cautelosamente, “Eu entendo que você esteja bravo com o Daimen, mas você só está dando um tiro no próprio pé. O motivo pelo qual o Daimen te procurou é porque ele quer saber por que você está bravo com ele. Se você quiser se livrar dele, basta dizer qual é o seu problema com ele e ele vai embora. Bem, provavelmente.”
“Não comece”, disse Fortov, lançando-lhe uma carranca desconfiada. “Você o ajudou a armar isso, não foi?”
“Eu não pedi para você me procurar”, Zorian apontou calmamente. “Você decidiu isso sozinho. E ninguém te forçou a ficar por perto e discutir com o Daimen também. Você já tem o remédio que veio buscar, não? Você poderia ter se levantado e ido embora no momento em que o Daimen apareceu. Era o que eu teria feito no seu lugar. O fato de você ter ficado por perto significa que você quer que Daimen saiba por que você está bravo, afinal.”
Por um segundo, Fortov apenas o encarou, com uma expressão pétrea no rosto. Era uma expressão um tanto estranha no geralmente afável Fortov.
“Quero muito te dar um soco na cara agora mesmo, seu babaca convencido”, disse Fortov por fim. “Mas acho que há algo de lógico nisso, então vou me conter.”
“Finalmente”, murmurou Daimen, alto o suficiente para que ambos o ouvissem. “Toda essa enrolação e recusa a dizer o que te incomoda, quase pensei que você tivesse virado mulher enquanto eu não estava olhando.”
Fortov o encarou furiosamente, ao que Daimen reagiu apenas revirando os olhos. Felizmente, a gritaria não recomeçou. Parecia que Fortov havia se livrado um pouco da raiva.
“Agora mesmo, pouco antes da simpática garçonete nos pedir para sairmos, acredito que você estava dizendo algo sobre seus problemas com a academia serem culpa do Daimen?” instigou Zorian. Era do seu interesse ajudar Daimen a obter a resposta agora, ou então o homem sem dúvida faria mais tramas irritantes como esta nos próximos reinícios.
“O que é ridículo”, interrompeu Daimen. “Nós mal interagíamos um com o outro quando Fortov começou a frequentar a Academia em Cyoria.”
“Sim!” disse Fortov, apontando o dedo indicador para Daimen com um movimento incisivo. Então repetiu o gesto para dar ênfase. “Sim, esse é exatamente o meu problema! Nós mal interagíamos!”
“O quê?” perguntou Daimen, sem entender.
“Você nem sabe do que estou falando”, disse Fortov, mais como uma declaração de fato do que uma pergunta. “Acho que é isso que mais me irrita nisso. Você nem se lembra! Você se esqueceu completamente da sua promessa!”
“Qu- Que promessa?” Daimen gaguejou.
“Você deveria ter me ajudado!” Fortov explodiu, apontando para Daimen novamente e, em seguida, batendo no próprio peito com o punho fechado para se indicar. “Lembra? Eu vim até você antes de me matricular aqui e perguntei se poderia contar com seu apoio quando eu tivesse problemas na Academia, e você disse que sim… você disse que eu sempre poderia pedir sua ajuda se precisasse e que não seria problema, problema nenhum…”
Daimen visivelmente estremeceu com essas palavras.
“Ah”, disse ele fracamente. “Isso.”
“Sim, isso“, disse Fortov, carrancudo. “Fui um idiota em confiar em você. De que adianta uma promessa dessas quando você está sempre ocupado com alguma coisa, sempre inalcançável e me ignorando quando não está? Você provavelmente se esqueceu dessa promessa no momento em que a fez… se é que a levou a sério.”
“Fiz aquela promessa de boa-fé”, protestou Daimen. “É que surgiram algumas oportunidades profissionais depois que eram boas demais para deixar passar. Você não acha meio irracional da sua parte esperar que eu sabotasse minha carreira só para te ajudar com os estudos? Quer dizer, você poderia ter simplesmente pedido ajuda ao Zorian e…”
Fortov e Zorian o encararam por isso. Daimen considerou suas palavras por um momento e então murmurou algo que parecia uma prece rápida aos deuses ou um xingamento colorido antes de desistir da ideia e seguir em frente.
“De qualquer forma, continuando”, disse Daimen, tossindo no punho. “Acho que falhei com você. Admito isso. No entanto, dizer que isso me torna responsável pelos seus problemas na academia ainda é bobagem. Sejamos honestos, Fortov… eu te ajudar de vez em quando não teria feito muita diferença no panorama geral.”
“Não era para ser ‘de vez em quando’, seu idiota…”, protestou Fortov.
Zorian ficou de lado, balançando a cabeça enquanto os dois continuavam a discutir. Conforme os minutos passavam, ficou óbvio que essa promessa significava coisas completamente diferentes para Fortov e para Daimen. Fortov, ao que parecia, havia entendido a promessa de Daimen como um compromisso com uma forma de apoio muito mais forte. Embora Fortov não tenha expressado as coisas dessa forma, Zorian entendeu as explicações do irmão do meio pelo que elas eram: uma admissão de que ele esperava ser carregado durante toda a sua educação nas costas de Daimen. Daimen, por outro lado, provavelmente fez essa promessa sem pensar muito, achando que era mera formalidade. Ele evidentemente esperava que Fortov o procurasse a cada poucos meses para fazer uma ou duas perguntas e conversar sobre garotas, a vida e coisas assim.
Curiosamente, ele acabou nem recebendo isso ao fim…
“Você não vê que está sendo completamente irracional?” disse Daimen, gesticulando descontroladamente. “Você ao menos ouviu o que está dizendo? Você basicamente esperava que eu fizesse metade do seu trabalho. Isso é completamente ridículo!”
“Ele tem razão, é isso mesmo”, acrescentou Zorian, assentindo sabiamente.
“Eu estava apenas descrevendo um caso ideal, eu teria ficado feliz até mesmo com uma fração dele”, retrucou Fortov. “E não importa, porque no final eu não recebi nada! Você me fez uma promessa e depois esqueceu que a tinha feito. Isso é uma coisa idiota de se fazer, não importa como você tente dar a entender.”
“Ele tem razão, é isso mesmo”, acrescentou Zorian, assentindo sabiamente.
“Cala a boca, Zorian!”, disseram ambos em perfeita sincronia.
Zorian fingiu cambalear para trás com a irrupção deles e imitou o gesto de fechar a boca com força.
Quanto a Daimen e Fortov, os dois trocaram um olhar incerto antes de decidirem se acalmar um pouco e recuar um passo. Zorian gostaria de ter afirmado que esse era o seu plano o tempo todo, mas, na verdade, ele só estava brincando com eles para se divertir.
“Mas, falando sério, você está meio maluco aqui”, disse Daimen a Fortov novamente, um pouco mais sereno desta vez. “Eu entendo que você esteja tendo problemas com os estudos, mas-“
“Cara, você simplesmente não entende”, reclamou Fortov, interrompendo-o. “Esta cidade, esta academia… está fora do meu alcance. Eu sei disso. Eu sempre soube disso. Conheço meus limites. Não sou tão inteligente quanto você e Zorian…”
“Você é muito inteligente, Fortov”, interrompeu Zorian. “Você é só preguiçoso.”
Fortov nem tentou refutá-lo, mas Daimen o olhou de soslaio.
“Achei que você fosse ficar quieto?” perguntou Daimen.
“Eu menti”, disse Zorian, dando de ombros despreocupadamente.
“Tanto faz”, disse Fortov, exalando pesadamente. “Não sou tão bom quanto vocês dois. Felizes agora?” Zorian fez um movimento circular com a mão, sinalizando para ele continuar. “De qualquer forma, o que eu quis dizer é que só concordei em me matricular aqui porque Daimen disse que me apoiaria. Se eu soubesse que teria que fazer isso sozinho, teria dito à minha mãe e ao meu pai para me matricularem em outro lugar. Um lugar menos… prestigioso. Mas eles insistiram muito, dizendo que era uma oportunidade, e eu pensei… bem, pelo menos terei meu irmão mais velho genial lá para me ajudar a resolver as coisas…”
Zorian não disse mais nada depois disso, esperando em silêncio ao lado e deixando os dois conversarem. Ele não sentia muita compaixão pela situação de Fortov. Daimen podia ter um motivo para se sentir um pouco culpado pelo desfecho das coisas, mas tudo o que Zorian via era o mesmo Fortov de sempre que conhecera na infância — um idiota preguiçoso e superficial, constantemente procurando maneiras de transferir suas próprias responsabilidades para as pessoas ao seu redor. Ele se divertiu sombriamente quando os dois finalmente decidiram dar um passo para trás e se encontrarem novamente em uma semana ou algo assim… algo que nunca aconteceria, e Daimen sabia muito bem disso.
Bem, não era realmente problema de Zorian. Isto é, até Fortov sair de cena e Daimen tentar fazer disso seu problema…
“Não, Daimen, não vou me aprofundar nos comos e porquês dos fracassos de Fortov e montar um programa de tutoria para ele”, disse Zorian sem rodeios.
“Por que não? Faça isso por Kirielle e até mesmo por aquela sua amiga”, disse Daimen. “Ele é seu irmão, Zorian.”
“Desculpe, mas você não pode me fazer sentir culpado por fazer isso. As palhaçadas da Mãe me tornaram completamente imune a chantagens emocionais”, disse Zorian, com frieza. “Estou farto de ter que lidar com os erros do Fortov vez após vez. Que tal fazer isso pelo menos uma vez na vida? Foi você quem fez uma promessa que não cumpriu, não é? Não acha de mau gosto tentar me passar isso tão rápido depois da sua pequena conversa franca com o Fortov?”
“O reinício está quase acabando, quando mais vou falar com você sobre isso se não for agora?” protestou Daimen. “E eu não guardo memórias dos recomeços como você, é por isso que não posso fazer isso.”
“Mas você pode deixar bilhetes para si mesmo no final de cada reinício e trabalhar no problema dessa forma”, retrucou Zorian. “Você já está fazendo exatamente isso para descobrir como fazer com que a mamãe e o papai aceitem seu casamento com Orissa, então não vejo por que não pode aplicar isso aqui também.”
Daimen franziu a testa, seja porque não gostava da ideia, seja porque se lembrou de como havia falhado completamente em sua tarefa de convencê-los até então.
“Ele é seu irmão, Daimen”, disse Zorian, atirando as palavras de volta para ele.
“Ugh”, resmungou Daimen. “Você consegue ser um merdinha às vezes… Tudo bem, você venceu. Acho que tenho que ser eu. Mas preciso que você me faça um pequeno favor…”
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