Capítulo 100: Brincadeira do destino?
08 de abril de 2024, segunda-feira.
O silêncio do quarto era interrompido apenas pelo farfalhar das roupas de cama, com Aki se remexendo com uma expressão pesada.
No sonho, ela estava de volta ao Japão. O céu estava cinzento e o vento frio soprava sobre a calçada em frente ao aeroporto. Victor estava diante dela, sorrindo de um jeito triste.
— Obrigado… por tudo que fez por mim. — disse ele, com a voz carregada de melancolia, se despedindo.
— Victor…? — Aki tentou sorrir, mas seu peito pesava, sua voz falhava.
— Eu preciso voltar para o Brasil… — continuou. — E… não posso te levar comigo.
As palavras atingiram Aki como uma lâmina invisível. Antes que ela pudesse dizer algo, Victor se virou, puxando a mala. Ele passou pelas portas de vidro do aeroporto e começou a se afastar.
— Victor! — ela chamou, a voz embargada. — Não vá!
Ele não olhou para trás. Apenas continuou andando, a cada passo parecendo aumentar a distância entre eles, como se o mundo estivesse se esticando.
Aki tentou correr, mas suas pernas pareciam presas, pesadas, e quanto mais se esforçava, mais ele desaparecia entre as pessoas. Um nó apertou sua garganta, e lágrimas começaram a turvar sua visão.
— Victor! — gritou, pela última vez.
Ela acordou com um sobressalto, sentindo o coração disparado. Respirou rápido, ainda com as lágrimas nos olhos, e olhou ao redor. O quarto estava silencioso e vazio.
— Victor?! — chamou, a voz trêmula.
O desespero cresceu quando não obteve resposta imediata.
— Victor! — agora o tom era de choro contido.
Seus olhos se fixaram na porta, como se tentasse ver alguma pista. Sua mente ainda estava ligeiramente bagunçada com o arrebatamento onírico. Tentava entender o que estava acontecendo. Distinguir a realidade do sonho.
De repente, a porta do banheiro se abriu e Victor apareceu, surpreso. Ele estava apenas de short, sem camisa, segurando uma toalha nas mãos.
Seu corpo estava levemente úmido, provavelmente do banho, com gotículas visíveis em algumas partes e Aki reparou, quando seus olhos encontraram Victor, que ele era mais definido do que imaginava. Era a primeira vez que estava vendo-o sem camisa. E… havia uma tatuagem no lado esquerdo do peito.
Ela piscou, surpresa. Não sabia que ele tinha aquilo. Rapidamente desviou o rosto, deitando-se de lado e escondendo a expressão.
O silêncio estava predominando, até que Victor, percebendo a situação, olhou para si mesmo e riu de leve.
— Ah… desculpa. Eu estava no banho. Me assustei com o seu grito…
Ele pegou uma camiseta sobre a poltrona e vestiu rapidamente, após terminar de se secar, aproximando-se da cama. Sentou-se ao lado dela, com expressão preocupada.
— Você está melhor? — perguntou, com um tom suave.
— Um pouco… mas ainda me sinto enjoada… e meus ombros estão ardendo. — A voz dela saiu baixa, quase tropeçando umas nas outras.
Victor assentiu.
— Eu comprei um remédio para enjoo e uma pomada pós-sol para aliviar a queimadura. — disse, mostrando a sacola que havia trazido mais cedo, apontando para a mesinha.
Aki estendeu a mão e segurou o braço dele, com um olhar emocionado.
— Eu… estou muito feliz por você cuidar de mim com tanto carinho…
Ele sorriu, tocando de leve a mão dela.
— Mas não foi isso que eu te prometi? — disse, num tom calmo e acolhedor.
Aki sentiu seu rosto arder, ela desviou o olhar ligeiramente, enrolando uma mecha de cabelo com o dedo, enquanto ele ia até os remédios.
Victor preparou um copo de soro, além de um remédio para enjôo e entregou o copo com água também.
— Toma. Vai te ajudar.
Ela engoliu o comprimido e agora com o olhar voltado para ele.
— Agora, precisa beber bastante água para não desidratar. E o soro também ajuda. Pode ser isso. — completou, enchendo mais um copo e colocando ao alcance dela.
Depois, pegou a pomada da sacola.
— Posso passar nos seus ombros? Vai aliviar bastante.
Aki hesitou, seu rosto ainda corado, mas assentiu.
— Pode…
Ela se virou de costas, afastando os cabelos para o lado. Victor se aproximou e disse:
— Vou passar sem mexer na alça, não precisa se preocupar.
O toque frio da pomada misturado ao calor das mãos dele fez Aki estremecer levemente. Ele espalhou o creme com movimentos cuidadosos, sem pressa, até cobrir toda a área exposta.
Os pensamentos dela estavam ainda alterados, agitados. Ela queria que ele espalhasse por uma área maior a pomada, pois sentia um ardor na região lombar também.
Então, ela respirou fundo e falou, quase num sussurro:
— Victor… não tem problema… pode passar onde está ardendo… inclusive… por baixo da alça… e nas minhas costas…
— Tem certeza? — Ele perguntou, surpreso, após parar ao escutar.
Ela mordeu o lábio, envergonhada.
— Sim… eu confio em você. Sei que não vai fazer nada além de me ajudar. — Respondeu, agora, ajeitando seu corpo de barriga para baixo.
Ele assentiu com seriedade e puxou levemente a alça para o lado, apenas o suficiente para alcançar a área avermelhada. Seu toque continuava leve e respeitoso, mas a proximidade fez o coração de Aki acelerar.
Quando terminou, colocou a alça de volta no lugar.
— Me dê licença, vou passar nas suas costas. — Disse, dobrando cuidadosamente a camiseta branca que ela usava para expor sua pele.
Ela enfiou o rosto no travesseiro, sentindo vergonha. Victor riu, discretamente, após perceber a ação dela.
— Agora é descansar um pouco. O remédio vai fazer efeito logo. — Disse, com um sorriso tranquilo.
— Obrigada… — A voz abafada por causa do travesseiro.
Victor se levantou e ainda organizava as coisas sobre a mesa de cabeceira, Aki não conseguia afastar da mente a imagem que tinha visto mais cedo: o corpo dele, a tatuagem.
Seu coração batia de forma estranha, não apenas por timidez, mas por curiosidade. Ela queria saber o que era, aquilo estava lhe atormentando.
Victor percebeu que ela estava quieta, olhando para o nada.
— Você está sentindo mais alguma coisa? — perguntou, puxando uma cadeira para perto da cama.
Aki hesitou por um momento, mas resolveu perguntar:
— Victor… aquela tatuagem que vi…
Ele desviou o olhar, coçando a nuca com certo embaraço.
— Aquilo? Já faz muito tempo que fiz… foi quando entrei na faculdade.
“Isso vai parecer estranho?!” — Ele se perguntou nesse momento.
— E… o que é exatamente? — Ela insistiu, inclinando levemente a cabeça.
— É… complicado explicar… — O brasileiro deu um meio sorriso, desviando o olhar.
— Eu queria ver direito. — Disse, com um tom suave, mas determinado.
Victor a encarou, avaliando a expressão dela. Vendo a sua determinação, resolveu se entregar, então suspirou.
— Desculpa… vou ter que tirar a camisa. — Disse, sem esperar uma resposta.
Segurando a barra da peça, Victor a ergueu lentamente, revelando seu tronco. Não era como um fisiculturista, mas tinha um contorno definido. Aki não pôde evitar que seus olhos percorressem cada detalhe, como as linhas marcadas do abdômen, a postura natural e confiante.
Ela até já havia imaginado isso, pela firmeza e sensação que tinha quando recostava em seu peito, para dormir ou num abraço. Era tão acolhedor e protetor…
Mas, mais do que isso, ela queria saber sobre outra coisa. Focou na tatuagem, nesse momento, totalmente visível.
Do lado esquerdo do peito dele, havia três folhas de outono, pintadas com tons de vermelho, laranja e dourado. O detalhe que a fez prender a respiração foi perceber que, de alguma forma, as nervuras das folhas e o traço do contorno formavam, sutilmente, o kanji 秋 — “Aki”, em japonês, que significava, literalmente, outono.
Ela levou a mão até a tatuagem, tocando-a com delicadeza e curiosidade. Sentiu uma emoção transbordando no peito. Aquilo seria apenas coincidência?
— Quando… quando você fez isso exatamente? — Perguntou, com alguma hesitação.
Victor a observou, antes de responder:
— Faz uns oito, nove anos… — respondeu, com sinceridade. — Sempre gostei do outono, como já te disse antes… é a estação da colheita. Para mim, significa ser recompensado pelo trabalho e esforço de todo um ano.
Aki sentiu o peito apertar, mas não de forma ruim. Ela não sabia explicar aquela sensação. Como podia ser coincidência? Como podia o destino brincar desse jeito? Aquilo claramente era uma brincadeira do destino.
Sem pensar duas vezes, ela se jogou nos braços dele e o beijou com intensidade, sentindo as mãos dele a envolverem com firmeza e carinho pela cintura.
Quando ele se afastou, encostou a testa na dela e sorriu.
— Mesmo que eu queira muito continuar… agora não é o momento. Você precisa descansar. Não faria bem para você se forçar hoje.
Ela mordeu o lábio, mas sorriu de volta.
— Obrigada… por tudo. Eu te amo.
— Eu também te amo. — Respondeu, simples, mas com uma sinceridade arrebatadora, fazendo Aki sentir seu coração vibrar intensamente.
Ele se levantou e vestiu a camiseta.
— Você quer comer alguma coisa?
— Eu ainda estou com um pouco de mal-estar. — declarou. — Acho que só preciso dormir um pouco mais.
— Tudo bem. Eu vou até à recepção e já volto, ok?
— Certo.
Victor abriu a porta e passou, fechando-a em seguida. Aki permaneceu sentada na cama, acompanhando-o com o olhar. Seu coração estava transbordando de emoção.
Pensou em como o destino era curioso… Victor sempre amou o outono, e, de repente, ela, sendo “Aki”, entrou na vida dele. E como tudo aconteceu…
O sonho que tivera mais cedo, com ele indo embora, parecia tão distante agora… mas também assustador. Sacudiu a cabeça, decidindo não deixar que aquilo atrapalhasse seus sentimentos.
A partir daquele momento, queria acreditar que o destino estava ao lado deles, para que ficassem juntos para sempre. “O destino nos apoia, não é?!” — Repetia internamente, convencendo a si de que era isso.
Com esses pensamentos, ela acabou relaxando o corpo, pouco a pouco, até que, finalmente, dormiu novamente.

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