Capítulo 3 – A Amarga Verdade (3/3)

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“Apenas um monte de rumores desagradáveis, professora,” Zorian disse suavemente. “Eu nunca sonharia em boicotar a dança de propósito. Se eu não puder comparecer-“

“Zorian,” Ilsa o cortou.

“Professora, por que é tão importante eu aparecer lá, afinal?” perguntou Zorian, um pouco de mau humor se infiltrando em sua voz. Ele sabia que era uma má ideia explodir com uma professora, mas caramba, essa coisa toda o estava irritando! “Eu tenho uma condição médica, sabe? Multidões me dão dor de cabeça.”

Ela bufou. “Elas me dão dor de cabeça também, se isso faz você se sentir melhor. Eu posso te dar uma poção para isso. O fato é que sou uma dos organizadores do baile e, se faltarem muitos alunos, acabarei com uma marca negra na ficha. Em especial se alguém tão proeminente quanto você não aparecer.”

“Eu? Proeminente!? Sou apenas um aluno mediano!” Zorian protestou.

“Não tão mediano quanto você pensa,” disse Ilsa. “Apenas chegar até aqui requer inteligência e dedicação extraordinárias — especialmente para um estudante civil como você, que não foi exposto à magia durante toda a sua vida. As pessoas ficam de olho em pessoas como você. Além disso, você é o irmão mais novo de Daimen e nós dois sabemos como ele é famoso.”

Os lábios de Zorian se esticaram em uma linha fina. Ele tinha certeza de que o último motivo era o que importava no final, e todos os outros argumentos eram apenas desculpas e tentativas de bajulá-lo. Mesmo com seu irmão em um continente totalmente diferente, Zorian ainda não conseguia escapar de sua sombra.

“Você não gosta de ser comparado a ele,” ela adivinhou.

“Não,” Zorian admitiu em um tom cortante.

“Por quê?” ela perguntou curiosa.

Zorian considerou contornar a questão — sua família era um assunto delicado para ele — mas, de maneira incomum, decidiu optar pela honestidade. Sabia que não adiantaria muito, mas sentiu vontade de desabafar no momento.

“Tudo o que faço é sempre comparado a Daimen e, em menor grau, a Fortov. Tem sido assim desde que eu era criança, antes de Daimen se tornar famoso. Meus pais nunca tiveram vergonha de escolher favoritos e, como sempre se interessaram mais por conquistas sociais, sempre fui considerado deficiente. Minha família não gosta de um rato de biblioteca retraído e deixou isso bem claro ao longo dos anos. Há pouco tempo, eles me ignoravam completamente, me tratando mais como se eu fosse a babá da minha irmã do que como filho deles.”

“Mas há pouco tempo algo aconteceu que fez com que eles reparassem em você?” Ilsa supôs.

“Fortov aconteceu,” Zorian rosnou. “Ele foi reprovado em vários exames, teve que ser socorrido por conexões do pai. Ele se mostrou geralmente pouco confiável, o que é um problema, porque ele deveria ser o herdeiro sobressalente dos negócios da família, caso Daimen morresse em uma de suas escapadas. Então agora eu sou de repente tirado do armário metafórico para que eles possam me preparar para o papel.”

“Mas você não quer ser o sobressalente?” ela adivinhou.

“Não quero me envolver na política da família Kazinski, ponto final. Eu não faço parte dessa família de qualquer maneira. Nunca fiz. Na melhor das hipóteses, eu sempre fui apenas um associado vagamente alinhado. Agradeço por eles me alimentarem e financiarem minha educação, e estou disposto a reembolsá-los por isso quando conseguir um emprego, mas eles não têm o direito de pedir algo assim de mim. Eu não vou ouvir isso. Eu tenho minha própria vida e meus próprios planos, nenhum dos quais envolve tocar o segundo violino para meu irmão mais velho e perder tempo em eventos sociais insípidos onde as pessoas bajulam umas às outras sem parar.”

Ele resolveu parar por aí, porque só estava se irritando ainda mais. Além disso, suspeitava que Ilsa não simpatizava muito com ele. A maioria das pessoas pensava que ele estava apenas sendo dramático demais sobre sua família. Não eram eles que tinham que viver com eles.

Quando percebeu que ele não ia dizer mais nada, Ilsa recostou-se e respirou fundo. “Tenho empatia por você, Zorian, mas temo que tais comparações sejam inevitáveis. Se vale de alguma coisa, acho que você está se preparando para ser um ótimo mago. Nem todo mundo pode ser um prodígio como Daimen.”

“Certo,” disse Zorian, recusando-se a olhar para ela.

Ela suspirou, passando a mão pelo cabelo. “Você me faz sentir como a vilã aqui. Questões familiares à parte, por que você está tão incomodado com isso? É uma festa. Eu achava que todos os adolescentes gostavam de festas. Você está preocupado em encontrar um par? Basta perguntar a algumas calouras e elas vão aproveitar a chance — elas não podem comparecer a menos que sejam convidadas por um veterano, sabe?”

Zorian soltou um suspiro próprio. Ele não estava procurando uma maneira de encontrar um par – sem dúvidas que apenas deixar seu sobrenome renderia alguns risos impressionáveis do primeiro ano para a noite — ele estava procurando uma saída. Algo que Ilsa não estava disposta a fornecer, ao que parecia.

“Eu não estou indo com um par,” Zorian disse a ela, levantando-se de seu assento. “Talvez eu tenha que ir ao baile, mas tenho certeza de que trazer acompanhante não é obrigatório. Tenha um bom dia.”

Ele ficou surpreso que Ilsa não tentou contradizê-lo quando ele saiu. Talvez toda essa coisa de dança não seja tão trabalhosa.

* * *

Zorian se arrastou pelos corredores de seu prédio residencial cansado, sem nenhuma pressa real para chegar ao seu quarto. Os professores se abstiveram de dar a eles qualquer dever de casa substancial durante o fim de semana, sabendo que todos estariam muito preocupados com o festival de verão para fazer qualquer trabalho.

Normalmente todo aquele tempo livre seria uma dádiva dos deuses para Zorian, mas só de pensar no que teria que suportar amanhã era o suficiente para fazê-lo perder a vontade de fazer qualquer coisa divertida ou produtiva, então ele pretendia ir dormir no momento em que chegasse em seu quarto.

Ao entrar em seu prédio residencial notou que alguém já estava em clima de comemoração, pois as paredes do corredor por onde passava estavam repletas de manchas coloridas em amarelo, verde e vermelho vivos.

“Zorian! Exatamente o homem que eu estava procurando!”

Zorian estremeceu em choque com a voz alta atrás dele e girou para enfrentar o homem que invadiu seu espaço pessoal. Ele fez uma careta para o idiota sorridente na frente dele.

“Por que você está aqui, Fortov?” ele perguntou.

“O quê, não posso visitar meu irmãozinho?” ele protestou. “Você é bom demais para andar com o irmão mais velho?”

“Pare com essa merda, Fortov. Você nunca vem até mim quando só quer andar com alguém. Com o que você precisa de ajuda, agora?”

“Isso não é totalmente verdade,” ele bufou. “Você é meu irmão favorito, sabia?”

Zorian o encarou impassível por alguns segundos. “Daimen não está aqui, então você vai se contentar comigo, hein?”

“Daimen é um idiota,” Fortov estalou. “Desde que ficou famoso, ele está sempre muito ocupado para ajudar o irmão mais novo. Eu juro, aquele cara só pensa em si mesmo.”

“A hipocrisia é grossa com este,” Zorian murmurou.

“Desculpe, não entendi,” disse Fortov.

“Nada, nada,” Zorian acenou com desdém. “Então, em que tipo de problema você está agora?”

“Hum, eu poderia ter prometido a uma amiga que faria uma poção anti-assadura para ela,” Fortov disse timidamente.

“Não existe uma poção anti-assadura,” bufou Zorian. “Existe, no entanto, uma pomada anti-assadura, que é aplicada diretamente na pele afetada em vez de ser embebida como uma poção. Isso só mostra o quão idiota você é quando se trata de alquimia. O que diabos você estava pensando, prometendo algo assim a sua amiga?”

“Eu meio que a empurrei para um caminho de trepadeira roxa durante nossa aula de sobrevivência na selva”, admitiu Fortov. “Por favor, você tem que me ajudar! Eu vou encontrar uma namorada para você se você fizer isso!”

“Eu não quero uma namorada!” estalou Zorian irritado. Muito menos o tipo de namorada que Fortov arranjaria para ele. “Olha, por que você está me incomodando com isso? Basta ir ao boticário e comprar alguns.”

“É noite de sexta-feira. Todas as lojas estão fechadas em preparação para a celebração de amanhã.”

“Bem, isso é uma pena, porque não posso ajudá-lo”, disse Zorian. “Os primeiros dois anos são de teoria e segurança de laboratório, e estou apenas começando meu terceiro ano. Nós não fizemos nenhuma alquimia séria na aula até agora.”

Tão verdadeiro e ainda uma mentira tão descarada. Ele não tinha feito muita alquimia nas aulas, mas tinha feito bastante estudo particular em seu tempo livre. Poderia fazer um antídoto para a assadura da trepadeira roxa facilmente, mas por que deveria gastar seus caros ingredientes alquímicos?

“Oh cara, vamos lá. Você fala três idiomas diferentes e conhece todos os exercícios bobos de modelagem que eles nos fazem aprender, mas não consegue nem fazer algo tão básico? O que diabos você está fazendo no seu quarto o dia todo senão aprendendo a fazer coisas assim?”

“Você é quem fala!” Zorian estalou. “Você é um ano mais velho que eu, deveria ser totalmente capaz de fazer isso sozinho.”

“Eh, você sabe que eu nunca me importei com alquimia. Muito complicado e chato para mim,” Fortov disse com um aceno de desdém. “Além disso, não consigo nem fazer sopa de legumes sem estragar os utensílios de cozinha da mãe, você realmente me quer perto de equipamentos alquímicos?”

Bem, quando ele colocou dessa forma…

“Estou cansado,” disse Zorian. “Farei amanhã.”

“Você está louco!? Amanhã é tarde demais!”

“Oh, vamos, não é como se ela fosse morrer de uma maldita assadura!” disse Zorian irritado.

“Por favor, Zorian, eu sei que você não se importa com esse tipo de coisa, mas ela está apaixonada por esse garoto e-“

Zorian gemeu e o desconectou. Isso é praticamente tudo o que ele precisava saber sobre essa emergência.

“-e se a assadura da minha amiga não for curada até então ela não poderá ir e nunca vai me perdoar! Por favor, por favor, por favor-“

“Pare com isso.”

“-por favor, por favor, por favor, por favor-“

“Eu disse para parar com isso! Eu vou fazer isso, ok? Eu farei a maldita pomada, mas você me deve muito por isso, ouviu?”

“Sim!” ele disse alegremente. “Quanto tempo você precisa?”

“Me encontre na fonte em cerca de três horas,” Zorian suspirou.

Zorian o observou enquanto ele fugia, talvez para que ele não mudasse de ideia ou fizesse algumas exigências concretas. Ele balançou a cabeça e voltou para seu quarto para recuperar os reagentes alquímicos necessários.

A academia tinha uma oficina alquímica que os alunos podiam usar para seus próprios projetos, mas você tinha que trazer seus próprios ingredientes. Felizmente, ele tinha tudo de que precisava para essa tarefa específica.

A oficina estava totalmente vazia exceto por ele, mas isso não era muito incomum. A maioria das pessoas estava se preparando para o baile amanhã e era improvável que fizessem alguma prática de alquimia de última hora. Imperturbável pelo silêncio sinistro da oficina, Zorian espalhou os reagentes pela mesa e começou a trabalhar.

De forma irônica, o ingrediente principal da pomada anti-assadura era a própria planta que era a causa dessa bagunça — a trepadeira roxa, ou mais precisamente suas folhas. Zorian já as havia deixado secar ao sol, e agora só precisavam ser moídas em pó.

Geralmente, essa era a parte mais irritante do procedimento, pois as folhas da trepadeira roxa liberavam uma nuvem de poeira irritante no ar se fossem apenas esmagadas com um almofariz e pilão padrão.

Os livros didáticos que ele lia tinham várias maneiras sofisticadas de lidar com isso, na maioria das vezes envolvendo equipamentos caros, mas Zorian tinha uma solução muito mais simples: embrulhava as folhas em um pedaço de pano um pouco úmido e depois embrulhava tudo em um pedaço de couro, e então martelou o caroço resultante até que não sentisse resistência. A poeira irritante grudaria no pano e os pedaços de folhas não.

Depois de misturar o pó das folhas com 10 gotas de mel e uma colher de suco de baga de oblia ¹, levou tudo ao fogo baixo, mexendo o conteúdo até obter cor e consistência uniformes. Então tirou a tigela do fogo e sentou-se enquanto esperava que a coisa esfriasse.

“Esse foi um trabalho muito impressionante,” uma voz bastante feminina soou atrás dele. “Boa improvisação com as folhas da trepadeira. Vou ter que me lembrar desse truque.”

Zorian reconheceu o dono da voz, porém, Kael não era realmente mulher, apesar de alguns rumores desagradáveis. Ele se virou para encarar o menino morlock ², estudando seu cabelo branco como osso e intensos olhos azuis por um momento antes de voltar sua atenção para a limpeza do equipamento alquímico que havia usado. Não há razão para ser impedido de usar a oficina porque não conseguiu limpar depois de usar.

Ele lutou para formular uma resposta enquanto Kael inspecionava a pomada com um olho experiente. O menino era bastante misterioso, tendo se juntado ao grupo apenas este ano por transferência de deuses sabem onde, e não sendo muito falador.

Além disso, todos sabiam que ele era um morlock. Há quanto tempo o menino o observava? Infelizmente, ele tinha a tendência de perder a noção do que estava ao seu redor quando trabalhava em algo, então não sabia dizer.

“Não é nada especial,” Zorian finalmente disse. “Agora seu trabalho… isso é impressionante. Tenho a impressão de que você está em um nível totalmente diferente do resto de nós quando se trata de alquimia. Mesmo Zach não consegue vencer você na maioria das vezes, e ele parece estar fazendo tudo nos últimos dias.”

O garoto de cabelos brancos sorriu um pouco. “Zach não tem paixão pelo assunto. A alquimia requer o toque de um artesão e muita paciência, e não importa o quão extenso seja seu conhecimento, Zach simplesmente não tem mentalidade para isso. Você tem. Se você tivesse tanta prática com alquimia quanto Zach parece ter, você o superaria com certeza.”

“Ah, então você acha que ele tem experiência anterior também?” Zorian perguntou.

“Eu não o conheço tão bem quanto você e o resto de seus colegas, tendo ingressado há pouco tempo em seu grupo. Ainda assim, ninguém fica tão proficiente nesse campo quanto Zach parece que é em questão de meses. Ele trabalha com a facilidade praticada de alguém que faz alquimia há anos.”

“Como você,” tentou Zorian.

“Como eu,” Kael confirmou. “Eu odeio ser rude, mas você terminou aqui? Eu gostaria de fazer algo eu mesmo hoje.”

Zorian pediu desculpas ao menino pela demora, que o morlock considerou algo de pouca importância, e se despediu dele.

Enquanto se afastava, ocorreu a Zorian que talvez devesse ter feito algum tipo de poção para dormir enquanto estava nisso — ele tinha que descansar bastante esta noite, porque certamente não conseguiria amanhã.

esquecimento em latim⤶
uma raça deste mundo⤶

Capítulo 3 – A Amarga Verdade (3/3)

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