Capítulo 111: Passado, presente e futuro.
18 de outubro de 2012, quinta-feira.
Os raios de sol se infiltravam pelas janelas altas da sala de aula, criando manchas douradas nas carteiras já riscadas com nomes e frases de alunos passados. Era primavera, e o cheiro de grama recém-cortada entrava misturado ao barulho abafado de risadas vindas do pátio, é um burburinho ecoava entre os alunos.
Tábata estava na penúltima fileira, fingindo que anotava algo no caderno, mas, na verdade, seus olhos estavam fixos em Victor. Ele estava dois lugares à frente, encostado na carteira, rindo de algo que um colega disse. O jeito como ele sorria parecia iluminar o ambiente de um jeito que ela não conseguia ignorar.
Ela apertou o lápis com força. “Por que ele nunca olha pra mim desse jeito?” — Pensou, mordendo discretamente o canto do lábio. “Ele não me vê como uma garota? — Ponderou, com certa melancolia.
A professora encerrou a aula, e o barulho de cadeiras arrastando ecoou pela sala. Victor levantou-se, guardando os livros na mochila com aquela calma desleixada que ele tinha. Ao notar que Tábata ainda estava sentada, ele se aproximou com um sorriso:
— Ei, Tabby, vamos? Hoje tem treino no ginásio.
O apelido, dito com tanta naturalidade, fazia o coração dela acelerar. Só ele a chamava assim.
— Claro… só estou… terminando umas anotações. — Respondeu, tentando soar tranquila.
Ele encostou na carteira dela, batucando os dedos.
— Você sempre leva isso tão a sério. — Comentou. — Aposto que vai ser a primeira da turma a entrar na faculdade.
Ela corou. Queria dizer “e você sempre me deixa assim, com o coração explodindo e feliz”, mas apenas sorriu, fechando o caderno.
…
No ginásio, os colegas de Victor já o chamavam. Ele jogava no time de futsal da escola, junto com Matheus e João Batista. Tábata sentou-se na arquibancada, observando enquanto ele se aquecia. A cada movimento, cada risada dele com os amigos, parecia que o resto do mundo desaparecia. Ela via um brilho irradiar dele que ninguém mais via.
Uma amiga, Juliana, sentou-se ao lado dela.
— Você ainda não contou nada pra ele, né? — Cochichou.
— Contar o quê? — Tábata tentou disfarçar, mas o olhar malicioso da amiga a desarmou.
— Ah, “Tabby”… é tão óbvio que você gosta dele. Você fica toda boba só de olhar.
A amiga brincou, usando o apelido que só Victor costumava usar e Tábata suspirou, desviando os olhos para a quadra.
— Ele não me vê desse jeito. Pra ele, eu sou só… amiga.
Juliana deu de ombros.
— E se você nunca falar nada, vai continuar sendo só amiga.
O apito soou e o jogo começou. Victor corria com energia, com movimentos firmes, o olhar concentrado. A cada gol, erguia os braços, celebrando com uma alegria contagiante ou reclamava com os colegas. Tábata aplaudia discretamente, o coração disparava e ria das reações exageradas.
No intervalo, Victor subiu até a arquibancada, suado e sorridente.
— E aí, Tabby! Tá torcendo para mim, né? O Matheus disse que você estava torcendo por ele.
Ela riu, nervosa.
— Sempre. — Respondeu, sincera demais sem perceber, e logo tentou amenizar: — O Matheus é do seu time, então, estou torcendo por vocês, claro…
Ele lhe entregou a garrafinha de água, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
— Segura para mim? Daqui a pouco volto. — Disse, e correu de volta à quadra.
Tábata olhou para a garrafa em suas mãos. Ridículo como um objeto tão comum podia parecer um presente precioso, só porque vinha dele.
“Aff, sou muito boba. Estou parecendo uma adolescente apaixonada… embora eu seja…” — Divagou.
—
Mais tarde, depois do treino, os dois caminhavam juntos até o portão da escola. O céu estava tingido de laranja, e o vento leve carregava o cheiro de flores do jardim próximo.
Victor falava animado sobre o próximo campeonato, gesticulando, seus olhos brilhando. Tábata o ouvia em silêncio, mais encantada pelo jeito dele, do que pelo assunto em si.
Em certo momento, ela respirou fundo. Precisava dizer algo. Talvez não uma declaração, mas ao menos uma pista, algo que o fizesse perceber.
— Victor… — Começou, hesitante, após ele soltar um “Hum?” como resposta. — Você já… já pensou em namorar alguém da nossa sala?
Ele a olhou surpreso, mas logo riu, passando a mão pelos cabelos.
— Namorar? Eu? Não, Tabby… essas coisas não são para mim agora. Quero focar nos estudos, no esporte… Quero dizer, eu preferia ficar nas lutas, mas no ginásio não tem. Então o futsal é uma boa opção… E, além disso, acho que, quando eu namorar alguém, vai ser uma garota diferente, sabe? Aquela coisa que mexe com você de um jeito inesperado. Eu não quero ser que nem o Matheus, sai pegando todas… Quero namorar a pessoa certa, casar com a pessoa certa, sabe? — Ele gesticulava enquanto explicava.
As palavras caíram sobre ela como uma onda de água fria. Ela sorriu, tentando esconder o aperto no peito.
— Entendi… — Murmurou.
Victor não percebeu. Continuou falando sobre os planos para o futuro, animado, como se nada tivesse acontecido. Para ele, era apenas uma conversa comum com uma amiga querida. Para ela, era a confirmação silenciosa de que seus sentimentos não eram correspondidos.
Quando chegaram ao portão, ele se despediu com o mesmo sorriso de sempre:
— Até amanhã, Tabby. Você é a melhor companhia para conversar.
E saiu correndo em direção ao ponto de ônibus, e a mochila balançando.
Tábata ficou parada, observando-o se afastar. Uma mistura de felicidade e tristeza se agitou dentro dela. Felicidade por estar tão próxima dele, tristeza por saber que, no coração dele, não havia espaço para o que ela sentia.
Suspirou fundo, abraçando a mochila contra o peito.
“Se ao menos você pudesse me ver como eu te vejo…”
…
— Você viu? O Victor está namorando a Fernanda!
— Pois é, vi eles de mãos dadas hoje cedo. São tão fofos juntos.
As palavras bateram em Tábata como uma pedra atirada no peito. Ela congelou, o sorriso que trazia do nada se apagou. Fingiu arrumar a mochila para disfarçar, mas por dentro tudo girava.
Mais tarde, ao encontrá-lo no pátio, Victor confirmou sem nem perceber o impacto que aquilo teria nela:
— Tabby! — Disse sorridente. — Queria te contar… comecei a namorar a Fernanda.
Ele parecia feliz, genuinamente feliz. E esse brilho nos olhos dele, embora a machucasse, também era algo que Tábata não conseguia odiar. Ela sorriu, mesmo com o coração apertado:
— Que bom, Victor… fico feliz por você.
Naquela noite, deitada na cama, encarando o teto do quarto, as lágrimas caíram silenciosas. Não eram de raiva, mas de um amor que não encontrava espaço para existir.
…
Anos depois, Tábata já cursava faculdade, a vida tinha tomado novos rumos. Certo dia, mexendo no celular, recebeu uma mensagem de uma amiga em comum:
“Você viu? O Victor ficou noivo da Fernanda! O casamento vai ser no ano que vem!”
Ela ficou olhando para a tela por longos segundos. Mesmo após tanto tempo, o coração deu um tropeço. Respirou fundo, tentando não deixar a lembrança da adolescência tomar conta.
Quando o encontrou pessoalmente, Victor a abraçou com entusiasmo:
— Tabby! Tenho uma novidade: vou me casar!
Ela sorriu, sincera desta vez, mas com uma pontinha de melancolia guardada:
— Parabéns, Victor. Tenho certeza de que será muito feliz.
Naquela noite, sozinha, ela refletiu: “Eu já sabia que não era comigo, mas agora é definitivo.” Não havia espaço para esperanças, apenas para aceitar.
…
O salão estava decorado com flores brancas e luzes suaves. O vestido de noiva de Fernanda reluzia sob os holofotes, e Victor, elegante em seu terno, parecia o homem mais feliz do mundo.
Tábata estava entre os convidados, aplaudindo junto a todos quando os dois disseram “sim”. Enquanto olhava, sentiu uma mistura estranha: orgulho, ternura, e uma pontada de saudade do que nunca existiu.
Em certo momento, Victor se aproximou dela com Fernanda, sorridente:
— Tabby, obrigado por vir. Você faz parte da minha história, não poderia faltar.
Ela abraçou os dois, segurando firme a emoção.
— Eu não perderia isso por nada. — Respondeu, e naquele instante percebeu que o lugar dela não era ao lado de Victor como companheira, mas como alguém que torcia por sua felicidade.
Quando a festa avançou, ela se permitiu dançar, rir, e aceitar que aquela fase da vida tinha ficado para trás.
…
Alguns anos depois, em um café casual, Victor apareceu com um brilho diferente nos olhos.
— Tabby, tenho uma notícia! — Disse, mal conseguindo segurar o sorriso. — Eu e a Fernanda… vamos ter um bebê!
Ela o encarou por alguns segundos, surpresa, até que o coração se encheu de uma alegria inesperada. O amor antigo que carregava não doeu dessa vez — ao contrário, se transformou em orgulho, como quem torce pelo sucesso de alguém especial.
— Nossa, Victor! Isso é incrível. Você vai ser um ótimo pai.
Ele sorriu, emocionado.
Naquele dia, ao voltar para casa, Tábata refletiu. O menino que ela conheceu no ensino médio, que fez seu coração acelerar tantas vezes, agora era um homem, marido, e em breve, pai.
E ela… ela finalmente conseguia olhar para isso sem sentir dor, apenas gratidão por fazer parte daquela trajetória, de certa forma.
…
11 de abril de 2024, quinta-feira.
De volta ao presente, no salão da festa, a imagem se dissipou. Tábata piscou, afastando o devaneio.
Olhou discretamente para Victor e Aki conversando. Havia ternura no olhar dele, e um brilho tímido nos olhos dela.
Tábata sorriu, sem dor ou ressentimento. O respeito por Victor também era grande.
“Talvez seja melhor assim. Victor encontrou alguém que pode fazê-lo sorrir daquele jeito… e eu já não preciso mais esperar que ele olhe pra mim diferente. Hoje, posso apenas desejar que seja feliz. E é o que eu quero.”
Agora ela tinha certeza absoluta que Victor finalmente superou aquele trauma e que estava buscando sua felicidade. Isso fez seu coração estremecer de alegria.
— Espero que seu futuro seja ainda mais brilhante, Victor… — Murmurou, como se pensasse alto, enquanto se virava de costas e adentrava a cozinha.

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