Capítulo 26 - Morte da Alma (6/6)

* * *

Ele sabia que algo estava errado no momento em que se aproximou do assentamento aranea sem ser interceptado por sentinelas. Ele deveria ter sido interceptado agora, ainda mais porque inflou de propósito sua presença telepática para ser o mais perceptível possível. Mas ninguém veio confrontá-lo e ninguém respondeu às suas saudações vocais. Era enervante e, à medida que Zorian se aproximava cada vez mais do assentamento aranea, uma corrente de pavor começou a se infiltrar em sua mente.

Ele estava muito atrasado? Mas ele veio aqui o mais rápido possível!

Ele enfim encontrou uma das araneas depois de alguns minutos, seguida por outra 30 segundos depois. Mortas, as duas. Não havia nenhum sinal de dano físico que Zorian pudesse ver, seja nas araneas mortas ou no ambiente, e ele não conseguia detectar nenhum resíduo mágico para indicar feitiços pesados. Parecia estranhamente o rescaldo do ataque de Robe Vermelho no reinício anterior. 

Ele logo parou para lançar 3 feitiços de proteção diferentes sobre si mesmo: não-detecção para parar adivinhações simples, invisibilidade para se esconder da vista e um feitiço para aumentar sua resistência natural a feitiços. Ele não sabia o que eram aqueles feitiços roxos, mas eles pareciam ter um efeito direto em vez de simples ataques de projeção, então a resistência a feitiços deveria funcionar contra eles. 

Por fim, ele pegou um lenço barato que havia comprado na superfície e o enrolou na cabeça para esconder sua identidade. Ele estava invisível no momento, sim, mas isso seria interrompido no momento em que lançasse um feitiço e não era algo em que deveria confiar.

Então ele procedeu com mais cuidado para o assentamento em si.

Era um cemitério. Onde quer que olhasse, havia araneas mortas, silenciosas e imóveis, pernas curvadas para dentro e olhos negros vidrados olhando para nada em particular. O mais assustador era que não havia absolutamente nenhum sinal de luta em qualquer lugar que olhasse — nenhum dano de feitiço, concentrações de mana persistentes ou grupos de cadáveres empilhados enquanto tentavam atrasar o atacante em algum ponto de estrangulamento. Na verdade, a maior parte das araneas parecia apenas ter caído morta no meio de alguma atividade mundana, como se alimentar de um cadáver de rato ou fazer algum tipo de escultura de teia.

Depois de trinta minutos tentando entender o que aconteceu, Zorian ficou tentado a concluir que o terceiro viajante do tempo realizou algum tipo de ritual de área de efeito em larga escala que duplicou o efeito daqueles feixes roxos dele e matou todas as araneas no assentamento em um único momento, antes mesmo de perceberem o que estava acontecendo. 

O problema era que nem todas as araneas tinham morrido. Cerca de metade dos machos sobreviveram a qualquer feitiço que eliminou todas as fêmeas. E elas estarem fora do assentamento quando o feitiço entrou em vigor não parecia relevante, já que as guardas avançadas pelas quais ele passou antes no caminho para o assentamento também estavam mortas e bem longe do citado assentamento.

Depois de capturar vários machos e mergulhar em suas mentes, ele estava começando a notar algo. Todos os machos que capturou pareciam… familiares para ele. Ele tinha mergulhado em suas mentes antes, no reinício anterior, quando estava recuperando a mensagem da matriarca deles.

Não. Não pode ser! As araneas não eram viajantes do tempo, então por que…

Um som crepitante acompanhado por um flash de luz anunciou a abertura de um portal mágico em algum lugar atrás dele, e ele se virou de imediato para enfrentar o recém-chegado. Ele esperava que fosse Zach e-

Claro que era o terceiro viajante do tempo.

Por dois segundos inteiros, os dois magos ficaram em silêncio, olhando um para o outro com surpresa. O terceiro viajante do tempo estava com a exata mesma roupa que tinha usado no reinício anterior — um manto vermelho-sangue que cobria cada centímetro de seu corpo e envolto em algum tipo de feitiço protetor que deixava seu rosto como um pedaço de escuridão vazio e inexpressivo abaixo do capuz. Zorian estava tecnicamente invisível e o outro mago não deveria ser capaz de vê-lo, mas ele sabia pela maneira como o outro mago olhava direto para ele que o feitiço não tinha nenhum efeito sobre o outro mago.

O momento foi quebrado quando o Robe Vermelho sacou uma varinha de feitiço em um movimento rápido e praticado e disparou um enxame de 5 mísseis mágicos em Zorian. Pego desprevenido, Zorian pouco podia fazer, exceto absorver o golpe com seu bracelete de proteção. Por sorte o escudo resistiu, mas ele sabia que não iria ganhar nenhuma luta com um cara que superou Zach. Ele conseguiu lançar um feitiço de desintegração no chão da caverna entre eles, jogando nuvens de poeira no ar e permitindo que se livrasse da batalha.

Ele fugiu.

* * *

Ele não foi longe.

“Você está se protegendo de adivinhações,” Robe Vermelho disse em sua voz distorcida. “Bom. Pelo menos você é mais esperto que aquele tolo Zach. Dá para acreditar que mesmo depois de todas essas décadas no loop temporal ele ainda não aprendeu a se esconder do mais infantil dos feitiços localizadores? Você, por outro lado, está no loop do tempo há, o quê? Três, quatro anos? E você já sabe como se proteger da minha percepção da alma.”

Zorian não disse nada, tentando afundar ainda mais na fenda em que se escondia e quebrando a cabeça para encontrar uma maneira de despistar o homem. Foi uma sorte que Kael o tivesse ensinado como se proteger da visão da alma, porque Robe Vermelho parecia ser um maldito necromante!

Ele teve sorte de ter descoberto como o homem o estava vendo, ou então já estaria morto.

“Elas estão mortas para sempre, se você está se perguntando,” Robe Vermelho continuou. Ele não parecia ser capaz de localizá-lo com sua proteção de alma ativa, mas claramente podia dizer que ele estava por perto. E ele se aproximava lentamente de Zorian. “Quando as matei no último reinício, não matei apenas seus corpos. Não importa quantas vezes o loop temporal se repita, as araneas sempre iniciarão o loop temporal mortas, seus corpos presentes, mas suas almas perdidas para sempre. A magia da alma é tão fascinante, não é?”

Mesmo que ele suspeitasse disso, Zorian ainda sentiu seu coração cair com a admissão. As araneas… estavam mortas para sempre? Isso é… Ele sentiu uma tempestade de indignação e culpa crescendo dentro dele e a esmagou sem piedade. Agora não era a hora. Haveria tempo para colapsos e auto-recriminações mais tarde, mas agora ele tinha que se certificar de que haveria um mais tarde.

“Mas não sou tão violento e irracional quanto posso parecer à primeira vista, sabe?” Robe Vermelho disse em tom de conversa. “Se você me disser os nomes de outras pessoas que as araneas trouxeram para o loop temporal, prometo que o deixarei em paz. Posso até te ensinar uma coisa ou duas.”

Zorian piscou. É por isso que Robe Vermelho não inundou a sala inteira com fogo para expulsá-lo? Porque ele pensou que poderia haver mais viajantes do tempo ao lado dele? Huh. Em retrospecto, parecia uma conclusão razoável: a matriarca reivindicou isso a Zach, afinal.

De repente, Robe Vermelho avançou e agarrou-o pela camisa. Antes que Zorian pudesse fazer muito, o outro mago o jogou contra a parede áspera da caverna aranea várias vezes, fazendo com que Zorian visse manchas e pairasse à beira da inconsciência. Ele tentou se libertar, mas nunca foi talentoso nas áreas físicas e a força de Robe Vermelho era totalmente sobre-humana e fora de proporção com seu tamanho e constituição.

“Quantos outros as araneas trouxeram para o loop temporal?” Robe Vermelho perguntou de forma ameaçadora, deixando de lado todas as pretensões de polidez e amizade.

Outros poderiam ter tentado mentir, mas Zorian sabia que era melhor ficar quieto. Uma declaração pode ser adivinhada por significados ocultos e veracidade. Você não poderia adivinhar o significado do silêncio.

“Oh, tudo bem, faça do seu jeito,” Robe Vermelho disse com um suspiro dramático. “Acho que vou ter que arrancar isso da sua cabeça como fiz com Zach. Independentemente do que aqueles insetos arrogantes lhe disseram, as araneas não são as únicas capazes de usar magia mental.”

Zorian sentiu o outro mago tentando se conectar com sua mente, mas percebeu de imediato que a tentativa era muito grosseira e simples. Zorian era melhor e ele sabia disso. Não querendo deixar esse erro por parte de seu oponente ser desperdiçado, ele logo bloqueou a conexão e explodiu o ataque telepático de Robe Vermelho em pedaços antes de contra-invadir sua mente. Sabendo que não tinha experiência com ataques sutis, ele apenas atacou a mente do Robe Vermelho com um grito telepático não direcionado. Robe Vermelho recuou e tentou encerrar a conexão. Quando isso falhou, ele pegou sua varinha de feitiço, mas Zorian causou um espasmo em sua mão e no mesmo momento escorregou entre seus dedos e caiu no chão da caverna.

Depois de vários segundos, Zorian percebeu que, embora o outro mago não fosse páreo para ele quando se tratava de combate telepático, ele também não estava indefeso. Ele não conseguia dominar a mente do Robe Vermelho, e no momento em que sua concentração caísse, o outro mago cortaria a conexão e o derrotaria até virar uma polpa no mundo físico. Ele tentou comandar o membro do Robe Vermelho para liberar seu aperto sobre ele para que pudesse fugir, mas a mão permaneceu resolutamente em volta de seu pescoço.

Bem, tudo bem então. Zorian alcançou o cinto e recuperou o revólver que tinha comprado do comerciante, esvaziando a rodada inteira no Robe Vermelho à queima-roupa.

Ele perdeu a concentração quando a arma disparou, o estrondo o surpreendeu com seu volume, mas quando as duas primeiras balas atingiram o peito de Robe Vermelho, ele imediatamente soltou Zorian para erguer um escudo apressado em torno de si. As últimas quatro balas espirraram inutilmente contra o plano de força que o outro mago conseguiu erguer à sua frente, mas o dano já estava feito, pois as duas primeiras balas já tinham acertado, rasgando quaisquer proteções que o outro mago tivesse em seu manto e tirando sangue.

Zorian aproveitou as consequências para fugir, esperando que as feridas recentes de Robe Vermelho inibissem sua perseguição. A falta de passos o seguindo lhe disse que ele estava correto.

Um feixe de desintegração quase acertando sua cabeça também disse a ele que seu oponente ainda não estava fora da luta.

“Você atirou em mim!” a voz do Robe Vermelho gritou histericamente atrás dele. “Que tipo de mago usa uma arma!?”

Zorian não o agraciou com uma resposta e, em vez disso, optou por continuar correndo. A ideia de apenas ativar suas bombas (o único item que ele se preocupou em fazer antes de vir para cá) e se matar era tentadora, mas percebeu que seria uma ideia horrível. Seu oponente era um necromante — o suicídio não iria protegê-lo do Robe Vermelho, em nenhuma forma que importasse. Não era como se o loop temporal fosse reiniciar quando ele morresse — isso só acontecia com Zach.

Não, ele tinha que encontrar uma maneira de se matar de tal forma que Robe Vermelho não pudesse recuperar seu corpo depois. Depois de quebrar a cabeça por um segundo, ele acessou o mapa do submundo que a matriarca tinha deixado e procurou por algo… lá! Esse túnel levava a um longo poço vertical que terminava em um gigante lago subterrâneo marcado como perigoso. Isso provavelmente significava que havia algo vivendo ali, pronto para comer qualquer um que se aventurasse nas águas. Seu corpo provavelmente seria comido muito antes que Robe Vermelho pudesse recuperá-lo. Ele acelerou em direção ao seu destino.

Ele evitou por pouco os próximos dois feitiços, com o Robe Vermelho sempre na cola dele, não tão aleijado por seus ferimentos quanto deveria. Ele atirou no peito dele, pelo amor dos deuses! Duas vezes! O que diabos ele fez consigo mesmo para obter esse tipo de resiliência? Algum tipo de ritual proibido, talvez?

Red Robe pareceu enfim perder a paciência com ele e inundou todo o corredor em um vórtice de relâmpago azul crepitante que imediatamente fez os músculos de Zorian travarem e lavou todos os seus pensamentos em um mar de dor. Ele estava atrasado, porém, porque Zorian já tinha pisado na borda do buraco que conduzia ao eixo vertical e a inércia o fez tombar e cair.

Zorian caiu no ar, por algum motivo pensando que era engraçado que ele estava fazendo o possível para se matar enquanto o terceiro viajante do tempo tentava detê-lo. Ele teve a presença de espírito de ativar os explosivos em seu bolso pouco antes de atingir a superfície da água e seu mundo acabar em luz e dor.

Fim do Arco 1