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    09 de abril de 2024, terça-feira.

    A próxima parada foi um pouco diferente das anteriores. Ao saírem da Academia de Artes, Victor explicou que agora conheceriam uma das partes mais movimentadas da “Brilho Feliz”: o restaurante popular.

    — É nesse lugar que muita gente da comunidade vai para se alimentar… — Disse ele enquanto dirigia. — Esse projeto garante refeições a preço simbólico ou gratuitas, dependendo de alguns fatores. Algumas pessoas cadastradas tem um “passe” que garante duas refeições diárias. — Explicou. 

    Aki o escutava com atenção, observando pela janela as ruas que passavam. Victor aproveitou o momento para explicar para ela, brevemente, um pouco da realidade do Brasil, que a japonesa não estava acostumada. 

    Acabou que, no fim, ela sentiu ainda mais orgulho por Victor ser o fundador de um projeto tão incrível como esse, mas não comentou nada nesse momento.

    Não demorou muito até que chegaram e pararam de frente a uma fachada simples, branca. Assim que entraram, foram recebidos pelo som de vozes, o aroma convidativo de comida recém-preparada e um ambiente amplo, iluminado por lâmpadas claras e janelas altas que deixavam entrar a luz do dia.

    O salão principal era organizado em fileiras de mesas compridas de madeira envernizada, com bancos igualmente longos, permitindo que várias pessoas se sentassem juntas. Cada mesa acomodava, em média, sete pessoas por lado. Nas paredes, cartazes coloridos falavam sobre alimentação saudável, higiene e também divulgavam eventos da associação.

    Uma mulher de cabelos lisos, uniforme branco e um crachá no peito se aproximou, sorridente.

    — Victor! — Disse ela, abrindo os braços para um breve abraço. — Demorou um pouco, em… E você, Aki, certo? — Ela falou, em inglês. 

    — Oi! — Aki respondeu, com um sorriso. 

    Victor ficou surpreso, com a facilidade com que Tábata começou a conversar Aki e as duas foram andando na sua frente, quase o ignorando. 

    “A Tabby nunca muda, né?” — Pensou, sabendo do que se tratava. 

    Tábata era uma nutricionista muito séria. E também uma amante da cultura japonesa, além de ser uma amiga de infância. Conhecer uma japonesa deveria ser algo muito legal para ela, Victor deduziu. 

    Enquanto as duas iam na frente, Victor acabou seguindo alguns passos de distância, apenas observando o entrosamento entre elas. Uma das qualidades de Tábata era a sua comunicação e carisma, conseguindo conversar facilmente com qualquer pessoa. 

    Victor até já comentou algumas vezes, no passado, que ela estava na profissão errada. Mas, no fim, a sua persuasão e carisma acabava ajudando muito na manutenção e direção do Restaurante Popular, que não tinha apoio político. 

    Ao entrarem na cozinha, Aki sentiu um calor agradável, misturado ao aroma de temperos. Panelas enormes estavam sobre fogões industriais, e várias pessoas de avental e touca trabalhavam em harmonia: cortando legumes, mexendo caldos, montando marmitex e pratos. 

    — Aqui é onde a mágica acontece… — Tábata falou com Aki.

    — É impressionante esse trabalho em equipe. —  Aki comentou, observando o ritmo organizado.

    Victor, por sua vez, estava radiante. Seus olhos brilhavam enquanto observava a organização impecável. Aproximou-se de uma bancada onde um cozinheiro cortava tomates e conversou com ele, provavelmente, um conhecido já antigo. 

    Continuando, Tábata os levou até o setor de preparo de proteínas, onde pedaços de frango eram temperados com uma mistura de ervas frescas. Depois, mostraram a área de higienização, onde pilhas de pratos e talheres eram lavadas e organizadas em prateleiras.

    — E aqui… — Disse Tábata, abrindo uma porta metálica. — É o nosso armazém.

    O espaço estava repleto de prateleiras organizadas com pacotes de arroz, feijão, farinha, óleo, além de caixas de frutas e legumes frescos. Uma câmara fria mantinha carnes e laticínios. Havia etiquetas com datas de validade e anotações sobre a procedência dos alimentos.

    — Tudo é controlado com muito cuidado. Temos parcerias com agricultores locais, mercados e até alguns restaurantes que doam excedentes de produção. A logística é um desafio, mas conseguimos manter a qualidade.

    Aki examinava cada detalhe, visivelmente impressionada.

    — Faz um bom tempo que não venho aqui… Está realmente diferente. — Victor comentou, quando começaram a voltar. 

    — Sim, nós reformamos aqui depois daquele dia. — Ela explicou.

    Depois do tour, os três voltaram para o salão principal. O movimento havia diminuído, pois o pico do almoço já tinha passado, mas ainda havia algumas mesas ocupadas.

    — Já que estão aqui… — Disse Tábata com um tom sugestivo. — Por que não almoçam conosco?

    Victor olhou para o relógio e percebeu que já passava das três da tarde.

    — Acho que é uma excelente ideia. Não comemos nada desde cedo. 

    Foram até o balcão, onde uma funcionária servia os pratos. O cardápio do dia tinha arroz, feijão, frango grelhado, salada de folhas verdes com tomate e uma espécie de caldo de legumes. O cheiro era irresistível.

    Sentaram-se em uma mesa próxima à janela. Aki experimentou primeiro e comentou:

    — Tem um sabor… caseiro. Eu acho… 

    Victor provou o frango e fez um leve aceno de aprovação.

    — Perfeito. É realmente gostoso.

    Enquanto comiam, Tábata contou mais sobre o funcionamento do restaurante: como era feita a triagem para definir quem tinha direito à gratuidade, os horários de funcionamento, as oficinas de educação alimentar que organizavam mensalmente.

    — Também ensinamos receitas simples e baratas. — Tábata explicou. — A ideia é que, mesmo em casa, eles consigam manter uma alimentação digna.

    Aki escutava atentamente, admirada com a dedicação e a estrutura.

    — É incrível ver como cada parte da associação é pensada para atender diferentes necessidades… e tudo parece conectado.

    Victor acenou, concordando, com um sorriso no rosto.

    — É isso que faz a “Brilho Feliz” funcionar, é essa é a ideia. 

    O almoço seguiu normalmente. Conversaram entre si, até que acabaram a refeição.

    Antes de se despedirem, Tábata trocou contato com Aki e prometeu que iria conversar muito com ela. A japonesa, mesmo sem jeito e com tímida, aceitou. 

    Após isso, seguiram para a parte social do complexo, que era um galpão localizado na parte de trás do restaurante. Era um espaço amplo, mas simples, com paredes pintadas em cores claras e um cheiro floral leve que denunciava a limpeza recente. Ali, voluntários se movimentavam de um lado para o outro, alguns carregando sacolas de alimentos, outros organizando pilhas de caixas com doações. No canto, um mural exibia fotos de eventos passados e recados.

    Amaro, agora com um semblante mais sério, conduzia o pequeno grupo até uma mesa onde alguns papéis e listas estavam espalhados. Ele percebeu a chegada do casal e foi recebê-los.

    — Finalmente vocês chegaram. Estava ansioso para mostrar como está nosso “Centro de Distribuição Social”. 

    “Centro de Distribuição Social”? — Victor indagou. 

    — É um nome carinhoso que colocamos nesse galpão. Não é o máximo? — Ele falou em tom alegre. — Mas, brincadeiras à parte, vamos ao que interessa. Venham.

    Os dois o acompanham, até uma pequena sala mais ao fundo do galpão, um tipo de escritório.

    — Aqui é onde mantemos tudo organizado. — Explicou, passando o dedo por uma das listas numa mesa. — O próximo evento será na quinta-feira à noite. Já na sexta, começamos cedo a distribuição das cestas básicas. É o dia mais corrido da semana.

    Enquanto falava, ele apontava para o fundo do salão, onde cestas já parcialmente montadas aguardavam finalização. Algumas senhoras e senhores conversavam baixinho enquanto separavam arroz, feijão, óleo, macarrão, café e outros mantimentos não perecíveis, embalando tudo com cuidado.

    Victor observava com atenção cada detalhe. O som constante das fitas adesivas sendo puxadas, o vaivém das pessoas… 

    — Vou tentar participar… — Disse ele, sincero. — Na verdade, Amaro, um dos motivos principais de ter vindo do Japão foi para o evento. 

    Amaro sorriu, feliz com o que ouviu: 

    — Vai ser bom ter você conosco. Tenho certeza de que fará muita diferença. 

    — Sim. Estou bastante ansioso para quinta-feira à noite. 

    Assim que saíram do local, Victor desacelerou o passo, dando espaço para que Aki absorvesse tudo o que tinha visto. Ele começou a falar num tom calmo, quase didático, mas com certa empolgação.

    — Então… resumindo, essa parte social funciona como um ponto de apoio para famílias em situação de vulnerabilidade. A gente não só entrega as cestas básicas, mas também mantém um acompanhamento periódico. O Amaro cuida para que nada falte na logística, e a gente tenta trabalhar junto com outras instituições para garantir que as famílias não só recebam, mas aprendam a se organizar e ter mais autonomia.

    Ele gesticulava enquanto explicava, e Aki, caminhando ao lado, tentava entender cada detalhe.

    — E isso que vimos agora é só um pedaço da engrenagem. Tem todo um planejamento por trás… — Ele sorriu de leve. — Meio chato de explicar, mas eu queria que você entendesse…

    Aki balançou a cabeça, fixando nele um olhar sério e caloroso.

    — Não é chato. Eu quero saber. Pode me contar.

    Victor percebeu a curiosidade dela, genuína.

    Depois de um momento de silêncio, com ele pensando, ela falou com firmeza:

    — Eu quero ajudar também nesse evento. Não só olhando ou ouvindo… Quero participar. Pelo menos um pouco. Colocar a mão na massa, sabe?

    Ele parou por um instante, estudando o rosto dela, como se quisesse confirmar se era apenas entusiasmo do momento ou algo realmente sério.

    — Entendi. Então, vamos participar na quinta-feira. Mas eu quero que você entenda o que vai acontecer primeiro.

    E foi então que ele mencionou o evento.

    — Acho que ainda não te contei o que é esse evento, né? É a festa de aniversário da “Brilho Feliz”. — Ele fez uma pausa, como se estivesse se lembrando de algo. — Nove anos de história.

    — Nove anos? Então… você fundou com… dezenove? — Aki arregalou levemente os olhos.

    — É. No começo, era só uma ideia maluca. Não tinha estrutura, nem apoio. Só vontade. Eu vendi algumas coisas, juntei o que podia e fui atrás. Não foi fácil… Eu tinha que cuidar das minhas responsabilidades na Pacca Consortium lá em BH e cuidar da “Brilho Feliz” aqui. Na verdade, quase desisti algumas vezes. 

    — Por que a associação é tão longe de onde você morava?

    Ele respirou fundo, tentando não deixar a emoção transparecer demais.

    — De certa forma, foi por causa da Fernanda, minha ex-esposa. — Ele comentou e sentiu como um nó na garganta, lhe faltando palavras. Aki percebeu e tentou corrigir:

    — Não precisa falar sobre. Era só curiosidade. 

    — Não, tudo bem… Eu só estou procurando as palavras certas… — Respondeu, com certa dúvida. Então, finalmente conseguiu dizer.

    O motivo era que a família de Fernanda morava naquela região, numa das comunidades, e quando ele começou o projeto, foi por causa disso, ajudar pessoas necessitadas e lá, parecia um local muito propício. 

    Aki assentiu, absorveu cada palavra, sentindo um misto de emoções que não sabia explicar. E Victor continuou a explicação:

    — Esse evento é importante não só pelo que significa para nós, para a associação, mas também porque vai reunir pessoas que podem ajudar a “Brilho Feliz” a crescer ainda mais. Empresas parceiras, patrocinadores… e, quem sabe, a gente consiga fechar alguma parceria entre eles e a Elegance Affairs.

    O nome da empresa japonesa trouxe um sorriso cúmplice aos dois. Era como se, de repente, as histórias deles se entrelaçassem ainda mais. Victor tentava manter afastado pensamentos e lembranças que tentavam atormentá-lo.

    — Eu quero estar lá. — Disse ela, sem hesitar, de certa forma, o ajudando a se segurar na realidade. — Não só como convidada, mas ajudando no que puder.

    — Então está decidido. Mas… eu vou te preparar antes, para você não ser pega de surpresa. 

    Eles seguiram conversando, o tom ora sério, ora descontraído. Victor contava pequenas histórias da fundação da “Brilho Feliz” — os erros, as vitórias improváveis, os momentos engraçados — e Aki reagia com risos e expressões de espanto e surpresa.

    O tempo passou rápido, e logo chegaram diante do próximo destino. Victor apontou com a mão.

    — Bem-vinda à “Academia de Artes Marciais Martínez”.

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