Índice de Capítulo

    * * *

    “Você queria me ver?” Zorian perguntou enquanto olhava para o escritório de Ilsa.

    Ilsa gesticulou para que ele entrasse, muito ocupada tomando seu chá para dar uma resposta verbal. Zorian afundou na cadeira de visitante e logo entregou a ela todas as tarefas que havia coletado dos alunos. Ela deu uma olhada para elas antes de colocá-las de lado e tomar outro gole de seu copo.

    Por um minuto ou mais, ela apenas continuou examinando-o em silêncio. Finalmente, ela pousou a xícara e suspirou.

    “Eu queria falar com você sobre sua experiência com a magia mental,” disse ela, tamborilando com os dedos na mesa. “Tenho certeza que você está ciente da natureza bastante ilegal da maioria das magias mentais, mas como é o produto de uma habilidade inata em vez de acesso a feitiços e literatura restritos, algumas concessões podem ser feitas. A Associação de Empatas faz um grande esforço para fazer uma distinção entre empatia e leitura da mente, e afirmar que uma é apenas uma extensão lógica da outra é… novidade. E mais do que um pouco controverso. No entanto, minhas investigações discretas sobre o assunto descobriram que existe de fato uma ligação conhecida entre as duas habilidades, então sua história é válida.”

    “Tecnicamente, a empatia e a leitura da mente são mesmo diferentes. A empatia é uma habilidade passiva sem intrusão mental envolvida, enquanto a leitura da mente exige que alguém invada a mente do outro de forma ativa,” explicou Zorian. “É que todo empata é capaz de ler mentes com o treinamento certo.”

    “Oh? Interessante,” disse Ilsa. “Estou surpresa que mais magos não tenham tropeçado no fato, então.”

    “Eu pensei sobre isso, na verdade,” comentou Zorian. “As araneas nascem com a habilidade. Elas falam uma com a outra por telepatia como seu meio normal de comunicação, têm brigas telepáticas quando crianças, usam-a para caçar suas presas, para quase qualquer coisa. É natural que elas refinassem e desenvolvessem a habilidade, explorando-a até seu extremo lógico. Empatas humanos, por outro lado, são raros e isolados, então a maioria deles tem que redescobrir a roda sozinhos, por assim dizer. Não ajuda que poucas pessoas estejam dispostas a deixar alguém ler suas mentes, então qualquer treinamento é quase certamente ilegal. Portanto, a maioria das pessoas que descobrem suas habilidades telepáticas latentes vai ficar calada sobre isso ou se tornarão criminosos declarados. Provavelmente há um bom número de empatas que descobriram o fato, mas com certeza não admitirão isso para ninguém.”

    “Excelente raciocínio,” elogiou Ilsa. “E, na verdade, é sobre a questão dos parceiros de treinamento em particular que eu queria falar com você. Sei que sua irmã já concordou em ajudá-lo com seu treinamento, mas entendo que seria preferível ter uma grande variedade de alvos para praticar, certo?”

    “Sim,” concordou Zorian.

    “Acredite ou não, uma das alunas fez um pedido para que alguém a ajudasse a treinar sua perícia em magia mental. Como esperado, nenhum dos professores está ansioso para que um aluno mexa com suas cabeças. Mas apenas recusar é… politicamente inviável.”

    “Você quer que eu entre e ocupe o lugar de um professor,” Zorian supôs.

    “Isso beneficiaria vocês dois,” esclareceu Ilsa. “Vocês dois querem um alvo para praticar, e ambos são mais qualificados para ajudar um ao outro quando se trata de magia mental do que qualquer um dos professores que a academia tem à sua disposição.”

    “E se a outra aluna protestar contra isso?” perguntou Zorian. “Quero dizer, ela podem querer alguém para praticar, mas isso não significa que está disposta a deixar outra pessoa praticar com ela.”

    “Então não foi um caso em que a academia recusou um pedido de imediato, foi?” Ilsa disse, dando-lhe um sorriso conspiratório. “Mas eu duvido muito que a aluna em questão faria um alarido sobre isso. O que você diz?”

    Zorian cantarolou pensativo. Embora houvesse o risco de que o outro lado descobrisse sobre o loop temporal por meio de seus pensamentos, ele possuía algumas defesas mentais rudimentares e estava familiarizado com as limitações da leitura da mente. Contanto que não deixasse a outra aluna vasculhar suas memórias de longo prazo, deveria ficar bem. E ele estava curioso sobre essa outra aluna que se interessava por magia mental.

    “Tudo bem, vou tentar. Com quem vou trabalhar?”

    “Uma de suas colegas de classe. Tinami Aope,” respondeu Ilsa.

    Zorian piscou. Tinami era… espera, claro que seria ela. Dizia-se que os Aopes se interessavam por magia mental, entre outras coisas. Nem todos os rumores eram bobagens maliciosas. E isso explicaria porque Ilsa sabia sobre o pedido em primeiro lugar, pensando bem.

    Além disso, ele não prometeu a si mesmo apresentá-la à aranea em algum momento para ver o que aconteceria? Sim, ele estava totalmente bem com isso.

    * * *

    “Olá, Tinami,” disse Zorian, entrando na sala de aula vazia que Ilsa reservou para suas lições. “Estou interrompendo alguma coisa?”

    “Umm”, ela se inquietou. “Na verdade, estou esperando alguém…”

    “Para prática de magia mental, certo?” ele perguntou. Seus olhos se arregalaram em resposta. “Esse alguém seria eu. Serei seu parceiro hoje, se você me aceitar.”

    “Umm, ah, eu estava… não quero ser rude, mas estava esperando por um especialista…”

    Huh, então Ilsa não disse a ela quem iria ensiná-la? Estranho.

    “Eu sou um mago mental natural,” explicou Zorian. “Sou o mais próximo que a academia tem de um especialista no assunto. Por que não tentamos isso e você pode sair se eu não puder satisfazê-la, ok?”

    Ela corou de imediato e desviou o olhar, seus sentimentos oscilando entre constrangimento e indignação. Uh, talvez ele devesse ter formulado isso melhor…

    “Má escolha de palavras, vamos fingir que eu disse outra coisa,” Zorian disse com pressa. “De qualquer forma, estou surpreso que você não sabia quem iria ensiná-lo. Quanto Ilsa lhe contou sobre mim?”

    “Só que você precisa de alguém para praticar também,” Tinami respondeu com calma. “Eu não me importo mesmo. Tenho disciplina mental suficiente para manter as coisas sensíveis longe dos meus pensamentos superficiais na maior parte do tempo.”

    “Eu também,” disse Zorian. “E eu não vou permitir que você olhe em minhas memórias.”

    “C-Certo,” ela concordou. “Eu só queria praticar telepatia e leitura da mente. Os feitiços não são difíceis de lançar, mas usá-los requer muita prática.”

    “Bem, fique à vontade para ir primeiro,” ofereceu Zorian.

    Apenas para a ocasião, Zorian havia memorizado partes de um livro de biologia que descrevia várias formas de plantas selvagens e apenas as recitava em sua cabeça quando Tinami tentava ler seus pensamentos. Isso não apenas garantiu que ele não revelasse nenhum detalhe sensível a Tinami, mas também facilitou o trabalho dela. Era muito mais simples ler os pensamentos de alguém quando ele pensava em palavras e frases concretas, em oposição a um confuso fluxo de consciência que compunha a grande maioria dos pensamentos das pessoas. 

    Na verdade, a matriarca explicou a Zorian que não era possível ler as pessoas como um livro, a menos que estivessem recitando um texto literal em suas cabeças como ele estava fazendo no momento — sempre havia uma grande quantidade de suposições e extrapolações envolvidas, e nenhum leitor da mente poderia entender completamente outro ser senciente.

    Mas poderia chegar bem perto.

    “Por que seus pensamentos estão cheios de informações sobre plantas?” Tinami perguntou com uma careta.

    Ao que parecia, Tinami não sabia disso. O estilo de treinamento de magia mental dos Aope era muito grosseiro e se resumia a jogar uma criança na piscina e esperar que ela não se afogasse. Um pouco decepcionante, de fato. Ele acabou mudando para recitar sequências de números e imaginar formas geométricas simples.

    “Acho que devo desculpas por duvidar de você,” disse Tinami. “Você sabe mesmo dessas coisas. Você quer tentar agora?”

    Zorian assentiu com a cabeça e então se concentrou nela, focando na estrela brilhante que viu à sua frente através de seu sentido mental e conectando-se com a mente dela.

    [Você tem certeza de que está pronta?]

    Ela gritou e pulou em seu assento. “O-o quê?”

    [Comunicação telepática,] explicou ele.

    “Mas… você não lançou um feitiço,” ela franziu a testa.

    [Não preciso. Como eu disse, sou um mago mental natural. Posso sentir todas as mentes ao meu redor e posso me conectar a elas se quiser. Agora estou falando com você por telepatia, mas se você estiver pronta, vou expandir minha consciência para seus pensamentos superficiais.]

    Ela fechou os olhos por um segundo, mas então franziu a testa e os abriu de novo.

    “Espere,” pediu ela. “Eu não entendo. Se você fez um vínculo telepático entre nós, por que não posso usá-lo para falar com você por telepatia?”

    [É assim que funciona se você usar um feitiço estruturado para isso?]

    “Bem, sim. Quero dizer, existem vários feitiços de envio que só enviam uma mensagem mental para alguém, mas você precisa lançá-los toda vez que quiser enviar algo para o alvo. Se você deseja ter uma conversa mental adequada com alguém, você cria um vínculo telepático entre essa pessoa e você. O principal problema é que muitas vezes as pessoas não sabem filtrar bem seus pensamentos e acabam enviando coisas inapropriadas pelo vínculo.”

    [Hmm, eu acho que você poderia dizer que eu continuamente envio mensagens através do vínculo que estabeleci entre nós. Eu não sei como estabelecer um vínculo de mão dupla ainda,] Zorian disse de forma contemplativa. As araneas nunca mencionaram nada sobre vínculos telepáticos bidirecionais e, em retrospecto, era óbvio o porquê — um psíquico poderia usar um vínculo estabelecido para responder por telepatia, independentemente de quem fosse o criador dele. Cada aranea era psíquica, então por que elas se importariam com vínculos bidirecionais? Era algo que ele teria que descobrir sozinho, provavelmente. [De qualquer forma. Você está pronta?]

    “Sim,” ela assentiu. “Sinta-se à vontade para começar.”

    Ao contrário dele, Tinami não recorria a mensagens de texto ou números e, em vez disso, fazia o possível para imaginar uma cena aleatória de sua vida com o máximo de detalhes possível. As cenas eram totalmente corriqueiras — uma das palestras de Ilsa, uma conversa inconsequente entre Jade e Neolu enquanto falavam ao lado de Tinami, um passeio pela rua… era tudo muito visual, mas ainda muito desafiador. Sua irmãzinha ainda era muito mais difícil de ler, ironicamente porque ela não tentava esconder nada dele — sua sucessão de pensamentos desconexos e de fluxo de consciência era quase impossível de descobrir, a menos que ele a envolvesse em uma conversa e a fizesse concentrar-se em uma questão específica.

    “Ok, estou oficialmente com ciúmes,” Tinami bufou. “Eu tenho praticado isso por três anos com minha mãe e seus amigos, e não estou nem perto disso.”

    “Não se sinta tão mal,” Zorian comentou. “Eu tenho… uma vantagem injusta.”

    “Eu também,” disse Tinami. “Minha família tem se envolvido com magia mental por gerações, e eu tenho o conselho dela. É frustrante perceber o quanto o talento bruto pode significar em um campo como este.”

    “Ah, não é apenas talento bruto,” esclareceu Zorian. “Eu também tenho uma professora com gerações de prática de magia mental.”

    Ela ergueu a sobrancelha para ele. “Não há muitas dessas,” ela comentou. “Tenho certeza de que minha mãe saberia se algum de nossos rivais adotasse um novo aluno.”

    “Não há muitas humanas, você quer dizer,” Zorian sorriu. “Sua mãe com certeza não saberia, a menos que ela mantivesse o controle sobre as muitas colônias de aranhas telepáticas espalhadas por Altazia.”

    Tinami o encarou em silêncio por alguns segundos, antes de se inclinar para ele animadamente.

    “Aranhas telepáticas? Quer dizer… você conheceu mesmo uma das lendárias araneas?

    Lendárias? Zorian quase zombou, mas supôs que as aranhas eram muito boas em se esconder. Embora houvesse humanos que soubessem sobre elas, muito poucos pareciam dispostos a anunciar suas conexões com as colônias araneas. Zorian não achava que era por causa da intimidação das araneas (ou pelo menos não apenas por causa disso) — com toda a probabilidade, os magos que estavam por dentro só queriam preservar seu monopólio nos negócios com as araneas e não queriam magos rivais se intrometendo e exigindo seu pedaço do bolo.

    “O nome dela é Caçadora Entusiástica de Novidades,” disse Zorian. “Você gostaria de conhecê-la?”

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