Capítulo 86 - Um Novo Mundo (3/3)

Quando Zorian, Kirielle e Ilsa chegaram em Cyoria e desembarcaram, encontraram pessoas já à espera. A presença de Zach era meio esperada, mas ele também estava acompanhado por Xvim, Kyron e Taiven. A maioria das pessoas não reagiu a isso, é claro, mas Kirielle sabia muito bem que havia algo de estranho e não parava de lançar olhares esquisitos para todos, ficando em silêncio por um tempo. Zorian também notou Fortov o encarando de forma estranha à distância. Ele não tinha certeza do quanto seu irmão realmente sabia sobre ele, mas provavelmente sabia que Zorian não tinha tido amigos de verdade até recentemente, então ter um monte de gente esperando por ele na estação de trem era mais do que incomum. Mesmo assim, ele não fez nenhum movimento ou se aproximou, já que ninguém estava atacando ninguém e Zorian não parecia precisar de ajuda.

Depois de deixar Kirielle na casa de Imaya, o grupo encontrou um lugar isolado e começou a conversar. Kyron, o instrutor de magia de combate, foi incluído no grupo devido às suas altas habilidades de combate e ao fato de ter conexões com pessoas do exército de Eldemar. Ele foi o primeiro a se manifestar.

“Esses marcadores temporários que vocês colocaram em nós para preservar nossas memórias… podem ser revogados?“, perguntou Kyron.

Claro que a primeira coisa que eles queriam discutir eram os marcadores. Zorian não os culpava. Ele sabia que teria reagido da mesma forma se estivesse no lugar deles. Ele estava meio intrigado por que eles não tinham perguntado a Zach sobre isso enquanto esperavam, em vez de guardar para agora, mas talvez tivessem conversado sobre outras coisas, como o funcionamento do loop temporal. Ou talvez tivessem se reunido recentemente e não tivessem tido tempo para discutir nada. Ele sabia que Zach odiava esperar e tinha o hábito de chegar atrasado, então provavelmente não estava na estação de trem há muito tempo.

“Sim”, respondeu Zorian diretamente.

“À vontade?”, perguntou Kyron em seguida.

“Bem, precisamos da coroa que está atualmente em posse de Quatach-Ichl para fazer isso”, disse Zorian com cautela. “Então, na verdade, não.”

“Além disso, remover o marcador apenas impede que você mantenha sua magia e memórias quando o mundo reiniciar”, disse Zach. “Não apaga o que você conquistou até então.”

“O marcador pode ser reaplicado quando expirar ou for revogado?”, perguntou Xvim.

“Eu sei o que você está pensando”, suspirou Zach. “Infelizmente, não é tão simples. Sim, você pode colocar um marcador na mesma pessoa pela segunda vez, mas somente após doze reinícios. Você não pode simplesmente remover o marcador e reaplicá-lo para estender o tempo.”

“Imaginei que fosse algo assim”, admitiu Xvim.

Zorian soltou um grito de dor repentino. Depois de olhar ao redor, percebeu que Taiven havia beliscado seu braço sem motivo aparente.

“Por que você fez isso!?” protestou ele.

“Eu queria ter certeza de que seu braço está realmente bem”, disse ela, franzindo a testa.

Zorian de repente percebeu que aquele era o mesmo braço que acabara sendo cortado por Quatach-Ichl no reinício anterior. Ele estava praticamente aleijado da última vez que ela o vira.

Mesmo assim, como diabos ela pôde simplesmente beliscá-lo daquele jeito?! Bufando de indignação, Zorian se afastou de Taiven e se posicionou para colocar Ilsa entre os dois. Ilsa o olhou com divertimento.

“Então, qual é o plano?” perguntou Kyron.

“Esperamos encontrar uma maneira de ajustar os marcadores temporários para que durem indefinidamente”, disse Zorian. “Admito que mexer com uma peça de magia que provavelmente teve deuses envolvidos em sua construção parece uma causa perdida… mas suspeitamos que o Robe Vermelho entrou no loop temporal justamente por esse método. Se for esse o caso, deve ser possível para nós também.”

“Certo, se o Robe Vermelho conseguiu, com certeza todos nós trabalhando juntos conseguiremos bolar algo”, disse Zach.

“E se falharem?” insistiu Xvim.

“Com sorte, conseguiremos reunir a Chave inteira antes que os seis reinícios se esgotem, momento em que poderemos desbloquear a saída”, disse Zorian. “Se também tivermos um método de saída pronto até lá, talvez consigamos te tirar do loop temporal. Nesse ponto, não importa que seu marcador acabe.”

“E então, o quê, vocês vão continuar presos no loop temporal sozinhos depois?” perguntou Taiven. “Ou vão criar novos loopers temporários quando formos embora? E depois tirá-los de lá também? Não sei quanto aos outros, mas acho que o mundo não precisa de três Taivens diferentes.”

“Na verdade, nós sairíamos do loop temporal com vocês”, disse Zach. “Já conseguimos quase tudo o que queríamos do Loop Temporal. Não precisamos arriscar tudo sendo gananciosos e deixando as coisas por um fio. Se pudermos sair daqui a seis meses, sairemos.”

Um silêncio se seguiu a essa declaração. Zorian sabia que os novos loopers estavam preocupados com as intenções deles, com medo de que ele e Zach estivessem tentando usá-los ao máximo antes de descartá-los. Um medo razoável. Os marcadores temporários foram praticamente criados pensando nisso. Presumivelmente, o controlador colocaria esses marcadores nas pessoas sem nunca informá-las sobre o limite de tempo, permitindo que elas colhessem todos os benefícios de ter alguém trabalhando para elas por seis meses e depois convenientemente esquecessem tudo. No entanto, Zach e Zorian não pretendiam usar os marcadores temporários apenas para obter mão de obra conveniente. Eles os colocaram nessa situação e fariam o possível para tirá-los dela. Talvez falhassem no final, mas não seria por falta de tentativa.

“Bem”, disse Xvim finalmente, quebrando o silêncio. “É melhor começarmos a trabalhar, então.”

* * *

Os dias se passaram e os efeitos dos muitos novos loopers rapidamente se tornaram evidentes. Kael chegou a Cyoria mais cedo, apenas um dia depois de Zorian. Lukav e Alanic não precisaram ser salvos das maquinações de Sudomir. Taiven não se incomodava mais em caçar monstros com sua equipe. As aulas de Ilsa eram completamente diferentes, já que ela decidiu dar uma sacudida nas coisas. Os ratos cefálicos foram completamente exterminados pelo simulacro de Zorian logo no primeiro dia do reinício, com exceção de alguns poucos indivíduos que o simulacro havia preservado para estudo. Sua rotina habitual de convencer Xvim, Alanic e Silverlake de que o loop temporal era real tornou-se desnecessária, liberando uma quantidade surpreendentemente substancial de tempo.

Finalmente, não precisar mais conquistar a confiança dos Adeptos da Passagem Silenciosa para usar sua habilidade de operar a rede de Portões Bakora significava que eles poderiam acessar lugares distantes desde o início do reinício.

Assim, depois que Zach e Zorian resolveram a situação em Cyoria por um tempo, eles usaram um Portão Bakora para chegar a Koth e pegar o orbe imperial… e talvez conseguir uma hidra de estimação.

Antes disso, porém, eles decidiram visitar a propriedade Taramatula para ver se estava tudo bem por lá. Daimen havia garantido a eles que as pessoas que escolhera eram confiáveis, mas Zorian sabia melhor do que ninguém que Daimen falava demais…

Quando chegaram, encontraram a propriedade inteira um fervilhar de atividade, com pessoas entrando e saindo constantemente, e já havia gente esperando por eles. Não havia necessidade de se justificarem ou tentarem fazer com que admitissem a presença de Daimen, como costumavam fazer no primeiro contato após o reinício. Ainda assim, embora não ter que esperar na porta fosse conveniente, o que aconteceu depois não foi. Assim como os novos viajantes em Cyoria, os novos viajantes em Koth também queriam respostas para suas perguntas, e o que deveria ser apenas uma breve verificação acabou se tornando uma exaustiva sessão de perguntas e respostas que durou quase o dia todo.

“Espero que isso seja só uma vez”, resmungou Zorian para Daimen mais tarde. “Você deveria ter explicado essas coisas para eles, Daimen.”

“Eu expliquei!” protestou Daimen. “Acho que eles só queriam ouvir a sua opinião. Dá para culpá-los?” 

“Acho que não,” disse Zorian. Se Daimen tivesse explicado as coisas de forma justa, então essas pessoas certamente saberiam que não era Daimen quem estava realmente no comando. Fazia sentido que quisessem falar com as pessoas que eram a fonte dos marcadores temporários e que tinham informações de primeira mão. “Enfim, você preparou sua equipe? Será que os Taramatula vão cooperar quando vocês disserem que querem enviar seus melhores rastreadores até Blantyrre de repente?”

Essa era a principal razão pela qual ele e Zach queriam a cooperação de Daimen, e por que permitiram que ele incluísse tantas pessoas no grupo marcado. Para ser franco, eles precisavam dessas pessoas para encontrar o cajado. Eles haviam conseguido rastrear um Portal Bakora em Blantyrre no reinício anterior, graças à ajuda daquele rei homem-lagarto, mas esse era apenas o primeiro passo. O próximo era rastrear um pequeno cajado em um continente gigante coberto de selva. Para ser franco, isso era algo que ele e Zach sozinhos eram completamente incapazes de fazer. Zorian nunca diria isso em voz alta para Daimen, mas ele e seu grupo provavelmente eram as pessoas mais importantes para receber os marcadores temporários. Sem eles, provavelmente nunca encontrariam o cajado. Essa foi uma das principais razões pelas quais decidiram seguir esse caminho desde o início.

“Minha equipe vai me ouvir, mesmo se eu disser que vamos para Blantyrre através de um portal dimensional aberto pelo meu irmãozinho”, disse Daimen orgulhosamente. “Bem, eles provavelmente concordariam mesmo se eu recebesse o marcador sozinho, mas reclamariam mais. Com Torun, Kirma e outros membros cruciais da equipe também a bordo, porém, todos se alinharão facilmente. Quanto à Casa Taramatula… bem, não tenho certeza de que nível de apoio conseguiremos deles, mas certamente conseguiremos alguma coisa. O principal problema é que estamos sendo um pouco irracionais e pressionando por um comprometimento total com este projeto sem que a ideia tenha sido sequer insinuada antes. Não é assim que a Casa Taramatula costuma fazer as coisas, para dizer o mínimo, então alguma tensão e incredulidade são esperadas.”

“Ajudaria se eu desse dinheiro e recursos para vocês jogarem neles?” perguntou Zorian. “Eu sei que a Casa Taramatula não é pobre, mas tenho quase certeza de que eu e Zach poderíamos juntar dinheiro suficiente para financiar um pequeno estado se nos esforçássemos. Sem mencionar uma grande quantidade de materiais inestimáveis ​​que não podem ser comprados no mercado aberto.”

Daimen olhou para ele com uma estranha mistura de horror e alegria, seu rosto alternando entre várias caretas incomuns.

“Eu te odeio”, disse ele finalmente. “É melhor você planejar dar um pouco desse dinheiro para o seu pobre irmão mais velho quando sairmos daqui.”

“Você não está muito bem de vida?” perguntou Zorian, arqueando uma sobrancelha. “Você até vai se casar com a nobreza.”

“Dinheiro nunca é demais”, disse Daimen. “Nunca. E sim, por favor, mande todo esse dinheiro para cá se puder. Tentar subornar os Taramatula diretamente com ele não daria certo, mas tenho certeza de que eles veriam o plano com mais bons olhos se concordássemos em pagar por todo o equipamento e mercenários do nosso próprio bolso. E alguns presentes completamente não relacionados provavelmente seriam apreciados.”

Zorian assentiu e fez uma anotação mental para mencionar o assunto a Zach.

E por falar em Zach, seu companheiro de viagem no tempo… bem, um de seus companheiros de viagem no tempo, agora… já estava esperando por eles no portão da frente, cantarolando alegremente para si mesmo.

Zorian não precisou perguntar para saber o que o outro garoto estava pensando naquele momento.

“Diga”, perguntou Zorian a Daimen. “Você sabe qual é a legalidade de possuir uma hidra gigante e magicamente aprimorada em Eldemar? Só perguntando por um amigo.”