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    Capítulo 012

    Teia da Alma

    Zorian entrou em seu quarto, fechando a porta atrás dele com muito mais força do que o necessário. Deveria saber que não descobriria nada sobre laços de alma que já não soubesse, mas ainda era irritante voltar de mãos vazias depois de passar um dia inteiro na biblioteca.

    Todos os livros repetiam os mesmos avisos que recebeu em seu primeiro ano: vínculos da alma eram um ramo perigoso e mal compreendido da magia, capaz de causar efeitos colaterais horríveis se usados ​​de forma imprudente. 

    De vez em quando, algum casal mal-informado decide que a união de almas seria a coisa mais romântica de todas, apenas para que tudo acabe em lágrimas e ações judiciais alguns meses depois, quando surgem complicações. 

    A questão principal era que um dos participantes geralmente começava a dominar a mente e o espírito do outro, tornando-os mais semelhantes a si mesmos em mente e alma, para não mencionar obediência e respeito perturbadores. 

    Isso era bom ao vincular animais como familiares, já que quase sempre era o animal que era dominado pelo humano, e os animais tendiam de verdade a se beneficiar de tal dominação desenvolvendo inteligência superior e melhor controle sobre suas habilidades mágicas (se tivessem alguma). 

    No entanto, era comum seres sencientes terem problemas com alguém que subvertia toda a sua personalidade e visão de mundo de forma mágica. Pelo menos até o vínculo da alma terminar, transformando-os em um clone servil.

    Zorian passou a mão trêmula pelo cabelo e começou a limpar os óculos com a bainha da camisa para se acalmar. Ele esperava mesmo que estivesse errado e que não houvesse nenhum vínculo da alma entre ele e Zach. Zach tinha reservas de mana 6 vezes maiores do que o máximo teórico de Zorian, era por natureza mais extrovertido e confiante e — graças a estar no loop temporal por muito mais tempo que Zorian — provavelmente era décadas mais velho que ele também. Era óbvio quem seria o dominante entre os dois!

    O pior de tudo era que não podia nem mesmo pedir ajuda a alguém. Ele tinha certeza de que o vínculo da alma, ou o que quer que fosse, era responsável por voltar no tempo junto com Zach. Se pedisse ajuda a alguém, eles insistiriam em cortar o vínculo (um sentimento compreensível e algo com o qual concordaria com facilidade em circunstâncias normais), fazendo-o perder todo seu ganho dentro do loop temporal, memórias incluídas, uma vez que Zach recomeçou no final do mês.

    Sim, ele estava totalmente ferrado.

    Ele respirou fundo algumas vezes e colocou os óculos de volta. Talvez estivesse olhando para as coisas de forma muito fatalista. Considerando o tamanho da disparidade entre ele e Zach, deveria ter experimentado algumas grandes mudanças de personalidade até agora, e não notou nada do tipo. Tinha certeza de que não se sentia submisso a ninguém, muito menos a Zach. Era óbvio que as coisas não eram tão ruins quanto pareciam. Ele poderia muito bem estar exagerando e ignorando alguma outra explicação perfeita e razoável para o reinício não programado…

    Alguém estava batendo na porta. Quem poderia- 1

    Oh. Certo. Taiven.

    Ele soltou um suspiro pesado. Exatamente o que precisava agora. As batidas se transformaram em estrondos, levando-o a por fim abrir a porta.

    “Olá, Barata!”

    “Olá, Taiven,” Zorian disse em um tom um pouco sofrido. “Que bom que você veio me visitar. Quer entrar?”

    Taiven logo fez o que sempre fazia quando a deixava entrar — pulou na cama dele e se acomodou. Zorian deu de ombros e foi atrás dela. Melhor acabar logo com isso.

    “Você não se formou?” ele perguntou. “Você disse que iria entrar em exploração depois de se formar, o que aconteceu com isso?”

    Ela deu a ele um olhar azedo. “Não é tão simples assim. Nenhuma expedição levará uma iniciante completa como eu com eles. Preciso que um explorador estabelecido me aceite como aprendiz. Estou trabalhando nisso.”

    “Engraçado, ouvi dizer que você está trabalhando como assistente de classe para Nirthak,” comentou Zorian. “Isso não vai interferir na busca por outro mestre?”

    “Bem, mais ou menos,” ela admitiu. “Mas não estou procurando outro emprego literal neste momento. Na verdade, estou tentando construir minha reputação e conseguir notoriedade fazendo missões e coisas assim. Na verdade, é sobre isso que vim falar com você — gostaria que você se juntasse a mim e a mais algumas pessoas em um trabalho amanhã.”

    “Parece suspeito,” disse Zorian. “Em que um mísero terceiro ano poderia ajudá-la?”

    “Hum, preencher nossos números?” Taiven respondeu. “Só podemos aceitar o trabalho com 4 ou mais pessoas, e falta uma para isso.”

    “Bem, por que o trabalho requer quatro pessoas?” perguntou Zorian, sabendo de reinícios anteriores que este era o caminho mais rápido para acabar com as desculpas de Taiven. “Com certeza o empregador não colocou isso lá apenas para ser mesquinho com grupos como o seu.”

    “É supostamente perigoso,” Taiven bufou, cruzando os braços sobre o peito. “O velho está exagerando. As aranhas nem são tão grandes pelo que nos disse.”

    “Aranhas?” incitou Zorian.

    “Sim,” Taiven disse hesitante, parecendo perceber que não deveria ter mencionado isso. “Aranhas. Você sabe, peludas de oito patas-“

    “Taiven,” Zorian advertiu.

    “Ah, qual é, Barata, estou te implorando!” Taiven choramingou. “Eu juro que não é tão perigoso quanto parece! Já estivemos nos túneis centenas de vezes e não foi nada perigoso! Podemos protegê-lo com facilidade!”

    “Centenas de vezes?” perguntou Zorian em dúvida.

    “Bem, pelo menos uma dúzia de vezes,” ela cedeu.

    Zorian estava prestes a dizer não, como costumava fazer a essa altura, mas então se conteve. Ele provavelmente não seria capaz de fazer nada muito produtivo por pelo menos uma semana, com a possibilidade de um vínculo da alma entre ele e Zach pesando com força em sua mente e tudo. Um bom passeio distraído pelos esgotos pode ser exatamente o que o médico receitou, por assim dizer.

    “Claro,” disse ele.

    “Sério!?” ela gritou.

    “Sim, sério,” confirmou Zorian. “Apenas me diga onde te encontrar amanhã antes que eu mude de ideia.”

    Alguns minutos depois, Taiven saiu, agradecendo-o muito e beijando-o na bochecha por ser um amigo antes de correr para… seu destino, ele supôs. Não perguntou, muito chocado com o beijo dela, por mais inócuo que fosse. Estava um pouco zangado consigo mesmo por ter sido tão afetado por um beijo bobo na bochecha, mas adivinhou que não deveria ser muito duro com seu subconsciente. Ela era sua antiga paixão, afinal. 

    Ele decidiu que já tinha o suficiente de tudo para o dia e bebeu uma das poções para dormir que mantinha em seu estoque. Esperava que as coisas parecessem mais claras depois de uma boa noite de descanso.

    * * *

    Na manhã seguinte, acordou um pouco mais equilibrado do que depois de sua visita à biblioteca, e as coisas não pareciam tão desesperadoras quanto no dia anterior. Ele havia tirado conclusões precipitadas e precisava de mais informações. 

    Estava tentado a faltar às aulas naquele dia para ir de novo à biblioteca, mas suspeitava que lhe faltavam as habilidades de pesquisa e o nível de acesso para lidar de forma adequada com um tópico restrito como vínculos da alma. 

    Além disso, havia alguém em sua classe que com toda certeza precisava conversar — Briam, o cara com um drake de fogo como familiar. Certamente alguém que já está vinculado à alma de outro, mesmo que seja um animal mágico em vez de outro humano, poderia lhe contar mais sobre essas malditas coisas.

    “Vejo que sua família deu a você um drake de fogo,” disse ele em tom de conversa, sentando-se ao lado de Briam e ignorando o assobio ameaçador do drake de fogo. Por alguma razão, a besta mal-humorada nunca achou por bem atacá-lo nos reinícios anteriores, então não achava que começaria agora. “Ele já é seu familiar?”

    “Sim,” Briam confirmou, com clara satisfação. “Eu me vinculei com ele apenas neste verão, na verdade. Um pouco estranho, no começo, mas acho que estou pegando o jeito.”

    “Estranho?” perguntou Zorian. “Como assim?”

    “Bem, é principalmente o vínculo estar lá, sabe?” disse Briam.

    “Então o vínculo pode ser sentido?” Zorian disse em especulação, tentando não deixar transparecer sua empolgação. Ele não sentia nada. “Isso é normal? Todos os que estão ligados à alma podem sentir seu vínculo?”

    “Não, nem todo mundo,” Briam riu. “Apenas uma pequena minoria pode, e ninguém sabe ao certo por quê. Eu posso, no entanto. Acho que tenho sorte assim.”

    Zorian suprimiu uma carranca. Esperava que não ser capaz de sentir nenhum vínculo significava que não havia nenhum, mas ao que parecia, não era provava nada. Droga.

    “Sabe,” Zorian tentou, “eu sempre tive um… interesse acadêmico em familiares e vínculos da alma…”

    Por sorte, Briam não achou o interesse de Zorian de forma alguma suspeito e ficou feliz em satisfazer a curiosidade de Zorian. O que Briam disse a ele foi interessante, para dizer o mínimo. De acordo com Briam, o feitiço de vínculo da alma era na verdade um ritual de algum tipo, que levava pelo menos 10 minutos para ser lançado da forma correta, no geral demorando mais. 

    Não é algo que possa ser lançado como uma invocação regular. Além disso, mesmo o mais alheio dos participantes tendia a sentir algo depois de algumas semanas, depois que o vínculo se ancorou de forma adequada nos participantes.

    Havia muitas coisas que Zorian experimentou até agora no loop temporal que poderiam se qualificar como sinais de um vínculo da alma em desenvolvimento, mas era difícil dizer o quanto disso era apenas uma consequência da situação maluca em que se encontrava. 

    Os efeitos foram muito fracos em comparação com o que Briam disse que deveria acontecer. Suas reservas de mana eram um pouco maiores do que no início do loop temporal, por exemplo, mas o aumento não foi nada especial. 

    Poderia com facilidade ser uma consequência de sua prática regular de magia de combate, em vez de ser causada pelo vínculo da alma tentando torcer sua alma para ficar mais alinhada com a de Zach. O feitiço que o lich lançou sobre eles com certeza não era um ritual também… mas, pensando bem, era um lich. Quem sabia que tipo de magia uma criatura como aquela tinha à sua disposição?

    Ao todo, parece que teve sorte — a ligação entre ele e Zach era muito fraca ou de um tipo diferente. Ou talvez estivesse apenas meio formada? Segundo Briam, o vínculo exigia proximidade física e muita interação pessoal entre os participantes para amadurecer por completo. 

    Era por isso que ele carregava seu drake de fogo em todos os lugares que ia neste momento. Considerando que só interagiu com Zach em um dos reinícios até agora, e que o menino passou quase todas as reinicializações longe de Cyoria, o vínculo pode nunca ter tido a chance de se solidificar. 

    Nesse caso, nunca deveria permitir que se forme totalmente — ele evitaria contato com o outro viajante do tempo a partir de agora até que pudesse descobrir mais sobre sua situação.

    O que pode demorar um pouco. Com sorte, sua ideia de evitar Zach tanto quanto possível o impediria de ser dominado pelo vínculo nesse meio tempo. Ele deveria mesmo fazer um plano de aprendizado para si próprio. 

    Até agora, aprendia as coisas ao acaso. Não havia pressa, tanto quanto sabia, e não sabia por onde começar de qualquer maneira. Além disso, queria crescer um pouco como mago antes de sair do loop temporal, já que nunca mais teria uma oportunidade como essa. 

    Esse tipo de abordagem desorganizada não era mais apropriada, no entanto — ele queria que o vínculo da alma fosse quebrado o mais rápido possível, e isso significava encontrar uma saída do loop temporal o mais rápido possível.

    Mas isso teria que esperar para outra hora, porque ele tinha um encontro marcado com Taiven e seus amigos à noite. Pensando bem, por que concordou com isso? Ah, sim, Taiven escolheu um momento bem inconveniente e ele teve um surto momentâneo de insanidade. Deveria pelo menos ter obtido algum favor dela por fazer isso. Bem, vivendo e aprendendo.

    Taiven escolheu um ponto de encontro distante, então Zorian tinha uma longa caminhada à sua frente. Aparentemente, havia um ponto de encontro para jogadores de xadrez em um dos parques de Cyoria, e um dos amigos de Taiven era um visitante regular. Na verdade, ele nunca visitou aquele parque em particular, mas o caminho até lá era um tanto familiar e não conseguia entender o porquê.

    Percebeu por que era familiar alguns minutos depois, quando tropeçou em uma pequena ponte dentro do parque. Foi aqui que conheceu aquela garotinha chorosa cuja bicicleta caiu no riacho, antes que percebesse o loop temporal. 

    Pensando bem, nunca mais visitou este lugar depois disso, não é? Só não havia razão para isso, já que sabia de antemão que havia obstáculos bloqueando seu caminho se seguisse esse caminho. 

    Ele olhou com curiosidade para a seção do riacho sob a ponte, tentando ver se a bicicleta ainda estava lá. Sem surpresa, não estava. A chuva forte do dia anterior transformara o riacho em uma torrente furiosa, e a bicicleta foi, sem dúvida, apanhada pelas correntes e arrastada.

    A garotinha não estava lá desta vez, é claro, mas isso não significava que ele estava sozinho na ponte. Havia um gato pequeno, provavelmente muito jovem, olhando com tristeza para as águas furiosas do riacho. 

    Zorian no geral não se estressava com a situação dos animais, mas quando o gato se virou para olhá-lo e seus olhos se encontraram, foi assaltado por um intenso sentimento de tristeza e perda. Incomodado com a experiência, acelerou o passo, deixando com pressa o estranho gato para trás.

    1. frase cortada, assim mesmo[]

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