Índice de Capítulo

    Zorian girou seu novo passe da biblioteca em suas mãos, estudando distraidamente os glifos de identificação gravados em sua superfície. O nome no passe não era o dele, é claro, já que ele havia descaradamente invadido a casa de alguém e o roubado… mas as chances de ele ser confrontado por isso eram, surpreendentemente, insignificantes. Ele entendeu rapidamente, ao tentar usar seu novo passe, que os passes mais altos não eram apenas um pedaço de papel inerte como o antigo era — eles eram pequenos painéis de madeira impressos com uma matriz mágica de identificação de glifos. Para usá-los, bastava caminhar até as portas que levavam à seção restrita da biblioteca e, então, inserir o painel na depressão ao lado da porta. Se a autorização do passe fosse alta o suficiente para acessar aquela seção específica, a porta seria destrancada e o visitante poderia entrar. Nenhuma interação com os bibliotecários era necessária, e ninguém pediu para ver seu passe quando ele o testou, mesmo depois de passar várias horas na seção de magia mental.

    Honestamente, ele estava se sentindo um tanto tolo no momento. Ele esperava que as seções restritas fossem protegidas por algum tipo de segurança diabólica e verificações de identidade em cada esquina, mas, ao invés disso, ele encontrou um sistema de segurança que uma criança poderia quebrar. Se ele soubesse que era tão fácil, ele teria feito isso muito antes. Pelo que podia ver, o único perigo era que o homem de quem ele roubou percebesse que tinha sido furtado… e Zorian não estava realmente preocupado com isso. Ele tinha escolhido seu alvo cuidadosamente, não pegou nada exceto o passe da biblioteca da casa que invadiu, e tinha feito o seu melhor para não deixar nenhuma evidência de sua entrada. Mesmo que o homem subitamente começasse a se importar com o passe da biblioteca que ele não usava há meses e percebesse que ele estava faltando, Zorian realmente duvidava que ele concluiria que alguém o roubou. Quem diabos invade a casa das pessoas para roubar seus passes de biblioteca?

    Dito isso, Zorian suspeitava que se ele tentasse o mesmo truque para acessar alguma seção profundamente restrita de fato, ele seria parado por uma segurança mais firme. Ele teria que adquirir um passe de nível máximo em algum momento e testá-lo perto do final de um reinício.

    Agora, porém, ele tinha que ver o que Xvim tinha reservado para ele. Ele guardou o passe da biblioteca e se aproximou… da porta…

    Ele franziu a testa. O que diabos estava acontecendo? Era aqui que o escritório de Xvim ficava, ele tinha certeza disso — já estivera ali incontáveis vezes, e todo o resto estava exatamente onde deveria estar. Ele apenas…

    Ele fechou os olhos e respirou fundo, deixando o escudo mental se fechar sobre seus pensamentos. A compulsão de ignorar a porta do escritório de Xvim se dissipou, e seus olhos finalmente pararam de passar por ela como se não existisse. Não, agora que ele pensava sobre isso, era mais como se ele tivesse a descartado como irrelevante. Como algo que obviamente não era o que ele estava procurando. Se não estivesse tão certo de si mesmo, quem sabe quanto tempo ele teria procurado pela porta antes de perceber.

    Abrindo os olhos e reprimindo sua irritação com as palhaçadas de Xvim, ele bateu na porta e então entrou imediatamente sem esperar permissão para fazê-lo. Ele encontrou Xvim calmamente olhando para ele, dedos entrelaçados.

    “Deplorável”, declarou Xvim. “Que uma armadilha tão grosseira tenha conseguido te pegar, mesmo que por um minuto, mostra o quão lamentavelmente despreparado você está para os perigos da magia mental.”

    “Sim, senhor”, concordou Zorian facilmente. Ele já estava tão acostumado com a atitude de Xvim que não ficava mais realmente irritado com isso. “É por isso que professei um desejo por um parceiro de treinamento para a Srta. Zileti.”

    Xvim acenou com a mão no ar uma vez, como se estivesse afastando uma mosca particularmente irritante, silenciosamente deixando-o saber o quão pouco ele pensava daquela ideia.

    “Eu entendi, por meio de uma conversa com Ilsa, que você é um mago mental natural, correto?” Xvim perguntou. Era aparentemente uma pergunta retórica, porque ele não esperou pela resposta de Zorian antes de continuar. “É louvável que você esteja tentando corrigir suas deficiências por iniciativa própria. Muitos magos com tais talentos naturais confundem sua vantagem inata com maestria real, desperdiçando seu potencial e colocando todos ao redor em risco. Até eles mesmos. Especialmente eles mesmos.”

    Uau, isso foi um elogio genuíno de Xvim?

    “Infelizmente”, continuou Xvim, “sua tentativa, assim como as habilidades de modelagem que você demonstrou em nossa sessão na sexta-feira passada, fica vergonhosamente aquém de alcançar resultados realmente satisfatórios. Cabe a mim, como seu mentor, moldá-lo em algo parecido com um conjurador competente e responsável.”

    Ugh. Esquece.

    “Entendo”, disse ele, um tanto azedo. “Por favor, perdoe minha impertinência, mas eu não sabia que você era um especialista em magia mental. Pensei que você ensinasse exercícios avançados de modelagem para alunos do quarto ano.”

    “Eu também dou aulas particulares para alunos particularmente talentosos do primeiro e segundo ano”, disse Xvim, uma leve careta de desgosto passando em seu rosto por um instante antes de suavizá-la em sua impassividade habitual. Xvim provavelmente não tinha uma opinião muito alta sobre o ‘talento’ deles. “E, mais relevantemente, eu ensino uma eletiva do quarto ano lidando com defesa contra magia hostil. Obviamente, isso inclui magia mental também.”

    “Ah”, disse Zorian. Isso ajudou muito a explicar o escudo mental constante de Xvim. Ainda assim… “Sinto que devo salientar que minha habilidade inata me concede um escudo mental muito poderoso e flexível.”

    “Oh? Que interessante”, Xvim disse especulativamente. “Diga-me, sua habilidade é puramente defensiva ou você pode alcançar e tocar a mente de outras pessoas também?”

    “A segunda opção”, Zorian admitiu. “É por isso que pedi ajuda à Srta. Zileti – eu precisava de um alvo disposto que me deixasse praticar telepatia e leitura mental”

    “Nesse caso, você provavelmente já sabe sobre a barreira mental que estou usando atualmente”, Xvim afirmou.

    “Bem, sim, mas não porque tentei acessar sua mente ou algo assim”, Zorian mentiu. “É só que a forma básica do meu talento é uma forma passiva de empatia que me diz o que outras pessoas estão sentindo, e eu não consigo sentir nada de você. Até onde eu sei, isso só acontece quando elas estão protegendo suas mentes de alguma forma.”

    “Tenho certeza de que essa é a única razão pela qual você sabe disso, e que você nunca sequer cogitou se vingar do seu mentor insuportável dando uma espiada rápida na mente dele”, Xvim disse complacentemente. “Por acaso, porém, eu quero que você tente invadir minha mente. Por favor, faça o seu melhor para passar pela minha barreira mental e me diga como ela se compara à sua.”

    Ah, isso era absolutamente perfeito. Uma chance de atacar Xvim e sair impune? Como ele poderia recusar? Ainda assim, por mais irritante que seu mentor fosse, ele realmente não queria hospitalizar o homem, então ele não lançou imediatamente o espinho mental mais forte que conseguiu formar contra suas defesas despreparadas. Não, em vez disso, ele primeiro executou alguns ataques leves de sondagem para ver se conseguia encontrar alguma imperfeição óbvia (não conseguiu) e então lançou uma rápida sucessão de ataques fracos para avaliar a força do escudo de Xvim.

    Era algo muito sólido, comparável em força ao que Zorian e as araneas podiam criar, o que o surpreendeu muito. Por outro lado, isso significava que ele realmente não precisava se conter. Ele energizou seu mais forte e focado espinho mental e o lançou diretamente na barreira mental.

    Embora externamente calmo e composto, internamente Zorian sorria com uma euforia selvagem ao sentir o escudo mental de Xvim rachar e desmoronar sob seu ataque repentino…

    …e então o momento passou, e a barreira mental de Xvim imediatamente voltou ao lugar, tão perfeita e inabalável quanto era no início.

    Os olhos de Zorian se arregalaram involuntariamente em choque. N-Não, de jeito nenhum… ele consertou!? Como? Ele não era um psíquico, ele tinha certeza disso, e nenhum feitiço que ele conhecia poderia se consertar. Certamente não tão rápido. Zorian não poderia consertar seu escudo mental tão rápido assim. Inferno, as araneas com quem ele praticava não poderia fazer suas defesas voltarem a um estado intacto com tanta rapidez.

    Ele lançou mais três ataques poderosos em rápida sucessão e obteve exatamente o mesmo resultado: os ataques causaram danos à barreira mental de Xvim, mas ela se reparava tão rápido e de maneira tão completa que um atacante menos experiente poderia ter sido enganado a pensar que ela nunca havia sido danificada.

    Ele estreitou os olhos. Não. Não, ele não seria derrotado nisso. Força bruta não estava funcionando, mas ele não tinha sido treinado pelas araneas à toa — ele tinha muito mais do que isso à sua disposição. Ele começou a executar padrões básicos de ataque ensinados a ele por Mente Em Chamas, tratando Xvim como um companheiro psíquico em vez de um mago usando uma magia estruturada, e lentamente os limites das defesas de Xvim se revelaram a ele. Por um lado, Xvim não parecia sentir seus ataques de sondagem — qualquer coisa que não fosse forte o suficiente para quebrar sua barreira mental era efetivamente indetectável para ele. Em segundo lugar, sua barreira era completamente uniforme — ele nunca reforçava um ponto que estava atacando, mesmo que ele repetidamente mirasse no mesmo lugar de novo e de novo.

    Quando ele atacou novamente, ele não usou um espinho mental poderoso, mas momentâneo — ele pegou uma parte do escudo mental de Xvim e começou a esmagá-la. Ele não desistiu, e lentamente ela começou a rachar sob sua pressão mental. Nenhum reparo era possível — seu ataque estava sobrecarregando a regeneração do escudo, ampliando as rachaduras e levando-o cada vez mais perto do colapso total. Ele desviou alguns ramos de poder do ataque principal para as brechas que se abriam nas defesas de Xvim, fazendo o homem recuar visivelmente quando forças telepáticas queimaram seus pensamentos superficiais…

    “Pare!” Xvim ordenou, levantando a mão no ar em um gesto hesitante.

    Zorian imediatamente se retirou, deixando Xvim recriar suas defesas mentais e recuperar a compostura.

    “Bem”, disse seu mentor, massageando seus seios nasais. “Uma dor de cabeça à tarde, exatamente o que eu precisava hoje. Suponho que isso me ensinará a não provocar meus alunos. Apesar de tudo, foi uma experiência fascinante. Menos magia mental clássica e mais semelhante a algo que um musgo de memória, um caranguejo eremita marinho azure ou um enxame de ratos cefálicos empregariam.”

    “Não era um feitiço que você estava usando para proteger sua mente, era?” Zorian perguntou.

    “Não, não era”, confirmou Xvim. “Era magia não estruturada, muito parecida com suas próprias habilidades.”

    “Mas como?” Zorian perguntou. “Eu posso dizer que você não é… bem, um mago mental natural como eu.”

    “Exercícios de modelagem para magia mental”, Xvim disse simplesmente, como se isso explicasse alguma coisa.

    “Existem exercícios de modelagem para magia mental?” perguntou Zorian, surpreso.

    “Existem exercícios de modelagem para cada campo da magia”, disse Xvim. “Eles são essenciais para construir uma base adequada em torno da qual você pode basear seus feitiços.”

    Certo, pergunta idiota. O que ele deveria estar perguntando era como fazer exercícios de modelagem permitia que Xvim fizesse uma impressão razoável de um psíquico completo. Ele era meio que um pônei de um truque só, mas para ser justo, era um truque muito bom.1

    “Eu não sabia que fazer exercícios de modelagem poderia lhe dar habilidades mágicas não estruturadas”, observou Zorian.

    “Sério?” Xvim perguntou a ele curiosamente. “O que você achava que exercícios de modelagem eram, se não habilidades mágicas não estruturadas? Faça o suficiente de magias relacionadas ao longo dos anos, e elas certamente se desenvolverão em algo maior do que a soma de suas partes.2 No caso da magia mental, a capacidade de se defender contra ela é tão universalmente cobiçada que inúmeros regimes de treinamento para obter defesas mentais foram elaborados ao longo dos séculos. O que eu demonstrei não é uma habilidade comum, de forma alguma, mas também não é particularmente rara.”

    Zorian franziu a testa. Pensando bem, um bom número de pessoas que ele conheceu no passado tinha alguma forma de defesa mental que não parecia realmente um feitiço estruturado. Alanic, por exemplo, assim como Rea. Zach também tinha algum tipo de escudo mental, de acordo com Lâmina da Resolução — um que ela não se sentia confortável em manipular. Ele realmente deveria ter suspeitado de algo assim antes.

    “Você também pode usar telepatia e leitura de mentes de forma não estruturada?”, ele perguntou a Xvim, seguindo um palpite.

    “Eu, pessoalmente? Não. Nunca tive interesse em nada além de me defender”, disse Xvim. “Mas se você está perguntando se é possível, a resposta é sim… com ressalvas. Requer grande dedicação para resultados rudimentares — um aspirante nunca seria capaz de duplicar o ataque que você fez casualmente, por exemplo, mesmo depois de uma vida inteira aprimorando suas habilidades.”

    Ele sabia — era como a visão da alma. Obter uma versão reduzida da habilidade que afeta apenas você era possível com muito esforço, mas sair disso e aplicá-la a outra pessoa era quase impossível.

    “Então?” Xvim disse impacientemente, interrompendo sua contemplação. “A comparação?”

    “Err, certo. Seu escudo parece lhe dar muito menos feedback do que o meu, é muito uniforme em composição e sua resposta ao ataque é muito previsível e explorável para alguém que sabe o que está fazendo”, disse Zorian, saboreando a chance de fazer Xvim receber críticas para variar. Xvim simplesmente assentiu, sem dar nenhuma indicação de que seu orgulho estava ferido pela enxurrada de críticas. “Por outro lado, seu escudo tem muito menos imperfeições e você pode consertá-lo muito mais rápido do que eu.”

    “Muito bem”, disse Xvim, recostando-se na cadeira. “Acho que sabemos o que você vai praticar hoje, não é?”

    “Tudo bem”, disse Zorian. Ele estava bem com a ideia, realmente. Melhorar suas defesas mentais sempre foi bem-vindo em sua mente. “Mas como isso vai funcionar? Não acho que nenhuma magia mental clássica possa fazer muito contra mim, exceto ataques surpresa como aquela armadilha que você colocou na porta.”

    “Surpresas vêm em muitas formas, senhor Kazinski”, Xvim disse, alcançando suas gavetas e pegando uma varinha mágica, que ele prontamente apontou para o rosto de Zorian. “Permita-me demonstrar.”

    Zorian rapidamente fortaleceu seu escudo mental, determinado a resistir ao ataque mental que Xvim estava lançando contra ele, mas o que o atingiu não foi um feitiço de magia mental. Foi algum tipo de onda dissipadora, e seu escudo mental evaporou ao contato com ela como uma gota de chuva atingindo um forno em chamas.

    Então, o feitiço de nocaute o atingiu.

    Ele resistiu. Ele pode ter sido despojado de seu escudo mental e pego de surpresa, mas ele ainda era um mago experiente e passou pelo ‘treinamento de resistência’ de Kyron também — o feitiço relativamente fraco que Xvim usou não conseguiu subjugá-lo. Mas o ponto foi feito, de qualquer forma.

    “Um mago mental adequado”, disse Xvim, “teria reconstruído seu escudo antes mesmo que o segundo feitiço tivesse sido conjurado.”

    Zorian suspirou. Claro que teriam.

    “De novo?”, ele adivinhou.

    “De novo”, confirmou Xvim.

    Em uma cena que Zorian rapidamente começaria a odiar com cada fibra de seu ser, Xvim mais uma vez apontou a varinha mágica para seu rosto e explodiu seu escudo mental em um instante.

    * * *

    1. Do original, ‘one-trick pony’ é uma expressão em inglês que significa que alguém é muito bom em apenas uma coisa []
    2. Inspirada na frase de Aristóteles, “O todo é maior do que a soma das partes”. No contexto, significa que o conjunto de toda a aprendizagem de modelagem converge em algo singular/mais importante do que a simples soma de cada exercício.[]

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