Capítulo 79 - Crime e Fuga da Punição (1/3)
Capítulo 079
Crime e Fuga da Punição
Embora Aranhal tenha anunciado amplamente sua nova aeronave para sua própria população e países vizinhos, ver de fato a Pérola de Aranhal exigiu um certo esforço. Ela estava localizada próxima a uma importante cidade industrial, mas não estava exatamente nela. Em vez disso, o canteiro de obras estava localizado fora do próprio assentamento, perto o suficiente para ser abastecido com relativa facilidade, mas longe o suficiente para frustrar visitantes casuais.
A aeronave estava atualmente em solo, dentro de uma estrutura de contenção oval e cercada por extensos andaimes. Ao redor dela, havia um conjunto de armazéns, quartéis, torres de vigia e alojamentos temporários para trabalhadores e supervisores. Por fim, todo o campo de trabalho era cercado por uma muralha de pedra com barreiras criada por alteração mágica, impedindo criaturas mágicas menores ou pequenos criminosos de simplesmente entrarem no local. Nem esta, nem nenhuma das outras defesas mais sutis poderiam impedir Zach e Zorian de se infiltrarem no local sem serem vistos, é claro. Eles estavam em uma das plataformas de observação anexadas à nave, observando-a.
Zorian tinha que admitira, a Pérola de Aranhal era uma bela construção. Dirigíveis eram frequentemente retratados como navios flutuantes — uma imagem que se originava dos primeiros modelos conhecidos, que na verdade eram apenas navios modificados. Os antigos criadores de aeronaves trabalhavam com uma base tecnológica inferior e infraestrutura econômica menos desenvolvida, forçando-os a escolher uma embarcação já construída como base para seu projeto. A maioria das aeronaves modernas, por outro lado, era construída do zero como naves aéreas dedicadas, então raramente se pareciam com um navio comum. Eles tendiam a ter cascos cilíndricos alongados, cobertos por aletas estabilizadoras, ou então algum formato triangular. A Pérola de Aranhal contrariava essa tendência, pois tinha um formato relativamente plano, semelhante a um losango. De certa forma, dava a Zorian a impressão de uma folha gigante1. Certamente parecia ser rápida e manobrável, mas isso deixou Zorian um tanto cético quanto à alegação de que era especialmente robusta e durável para os padrões de aeronaves. Bem, não importa. Eles queriam a nave por sua velocidade e resistência de voo, não por sua capacidade de combate.
De qualquer forma, o nome da aeronave parecia particularmente apropriado à luz de sua coloração atual. Seu casco era pintado de um branco puro e deslumbrante, sem marcas ou padrões de identificação evidentes. No entanto, isso deveria ser apenas temporário. Aranhal pretendia decorar a nave ainda mais antes de revelá-la ao público, mas eles ainda não haviam decidido que tipo de esquema de cores e decorações colocariam nela. A questão parecia bastante trivial para Zorian, mas aparentemente era uma questão política intensamente polêmica que causou muitas discussões acirradas nos salões de poder de Aranhal. O supervisor atual estava constantemente adiando a questão, temendo que quem perdesse a disputa tentasse cortar o orçamento do projeto por despeito.
“O que você acha?” Zach disse de repente, balançando-se sobre os calcanhares. Parecia bastante entediado. “Já está na hora, não?”
“É, acho que sim”, respondeu Zorian. Ele percebeu que estava um pouco nervoso, então talvez estivesse enrolando um pouco. “Vou dizer às minhas cópias para soltarem os macacos.”
Ele se conectou aos seus simulacros através da alma, sua habilidade de usar a alma como um canal telepático tão natural quanto respirar agora, e deu a eles um simples sinal de ‘vão’. Eles já sabiam o que fazer.
Triclopses dourados eram criaturas mágicas semelhantes a macacos, nativas da região. Eles tinham pelos amarelos brilhantes, dois pequenos chifres no topo da cabeça e um olho extra no meio da testa. Esse terceiro olho lhes conferia a capacidade de perceber magia de uma forma estranha e difícil de entender, o que os tornava bastante interessados em itens mágicos. É claro que, sendo tão inteligentes quanto animais comuns e um tanto agressivos, seu interesse tendia a ser prejudicial aos itens mágicos em questão e aos humanos que os possuíam. Zach e Zorian já haviam capturado vários grupos dessas feras antes para usar como distração. Eles eram particularmente bons nisso porque a equipe de construção já havia tido vários confrontos menores com as comunidades locais de triclops, e, portanto, ter um bando deles causando problemas na base não era imediatamente suspeito. Eles já haviam tentado isso nos três reinícios anteriores para testar as condições, e sabiam que os guardas primeiro agiriam para conter a situação antes de se perguntarem se alguém havia enviado aquele grupo anormalmente grande deles para lá intencionalmente.
A essa altura, é claro, seria tarde demais.
Depois que os triclopses dourados foram soltos sobre a base desprevenida, Zach e Zorian permaneceram em seu local atual por um tempo, aguardando. Levaria algum tempo até que as criaturas fossem descobertas, a gravidade do problema se tornasse óbvia e a maior parte dos guardas da base fosse mobilizada para lidar com eles. Zorian monitorava a situação por meio de seus simulacros, cujos sentidos ele podia acessar com facilidade. Seus estudos sobre os enxames de ratos cefálicos e a hidra tocada pelos deuses que vivia no orbe do palácio portátil haviam contribuído muito para aprimorar sua capacidade de coordenação com seus simulacros. Eles ainda não eram exatamente uma mente única, mas ele provavelmente não queria isso para começar.
Zach também tinha simulacros presentes na base. Ele só os havia conseguido fazer funcionar recentemente, então eles tendiam a ter muito mais peculiaridades e diferenças em relação ao original do que os de Zorian. No entanto, eles precisavam daqueles simulacros se quisessem roubar a nave e era bem improvável que algum deles enlouquecesse e tentasse matá-los, então tanto faz.
“Pronto”, disse Zorian por fim. “Todos que seriam chamados para lidar com os macacos se foram. É agora ou nunca.”
“Finalmente”, disse Zach.
Ele não disse mais nada, optando por pular da plataforma. Zorian o seguiu com um suspiro, dando aos simulacros o sinal para largarem o que quer que estivessem fazendo e convergirem para a nave. Até mesmo os simulacros de Zach, já que seu companheiro de viagem no tempo parecia ter se esquecido de suas cópias na pressa de chegar à ação. Ou talvez ele apenas esperasse que Zorian cuidasse disso para ele — na verdade, era mais fácil para Zorian coordenar os simulacros de Zach do que para o próprio Zach, devido à sua falta de telepatia. Porém, como Zach e seus simulacros eram praticamente idênticos em mente, deveria ser bem possível que ele usasse telepatia para se comunicar com suas cópias com facilidade, mesmo que não fosse um mago mental nato como Zorian. Ele fez uma anotação mental para conversar com Zach sobre isso mais tarde…
Zach, Zorian e seus simulacros avançaram, empurrando os técnicos e funcionários civis chocados e neutralizando qualquer resistência armada que encontrassem. Zach e seus simulacros quebraram os andaimes e as vigas de ancoragem que prendiam a aeronave enquanto Zorian e seus simulacros instalavam os componentes faltantes da aeronave e expulsavam qualquer um que permanecesse dentro da nave.
Correu… surpreendentemente bem. Zorian estava um pouco preocupado, já que estavam fazendo essa tentativa apenas alguns dias após o reinício e os preparativos haviam sido feitos com bastante pressa. Ele teve que tomar uma poção de vigilância e perder uma noite inteira de sono para terminar de construir tudo a tempo, então, tecnicamente, estava fazendo isso enquanto permanecia acordado por mais de 24 horas.
Eles só tiveram duas complicações significativas. Uma delas foi que alguns dos soldados dentro da nave se barricaram dentro de um depósito e colocaram barreiras mentais de alto nível em si mesmos depois de descobrirem como Zorian estava dominando a tripulação com tanta facilidade. Como Zach e Zorian não podiam usar nada muito destrutivo por medo de danificar a nave, isso tornou a situação um pouco difícil de resolver em tempo hábil. Felizmente, os corpos de golem dos simulacros de Zorian eram capazes de suportar abusos consideráveis, então Zorian simplesmente os enviou para atacar os soldados sem se preocupar em contra-atacar. O resultado foram dois simulacros com torsos seriamente danificados e um sem as duas pernas, mas o problema foi resolvido e os simulacros danificados ainda podiam tripular a nave sem problemas… embora o sem pernas continuasse reclamando com Zorian sobre sua situação.
A outra foi que, uma vez que cada simulacro e peça faltante estava em seu lugar e eles tentavam decolar, a aeronave não se movia. Acontece que alguém havia instalado uma salvaguarda adicional da qual nenhuma das pessoas interrogadas por Zorian tinha conhecimento, e Zorian foi forçado a procurá-la freneticamente enquanto Zach repelia os constantes ataques na nave dos soldados Aranhalis reorganizados do lado de fora. Felizmente, Zorian acabou encontroando a seção onde a salvaguarda estava. Infelizmente, ela estava dentro de uma seção de regulagem do motor, e integrada a ela de forma muito profunda e sutil para que Zorian a removesse completamente no tempo que lhes restava. Os magos de batalha Aranhali sem dúvida começariam a se teletransportar em breve, e então seriam forçados a abortar a tentativa. Assim, Zorian simplesmente incendiou todo o mecanismo, permitindo que eles decolassem, mas danificando permanentemente alguns dos motores da nave.
Agora, a aeronave estava no ar, distanciando-se rapidamente do campo de obras enquanto voava em direção ao interior de Xlotic. No entanto, estava consideravelmente mais lenta do que deveria e havia outra aeronave Aranhaliana os perseguindo. Zorian não fazia ideia de como aquela aeronave havia chegado ao local tão rapidamente. Talvez simplesmente tivesse acontecido de estar na área quando eles fizeram a tentativa?
De qualquer forma, os dois estavam na sala de controle principal, tentando entender as coisas. Embora tivessem feito a lição de casa antes de irem até ali e tivessem uma ideia aproximada do que envolvia operar a Pérola de Aranhal, uma coisa era ter um conhecimento teórico de como algo funcionava e outra bem diferente era colocá-lo em prática.
“Sabe, essa coisa é mais difícil e menos emocionante de pilotar do que eu imaginava”, disse Zach distraidamente, cutucando as várias alavancas e botões no painel de controle à sua frente.
“Eu sei”, disse Zorian, um pouco irritado. Ele estava rapidamente se dando conta de por que os planos de Aranhal exigiam um navegador dedicado, que se concentrasse totalmente em traçar o curso da nave. Ele com certeza passaria esse trabalho para um simulacro na próxima vez que fizessem isso… “Apenas se concentre em manter os motores de voo funcionando e fique feliz por não estar no comando da navegação como eu.”
“Não tenho tanta certeza se o seu trabalho é muito mais difícil do que o meu, considerando que você destruiu metade da nave para nos colocar no ar”, comentou Zach.
“Não foi metade da nave!”, protestou Zorian.
Zach riu dele.
“Tão fácil de irritar”, disse Zach, jovialmente. “De qualquer forma, quem projetou isso deveria ter sido chamado de lado e instruído a reduzir um pouco os mostradores e medidores misteriosos. Ele deveria ter instalado algum tipo de painel mágico ou um projetor de ilusão que fornecesse as informações de uma forma mais compreensível. Seria realmente tão difícil?”
“Acho que você tem uma visão distorcida de como esse tipo de coisa é”, comentou Zorian. “Não é barato nem fácil, e tornaria muito inconveniente consertar as coisas se algo desse errado. Mostradores e medidores são simples de fazer e de consertar.”
“Acho que sim”, admitiu Zach. “Ainda é irritante que não consigamos nem ver a aeronave Aranhaliana nos perseguindo. Alguém poderia pensar que a opção de ver um inimigo nos perseguindo seria um dos principais recursos de uma sala de controle. Eu deveria ser capaz de dizer… sei lá, algo como ‘na tela!’, e ter uma imagem do inimigo projetada nessas janelas à nossa frente.”
Ele gesticulou em direção às grandes janelas transparentes que ofereciam uma vista de tirar o fôlego do mundo exterior. No momento, eles não conseguiam ver nada além do céu limpo e do horizonte distante, o que parecia um pouco inútil, mas pelo menos lhes garantia que estavam voando em linha reta, que não iriam bater em nada e que o tempo estava agradável o suficiente para voar. Era praticamente para isso que aquelas janelas serviam, Zorian tinha certeza.
“Isso seria bem útil, na verdade”, concordou Zorian. “E já que a aeronave em si não é nem de longe tão conveniente assim…”
Ele rapidamente executou três feitiços de adivinhação diferentes, criou uma grande tela ilusória no ar diante deles e então lançou o feitiço final para integrar tudo isso em um conjunto semi-unificado.
A tela ilusória ondulou com cores prismáticas por um segundo antes de se transformar em uma tela de três partes. Duas delas mostravam uma imagem da aeronave perseguidora em ângulos diferentes. A terceira lhes dava uma visão de baixo a partir de um ponto de observação bem acima da Pérola de Aranhal, permitindo que eles facilmente compreendessem a posição da aeronave inimiga em relação a si mesmos.
“Boa”, elogiou Zach.
A outra aeronave Aranhal era maior e mais robusta do que o deles. Tinha um formato cilíndrico mais típico e alguns canhões projetavam-se do casco. A Pérola de Aranhal, por outro lado, estava completamente desarmada. Mesmo que tivessem canhões próprios, não podiam usá-los, pois não tinham artilheiros qualificados para operá-los.
Ainda assim, Zorian não se sentia muito ameaçado. Apesar dos danos aos motores de voo, a Pérola de Aranhal ainda era ligeiramente mais rápida do que a outra aeronave. O design estava realmente provando seu valor ali. Gradualmente, minuto após minuto, hora após hora, eles iam se afastando da outra aeronave. Além disso, Zorian havia desviado um de seus simulacros para ver se algo poderia ser feito em relação aos danos que causara aos motores de voo da nave, e parecia que a resposta era sim. Em mais duas horas, mais ou menos, a velocidade deles aumentaria de vez e seus perseguidores ficariam para trás, engolindo poeira.
“Hã, não sei se você já percebeu, mas há outra aeronave à nossa frente”, disse Zach, apontando para um ponto distante que ainda não tinha entrado no alcance da tela de adivinhação, mas que podia ser visto através da janela mundana da sala de controle. “Você acha que estão aqui por coincidência ou…?”
Droga.
Algumas adivinhações frenéticas rapidamente revelaram que a terceira aeronave não estava certamente ali por acidente. Estava se movendo para interceptá-los e tanto ele quanto o antigo perseguidor faziam pequenos ajustes de rumo para cercá-los melhor, aparentemente coordenando os seus movimentos. O estranho era que a nova aeronave nem sequer era propriedade de Aranhal — pertencia ao país vizinho de Mezner. Os dois países não tinham exatamente as melhores relações entre si, então Zorian não pôde deixar de se questionar, em silêncio, o que Aranhal havia prometido ao outro lado para conseguir a sua ajuda. Muita coisa, provavelmente.
Pelo visto, eles realmente, realmente não queriam perder a Pérola de Aranhal.
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- folha de planta[↩]
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