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    09 de abril de 2024, terça-feira

    A fachada da “Academia de Artes Marciais Martínez” era simples, mas imponente. Uma grande porta de vidro, ladeada por banners vermelhos com ideogramas japoneses e frases motivacionais, além de uma sequência de bandeiras de vários países, dentre eles: Japão, China, Tailândia, Brasil e Israel, dava acesso a um amplo salão coberto por tatames impecavelmente alinhados. O som abafado de golpes e passos rápidos se misturavam a gritos enérgicos.

    Assim que entraram, foram recebidos por um homem não muito alto, ombros largos, pele levemente bronzeada e um sorriso aberto. Bruno, o mestre, usava uma camisa preta justa ao corpo, uma calça leve e branca, com a faixa preta amarrada de forma firme, marcada por sinais de uso de anos e anos.

    — Victor! — Exclamou, aproximando-se com passos firmes. — Há quanto tempo, em. Aquela hora não pude te cumprimentar direito. Haha. — Ele riu, quase exagerado. 

    Aki riu com a forma espontânea e extrovertida, mesmo sem entender o que ele disse. Lembrou um pouco o jeito do seu irmão, Natsu.

    — Bruno-sensei… — Victor retribuiu o sorriso e o abraço caloroso, com um respeito quase cerimonial. — É bom te ver.

    Bruno olhou para Aki e fez uma breve reverência.

    — Bem-vinda. — Ele disse, em japonês. Depois, virou-se para Victor: É uma das únicas coisas que sei dizer em japonês, junto com obrigado, até logo e bonita. Haha. 

    Victor riu com Bruno, com os dois lembrando-se de algum momento passado, depois, Victor explicou para Aki o que tinha acontecido.

    Ela manteve o sorriso no rosto, enquanto caminhavam pelo espaço. Bruno ia explicando a estrutura da academia: os diferentes tatames para modalidades distintas, a área de alongamento, o espaço reservado para equipamentos, e a parede repleta de fotos antigas — campeonatos, seminários e treinos especiais — com Victor sempre servindo de tradutor.

    Num dos tatames, um grupo de alunos treinava combinações de golpes, alternando chutes rápidos e precisos com defesas bem calculadas. O som dos impactos secos contra os aparadores ecoava, acompanhado pelos gritos enérgicos.

    — Incrível… — murmurou Aki, quase para si mesma, mas alto o suficiente para Victor ouvir.

    — É… — Ele respondeu, um tanto nostálgico. — Já passei muito tempo aqui.

    Bruno, ao ouvir, abriu um sorriso.

    — Pois é. Esse aí já foi um dos nossos mais dedicados. Participava de campeonatos, dava aulas para iniciantes, ajudava no projeto social que mantemos com artes marciais… — Ele fez uma pausa e, com um tom provocador, completou: — Podia voltar a treinar, Victor. O tatame sente sua falta.

    Victor soltou uma risada breve, mas balançou a cabeça.

    — Ah, sensei… Não dá. Hoje a minha vida é no Japão. Tenho responsabilidades por lá, e a “Brilho Feliz” já me consome bastante tempo quando venho ao Rio de Janeiro. Fora a Pacca Consortium em Belo Horizonte… Mas eu agradeço de coração.

    Aki, curiosa, ergueu o olhar.

    — Voltar? — Repetiu, virando-se para ele, depois de ter ouvido a tradução.

    — Eu treinava e ajudava aqui. Não só nas aulas, mas no projeto social ligado às artes marciais. Essa academia e o projeto existem desde antes da “Brilho Feliz” surgir. Trabalhei muito com crianças e adolescentes na época, foi uma das primeiras iniciativas que a gente fez dentro da associação quando fundei ela. Mas, com o tempo, precisei me afastar. Expandi para outras áreas, outros projetos.

    Aki escutava atentamente, absorvendo cada palavra. Era a primeira vez que ouvia falar dessa parte específica da história dele, e conseguia perceber, pela maneira como ele falava, que havia um afeto profundo por aquele lugar.

    De repente, Bruno interrompeu a conversa, abrindo um sorriso que mesclava desafio e brincadeira:

    — Então, que tal uns cinco minutinhos para lembrar os velhos tempos? — Disse, já gesticulando para o tatame. — Sabe como é… punhos falam mais que mil palavras.

    Victor riu e olhou para Aki, como se pedisse a opinião dela.

    — Vai lá. — Ela disse com empolgação. 

    Ele riu, pensando que passaria uma vergonha na frente dela. Victor caminhou até o vestiário e se trocou, vestindo uma roupa de treino disposta ali.

    Bruno pegou um par de luvas de treino e jogou para ele.

    — Nada pesado.

    Outros alunos e professores que estavam em volta, pararam para observar os dois.

    — Quem é aquele? — Um dos alunos perguntou, curioso. 

    — Ah, é o Victor. Ele é o fundador da Brilho Feliz e ex-aluno do nosso mestre. — Um dos professores de longa data explicou. 

    O treino improvisado começou com os dois trocando golpes leves, quase ensaiados, enquanto Bruno testava o reflexo do ex-aluno. Victor se movia com naturalidade, mas estava mais lento do que lembrava. Mesmo assim, havia firmeza nos movimentos.

    — Ainda tem o jogo de pernas. — Disse Bruno, sorrindo, enquanto dava um leve soco controlado no ombro de Victor.

    — As pernas são a base, como o senhor me ensinou. — Ele disse, mas logo se esquivou por pouco de um soco. — E você ainda é rápido demais. — Respondeu, recuperando o fôlego.

    A troca seguiu por alguns minutos, com um clima descontraído. Os dois trocavam ataques e defesas, enquanto trocavam elogios e comentários, até lembranças.

    Aki observava fascinada. Então, lembrando-se do dia da briga do bar, percebeu que se movimentava de forma parecida do que ela tinha em mente e tudo fez mais sentido: Ele já treinou artes marciais.

    Depois de alguns minutos, Bruno levantou a mão, encerrando o treino.

    — Nada mal para alguém que ficou tanto tempo longe. — Disse, tirando as luvas e dando um tapa leve nas costas do ex-aluno. 

    Victor sorriu, respirando fundo.

    — Valeu, sensei. É bom voltar, mesmo que tão rápido. Eu realmente acho incrível o treino, mas não tenho como participar, infelizmente.

    — Está certo, não abra mão das suas responsabilidades. Isso também faz parte da disciplina. 

    Enquanto conversavam, saíram do tatame e voltaram para a área de entrada. Em uma parte da conversa, onde Victor contava como era sua rotina, Bruno comentou: — Você continua disciplinado. Você é realmente um exemplo de disciplina, Victor. Haha.

    Depois de um tempo, os acompanhou até a porta, comentando sobre o trabalho da academia.

    — Quando tiver um tempo, apareça de novo. Mesmo que seja só para dar uns conselhos para os novatos. — Disse o mestre, quase num tom nostálgico.

    — Eu apareço, sim. — Respondeu. — E… obrigado pela recepção. Foi muito bom te ver, sensei.

    Aki fez uma reverência respeitosa, agradecendo também.

    Quando voltaram para o carro, o silêncio durou alguns segundos, até que ela comentou:

    — Eu acho que você sente falta daqui.

    Victor soltou um leve suspiro, olhando para o volante antes de dar partida.

    — Talvez. Para falar a verdade, eu não sei como eu cheguei a desistir de tudo aqui. Quando paro para pensar, parece inacreditável tudo que aconteceu, embora realmente tenha sido… — Ele fez uma pausa e continuou: — Mas, meu lugar não é mais aqui. Apesar disso, não pretendo abandonar esse projeto, nem nenhuma das minhas responsabilidades que tenho no Brasil. Vou viver minha nova vida no Japão, ao seu lado e cuidando, como puder, das coisas aqui também. — Ele sorriu para Aki, que sentiu um misto de emoções.

    Já passava das seis quando o carro de Victor encostou novamente em frente à sede da “Brilho Feliz”. O céu, agora começando a escurecer, estava tingido em tons de laranja. O dia foi longo e intenso. A cada parada, Aki descobriu coisas novas sobre o Brasil e sobre o seu namorado. 

    Victor estacionou e desligou o motor. Ambos desceram. Alguns funcionários da associação, que ainda trabalhavam no fechamento das atividades do dia, vieram se despedir. Sorrisos, cumprimentos e pequenas brincadeiras foram trocados. Era visível que Victor tinha uma relação genuína com todos ali — não apenas como líder, mas como amigo. 

    Depois de alguns minutos, seguiram a pé até o hotel, que ficava a poucos quarteirões dali. O silêncio entre eles era quebrado pelo som dos passos na calçada e pelo ruído distante do tráfego e do mar, além de conversas e músicas de quiosques próximos.

    Quando chegaram ao quarto, Victor largou as chaves sobre a mesa e soltou um suspiro longo.

    — Ufa… que dia. — Disse, sentando-se na beira da cama e tirando os sapatos.

    Aki concordou, sentando-se ao lado dele. 

    — Foi incrível, Victor. Conheci muitas pessoas legais e muitas coisas novas.

    — Amanhã… — Disse, encostando-se para trás e apoiando os braços na cama. — Vamos conhecer alguns outros lugares incríveis. Você vai adorar. Mas… — Fez uma pausa proposital. — Acho que a experiência mais interessante vai ser pôr a mão na massa. 

    — Como assim? — Aki perguntou, curiosa.

    — Na sexta-feira, vamos fazer a distribuição das cestas básicas. É ali que você realmente sente. Ver o rosto das pessoas, saber que aquilo que está nas suas mãos vai, de verdade, mudar o dia ou a semana de alguém… isso não tem preço. É o tipo de coisa que mexe com a gente. E eu tenho certeza de que você vai adorar. 

    Aki assentiu, já imaginando a cena, pelo que ele tinha falado. Parecia algo muito distante para ela, imaginar algo como distribuição de cestas básicas. Verdadeiramente, queria descobrir como era essa realidade.

    Victor se levantou, pegou uma garrafa de água no frigobar e a entregou para ela antes de ir até o banheiro.

    — Você deve estar cansada. Foi muita coisa para um dia só. — Disse, entrando para tomar um banho. 

    Enquanto ele estava no chuveiro, Aki se sentou perto da janela, olhando para as luzes da cidade. O som distante do trânsito misturava-se ao leve ruído da água. O dia inteiro passava em sua mente como uma sequência de pequenos filmes: as crianças na clínica, as pinturas na academia de artes, a energia vibrante da academia de artes marciais… Tudo foi tão legal, que ela não queria esquecer nunca. 

    Quando Victor saiu do banho, já com uma roupa para dormir e com os cabelos levemente úmidos, ela ainda estava ali, imersa em pensamentos.

    — Ei… — Ele disse, chamando sua atenção. — Vem descansar. Amanhã vai ser puxado também.

    Ela sorriu e assentiu, levantando-se. Enquanto ele ajeitava o travesseiro, ela foi até o banheiro para se preparar para dormir. Minutos depois, voltou, após um banho, deitou-se ao lado dele e puxou o cobertor.

    Foi então que percebeu que Victor já havia dormido.

    — Boa noite. — Murmurou ela, num tom suave,, aproximando-se dele e lhe dando um beijo na bochecha. 

    Ela sentiu seu rosto queimar: “Ah, que vergonha fazer isso enquanto ele dorme. Tenho esse direito?!” — Pensou, conflituosa. 

    Mesmo que já tivesse passado um tempo, Aki permanecia acordada, fitando o teto do quarto. Seus pensamentos voltavam às expressões que tinha visto ao longo do dia: a dedicação dos funcionários, a alegria simples das crianças, o treino dos jovens na academia, e a maneira como Victor transitava entre todos esses mundos com naturalidade.

    Ela sentia um misto de admiração e gratidão. Admirava a capacidade de Victor de mover pessoas, de inspirar, de liderar sem precisar impor. E era grata por ele ter decidido compartilhar tudo aquilo com ela, mostrando não apenas a parte bonita e organizada, mas também as dificuldades, as limitações e os desafios de cada projeto.

    “Eu posso me considerar a pessoa mais sortuda do mundo? Você é realmente incrível, Victor!” — Pensou, encarando o rosto sereno dele enquanto dormia.

    Ficou ainda um tempo pensativa, revendo tudo que estava vivendo recentemente, até que, em determinado momento, finalmente adormeceu.

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