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    09 de abril de 2024, terça-feira.

    Victor voltou o olhar para Aki, que ainda dormia profundamente, o rosto sereno, respirando num ritmo tranquilo. Pensou em tudo o que ela havia passado nos últimos dias: a correria para fechar as pendências no trabalho antes da viagem, o estresse natural de viajar para outro país, o corpo tentando se ajustar ao fuso horário… e, para completar, o mal-estar do dia anterior por causa do sol. Era óbvio que o corpo dela estava cobrando todo esse esforço.

    “Ela precisa descansar mais um pouco”. Decidiu.

    Sem fazer barulho, se levantou da cama e foi até a mesa. Ligou o notebook e o celular, abrindo alguns documentos e planilhas da “Brilho Feliz”. Precisava estar bem informado antes da visita, e esse parecia o momento perfeito para revisar tudo.

    O tempo passou sem que ele percebesse, imerso nos relatórios e mensagens. Quando notou um movimento no canto do olho, viu Aki se espreguiçando, sentando-se lentamente na cama. O cabelo estava levemente bagunçado, mas isso só a deixava mais adorável aos olhos dele.

    — Bom dia. — disse ele,  dirigindo o olhar para ela.

    — Bom dia… — respondeu ela, com a voz ainda um pouco sonolenta. 

    — Como se sente? 

    — Me sinto muito bem agora.

    — Ainda bem. — Victor fechou o notebook. — Fico feliz que já esteja melhor.

    Ela olhou curiosa para a tela dele e perguntou:

    — O que você estava fazendo?

    — Revendo alguns dados e documentos da Associação. — Respondeu com naturalidade.

    — Você é realmente exemplar, hein? — Disse, com certo sarcasmo.

    — Eu só gosto de estar preparado. — respondeu, dando um pequeno sorriso. — Quero chegar lá já sabendo de tudo.

    Aki assentiu, sorrindo.

    — Vou tomar um banho e me trocar.

    — Ok. Enquanto isso, vou até a recepção. — disse ele, levantando-se. — Ah, seus pais te ligaram. Eu não atendi, para não assustá-los. Você avisou que estaria no Brasil essa semana?

    Ela estranhou por um segundo, com o início da frase, mas logo seus olhos se arregalaram quando ela se lembrou;

     — Caramba! Eu realmente esqueci de avisá-los por causa da correria. — Ela pegou o celular para mandar uma mensagem e notou, no reflexo, seu cabelo. Então, pegou um travesseiro e tapou o rosto: 

    — Você nem me avisou! Meu cabelo está bagunçado! 

    — Você continua linda… — Victor não se incomodava. — E eu vou te ver assim todas as manhãs, para sempre, certo? — Ele se aproximou dela. 

    Aki abaixou o travesseiro, olhando-o, e Victor continuou: 

    — Acordar assim, sem maquiagem, com o cabelo bagunçado e, às vezes, até sonolenta. É assim que eu quero te ver, todas as manhãs. — Ele deu um sorriso e depositou um beijo na testa dela. — Vou indo e já volto. 

    — Mas eu poderia me trocar no banheiro… — Ela propôs, após alguns momentos processando tudo que aconteceu e ainda sentindo o coração acelerado pelas palavras dele. 

    — Eu sei. — Respondeu com um tom leve, quase brincalhão. — Mas quero te dar mais espaço. 

    E assim, Victor saiu do quarto, deixando-a sozinha. O som da porta se fechando ecoou no ambiente, enquanto Aki reunia suas coisas para começar o dia, sorrindo sozinha por aquele gesto. 

    “Tô parecendo uma garotinha boba.” — Indagou a si, já com a toalha em mãos e um pote de xampu e condicionador. “Só você para me deixar assim, Victor…”

    Aki ainda sentia o coração acelerado, um calor tomando conta do peito. Apesar de já ter ouvido palavras gentis dele algumas vezes, na verdade, ouvia-as, junto com elogios, recorrentemente, quase diariamente. Mas sempre parecia a primeira vez. Cada palavra carregava um peso emocional que ela não sabia explicar, e isso a preenchia com um sentimento puro de felicidade.

    — Fico muito feliz de ouvir isso — disse sozinha, tentando disfarçar o quanto ainda estava feliz, enquanto a água escorria por seu corpo.

    A água morna ajudou a aliviar a tensão, relaxando seus músculos ainda meio enrijecidos Também garantiu que seus cabelos fossem bem lavados, por causa do sal do mar e os hidratou com o condicionador. Saiu do banheiro, envolta numa toalha branca e confortável do hotel. Secou-se e começou a se vestir.

    Primeiro, colocou suas roupas íntimas, depois escolheu uma camisa de mangas três quartos com corte formal, num tom azul profundo, próximo ao eclesiástico. Em seguida, vestiu uma calça branca. O colar com o pingente de estrela cadente repousava exatamente no limite da gola da camisa, chamando atenção com seu brilho discreto. Além disso, estava usando a pulseira que Victor lhe deu e também o anel. Completou com pequenos brincos de pedra branca e um scarpin de salto baixo em tom claro. 

    Já sentada à penteadeira, penteava os longos cabelos com movimentos calmos, quando seu celular vibrou. Era Victor ligando.

    — Pode entrar — Respondeu, com a voz mais alta para ele ouvir pela porta.

    Victor abriu a porta do quarto, usando uma camisa polo preta. A calça jeans skinny, em um tom mais escuro e sapatos sociais de couro preto. No braço esquerdo, duas peças se destacavam discretamente: a fitinha de Haru, sempre presente, e a pulseira de miçangas que Aki havia lhe dado.

    A japonesa, já pronta, sentiu o olhar dele sobre si por um instante antes que qualquer um deles pudesse dizer qualquer coisa. Ela virou-se e eles conversaram brevemente. 

    O serviço de quarto havia chegado com o café da manhã. Victor foi até a porta, agradeceu ao funcionário e colocou a bandeja sobre a mesa. O aroma de café fresco preencheu o ambiente. 

    — Parece ótimo — comentou Aki, aproximando-se.

    — Café é sagrado. — Victor brincou, servindo uma xícara para ela.

    Eles comeram com calma, conversando sobre o que iriam encontrar na associação. Aki estava curiosa para conhecer de perto o lugar que Victor já havia mencionado tantas vezes. Ele, por sua vez, demonstrava um entusiasmo que, ela, não se lembrava de ter visto anteriormente.

    Depois do café, pegaram suas coisas e saíram do hotel. O destino não ficava muito longe dali, e o trajeto foi feito a pé. O sol já iluminava as ruas com intensidade, embora ainda fosse pouco mais de nove horas.

    Quando chegaram, Aki parou por um momento para observar a fachada. A entrada tinha um pequeno jardim à frente, baixo e bem cuidado, com flores de cores variadas. No centro, um caminho pavimentado levava diretamente até a porta principal, ladeado por arbustos podados.

    O prédio em si era bonito. Pequeno, mas sólido, com paredes revestidas de pedras em tons de cinza que lembravam o granito. As portas de vidro deixavam ver parte do interior, mas acima delas, uma placa chamava a atenção: “BRILHO FELIZ”, escrito em letras elegantes e coloridas. A combinação das cores não apenas chamava os olhos, mas também transmitia  a missão do lugar — levar alegria e esperança para quem passasse por ali. Esse era o objetivo.

    Ao entrarem, foram recebidos por um ambiente simples e acolhedor. A recepção contava com cadeiras de metal cromado, com assentos pretos dispostos de forma a criar uma pequena sala de espera organizada. O balcão de vidro, com um tampo de madeira clara, separava o espaço das recepcionistas, que usavam crachás com o logotipo da associação.

    Aki reparou em um detalhe que imediatamente chamou sua atenção: uma das paredes internas, atrás da recepção, era inteiramente decorada com um mosaico colorido que, de longe, lembrava um quebra-cabeça. Ao se aproximar, ela percebeu que era uma representação artística do símbolo do autismo — uma das principais causas apoiadas pela associação.

    Victor também olhava para o ambiente, mas com um ar de familiaridade misturado a orgulho. Havia um bom tempo desde que esteve ali pessoalmente.

    Uma das recepcionistas, uma mulher de cabelos curtos, reconheceu Victor imediatamente e abriu um sorriso caloroso.

    — Victor! Bom dia! Que bom ver você aqui. Bem que me falaram que você viria e eu duvidei.

    — Bom dia, Marina! — Respondeu ele, aproximando-se do balcão. — Essa é Aki, minha… — ele fez uma breve pausa, como se buscasse a palavra certa, mas decidiu simplificar —  Minha namorada. 

    — Prazer, Aki! — Disse Marina, estendendo a mão por cima do balcão. — Seja bem-vinda.

    Aki ergueu a sobrancelha, imaginando que estava sendo apresentada e apenas entendeu seu nome, mas retribuiu o gesto e olhou para Victor, buscando uma ajuda. 

    — Ela não fala português, então não deve ter entendido o que falamos. Bom… — Victor então explicou a situação e apresentou tanto Marina quanto Thaís para Aki. 

    — Que ótimo te ver aqui. Nunca tive a oportunidade de te conhecer pessoalmente. O projeto é realmente incrível e me ajudou quando precisei. Sou muito grata ao senhor. — A garota de cabelos medianos loiro escuro e olhos castanhos disse para Victor.

    Desde sua chegada para trabalhar na associação, há pouco mais de um ano, só o conhecia por fotos e comentários. 

    Após as apresentações, Victor se despede e segue para o interior, depois que as recepcionistas lhe informaram, brevemente, sobre a programação daquele dia.

    Victor guiou Aki até a entrada de um espaço mais amplo, onde várias mesas estavam dispostas com materiais educativos, jogos de tabuleiro e prateleiras com livros infantis e materiais pedagógicos. Algumas crianças estavam acompanhadas por voluntários, envolvidos em atividades lúdicas. O ambiente tinha cheiro de papel novo misturado com o leve aroma de giz de cera, e o som de risadas preenchia o ar.

    Foi quando uma das monitoras percebeu o casal e se dirigiu até eles. Era uma moça de cabelos pretos e curtos e olhos castanhos. Seu nome era Cínthia, coordenadora do setor pedagógico da associação.

    Após cumprimentar Victor e trocar algumas informações, ela voltou às atividades. Ele, com Aki, foi até o segundo andar. 

    Aki se sentiu emocionada com o lugar. Não era sua especialidade, nem pesquisava muito a respeito, mas sabia da importância daquela causa. Ela observou cada detalhe. Em uma das mesas, um menino sorria enquanto encaixava peças coloridas em um tabuleiro, enquanto uma voluntária o incentivava. Em outra, uma menina folheava um livro ilustrado, completamente concentrada.

    — Isso tudo… parece tão incrível… — Disse Aki, virando-se para Victor.

    Ele assentiu:

    — E é… Eu ainda estou tentando entender como eu pude querer deixar isso tudo de lado… 

    Ela o encarou, curiosa e tentando entender. Ele percebeu e lhe explicou:

    — Como você sabe… quando eu cheguei no Japão, eu queria esquecer tudo, lembra? Isso inclui a associação. Eu simplesmente queria, literalmente, esquecer tudo. Deixar tudo. Mas, graças a você, sua curiosidade, seu carinho e seu cuidado, eu consegui me encontrar novamente. E eu sou eternamente grato a você, Aki. — Ele sorriu e aqui sentiu como se seu coração derretesse, com tamanho calor irradiando. 

    Um sorriso alegre se formou nos lábios dela, enquanto caminhavam.

    Pouco depois, um homem de meia-idade, com óculos e expressão afável, se aproximou deles. Vestia uma camisa social clara com as mangas dobradas e um crachá com o nome “Paulo — Coordenador”.

    — Victor! Que bom vê-lo. — Ele o abraçou de forma amigável e depois olhou para Aki. — E esta deve ser a Aki. Seja muito bem-vinda.

    Após as saudações e Victor explicar a situação com a garota, Paulo começou a falar sobre as atividades previstas para aquela semana e os desafios recentes que a associação vinha enfrentando, em inglês, para deixar Aki por dentro do assunto. Victor ouvia atentamente, às vezes fazendo perguntas pontuais, enquanto Aki absorvia tudo.

    Quando a reunião informal terminou, Paulo pediu licença para retomar suas atividades, deixando-os livres para continuar explorando o local. Victor levou Aki para conhecer outras salas: havia um pequeno ateliê de arte, uma sala de música com instrumentos variados e até uma sala para dança, com inúmeros espelhos pela sala. 

    — Cada cantinho aqui tem história… — Disse ele, enquanto caminhavam. — E cada pessoa que passa por aqui deixa um pouco de si. Todos aqui são pilares fundamentais pro projeto funcionar. Eu acho incrível como tudo aqui funciona. 

    Aki sorriu, elogiando-o pela postura. Então, conseguiram passar por todas as salas, com Victor cumprimentando algumas pessoas que passavam pelo local. Naquele prédio, essencialmente falando, era uma parte mais administrativa, embora houvesse as salas para atividades. Porém, a maioria dos projetos eram realizados em outros locais e o plano era visitar todos os locais. 

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