Notas de Aviso

    Anteriormente em MNVJ: Victor e Aki participam dum evento matrimonial, uma festa de bodas de marfim. Ao término, acabam entrando no assunto sobre relacionamentos e Victor diz que vai contar para Aki tudo que aconteceu com ele.

    30 de setembro de 2023, sábado 

    — Há alguns anos, conheci uma garota, quando eu tinha dezoito anos. O nome dela era Fernanda. A gente acabou namorando e nos casamos há seis anos, quando eu tinha vinte e um anos. 

    Ele pausava entre algumas palavras, como se estivesse procurando a melhor forma de continuar ou apenas tentando respirar antes de seguir adiante. 

    Um sentimento pesado invadiu o peito de Aki, sentindo quase fisicamente. Ela não sabia explicar o que sentia.  

    — Há cinco anos, ela engravidou, e nossa filha nasceu em junho de dois mil e dezenove. O nome dela era Ayla. 

    A cada vez que Victor usava o verbo no passado, Aki sentia um aperto no coração, mesmo sem saber o porquê. Talvez, inconscientemente, ela estivesse relacionando a pergunta dele sobre “perder alguém” com esse fato. 

    Ele sempre hesitava antes de continuar. E a surpresa de Aki era cada vez mais crescente. Ela se segurava para não o interromper. 

    “Filha? O Victor é papai?” Os pensamentos dela estavam como um turbilhão. Uma bagunça.  

    — Certa vez, meus pais foram para a praia, e eu não pude ir devido a um compromisso empresarial. Mas Fernanda e Ayla foram com eles, aproveitar um pouco as “férias”. 

    Victor passou o braço pelos olhos, e Aki viu apenas a silhueta do gesto. Ele estava de costas para ela, de pé, olhando para o outro lado do parque vazio. 

    Ela não sabia se conseguiria encará-lo. Sentia que o que viria a seguir seria difícil demais de ouvir. Ainda assim, percebia a respiração de Victor alterada, como se estivesse travando uma batalha para não desabar em lágrimas. 

    Ele queria falar, mas as palavras pareciam sufocá-lo. Apesar de buscar forças para continuar, era como se cada frase fosse um peso sobre os ombros. Seu rosto já estava molhado pelas lágrimas silenciosas que deslizavam, mas ele não as enxugava. Fazer isso poderia preocupar Aki. 

    — Alguns dias se passaram, e a saudade já era grande. Conversamos por uma chamada de vídeo antes de eles saírem do hotel para voltar para casa. 

    Uma longa pausa foi feita. Quando Victor voltou a falar, sua voz estava trêmula, quase falhando: 

    — Era trinta de setembro e faltava pouco tempo para eles chegarem, quando recebi uma ligação de um conhecido da família. Ele pediu para eu ligar a televisão e abrir o noticiário urgente. 

    Mais uma pausa feita.  Aki apenas ouvia alguns soluços e o choro sufocado, como quem se segura com todas as forças para não se afundar em lágrimas e tristeza. Então, com a voz embargada, ele citou o título da matéria: 

    — “Acidente fatal na principal rodovia de ligação entre os estados de MG e RJ deixa cinco adultos e uma criança sem vida.” 

    O peito de Victor se apertava. Seu corpo tremia com calafrios enquanto continuava a narrativa. Aki sentiu seu rosto quente, e, antes mesmo de perceber, lágrimas estavam escorrendo de seus olhos. 

    O vento frio da noite parecia muito mais gelado em seu rosto. E então, como um estalo em sua mente, Aki entendeu tudo. 

    A forma que Victor agia… Hoje fazia exatamente quatro anos desde o acidente que mudou sua vida. 

    Ela quis interrompê-lo. Quis pedir que parasse, que não se forçasse a reviver tudo aquilo. Mas ele mesmo decidiu contar, então tudo o que podia fazer era reunir forças para ouvi-lo até o fim. 

    — Uma carreta perdeu o freio e o carro dos meus pais foi atingido. O impacto foi fatal. Papai, mamãe, Fernanda, Ayla… todos eles faleceram no acidente, na hora. Além deles, um casal que estava em outro veículo também faleceu. 

    Victor fechou os olhos com força, mesmo que Aki não pudesse ver. Suas palavras estavam carregadas duma emoção que ela nunca havia presenciado. Sentia seu corpo completamente arrepiado e seu coração batia de uma forma diferente. Uma sensação estranha a atingia.  

    Para Victor não era diferente. Já não enxergava nada. Seus olhos marejados deixaram sua visão turva. Embora já tivesse vivenciado esses sentimentos várias vezes nesses últimos anos, era tão doloroso quanto foi anteriormente.  

    Porém, ele queria terminar de falar. Sentia, de certa forma, um alívio em poder desabafar, especialmente por ser um aniversário que ele jamais queria comemorar, mas simplesmente esquecer. 

    — Eu sequer pude abraçar minha filha, minha esposa e meus pais uma última vez, sabendo que seria a última… 

    O fim da frase soou quase como um grito de angústia e arrependimento, e Aki sentiu uma dor que jamais imaginou que poderia sentir. Sentiu, por um momento, uma sensação de impotência, de não poder ajudar seu amigo.

    — Eu desejei estar num pesadelo. Um pesadelo terrível… mas nunca acordei. 

    Sua voz ficou mais rápida, quase embolando as palavras. O soluço e a velocidade tornaram a frase quase inaudível.

    — Eu desejei morrer. Achei que não tinha mais motivos para viver. 

    Victor parou e respirou fundo e, naquele momento, sentou-se ao lado de Aki, tampando o rosto com as mãos. 

    Por um instante, tentou se recompor. Se não fosse pelos soluços e o fato de Victor fungar, o silêncio teria se instaurado. 

    — Mas… algo não deixou que isso acontecesse… — Nada foi dito depois disso por alguns segundos. — Meu melhor amigo, desde a infância, foi um dos pilares que me impediram de desmoronar por completo. Foi um período incrivelmente difícil. Eu acordava todos os dias sem encontrar um motivo para seguir em frente. 

    Cada pausa de Victor fazia seu relato ser ainda mais doloroso. Não era intencional. Seria impossível falar continuamente com a quantidade de lágrimas que Victor derramava durante a conversa. 

    — Precisei de ajuda profissional e de medicação. Foram mais de dois, quase três anos de tratamento. Então, decidi me mudar para o Japão, para tentar recomeçar minha vida. 

    Ele suspirou, como se estivesse tirando um peso do peito. Sua voz ainda tremia, mas já parecia mais controlada.  

    — Sempre gostei do Japão e da cultura daqui, então estudei japonês durante a adolescência. Quando vim no começo deste ano, o senhor Akashi foi uma peça fundamental para mim. Ele me deu uma oportunidade, e eu devo muito a ele. Na verdade… não só a ele. 

    Victor olhou para Aki. Seus olhos estavam vermelhos, ainda marejados, e ele desvia rapidamente o olhar.

    — Eu também devo muito a você. — Embora não a olhasse, suas palavras foram firmes e convictas. Um tom completamente diferente do normal dele. 

    Aki sentiu um nó na garganta. Chorou muito enquanto ouvia a história dele, e, naquele momento, sentiu um desejo imenso de abraçá-lo. Mas não o fez. 

    “Não posso fazer isso… somos apenas amigos. Daria uma ideia errada.”, pensava ela.  

    Além da surpresa por sua história, também estava surpresa pela intensidade dos sentimentos de Victor. Era a primeira vez que o via expressar emoções de forma tão verdadeira. Ela absorveu sua dor automaticamente. 

    Por um momento, seu corpo se moveu involuntariamente para abraçá-lo, mas hesitou e interrompeu o gesto antes que pudesse concretizá-lo. O silêncio entre eles foi longo e angustiante, quebrado apenas pelo farfalhar das árvores ao redor. 

    Aki desejou dizer algo que pudesse consolá-lo. Algo que alcançasse seu coração e o confortasse de verdade. Procurou as palavras certas. Mas, no fim, disse apenas o que veio em sua mente no momento: 

    — Victor… Eu acredito que não podemos mudar o passado, mas podemos escolher o futuro que queremos. Eu não consigo imaginar a dor que você sentiu e sente, mas tenho certeza de que sempre há esperança. Acredite que tudo dará certo. 

    Victor suspirou. 

    — Está tudo bem. Até pouco tempo, eu me via num poço fundo… onde, não importa a direção que eu olhasse, sempre havia escuridão. — Ele ergueu o olhar para Aki. — Mas talvez agora eu veja uma pequena luz nesse poço. 

    Aki sentiu seu coração acelerar e levantou-se do banco. 

    “O que eu devo dizer agora…?” Pensava, tímida. 

    Dessa vez, a iluminação permitiu que Victor conseguisse ver os olhos dela, e percebeu que estavam avermelhados. Ele desejou dizer algo, mas não achava palavras para continuar. 

    As palavras de Victor a deixaram envergonhada e ao perceber o que disse, ele também se sentiu tímido. Victor também se levantou e, sem dizer nada, ambos começaram a caminhar para casa. Durante o trajeto, trocaram poucas palavras, desviando do assunto anterior com conversas mais casuais. 

    Quando chegaram à porta da casa de Aki, Victor parou. 

    — Aki… obrigado por me ouvir. Eu sentia que precisava desabafar… — Ele quase hesitou ao dizer, lembrando-se brevemente dos sentimentos que passara. 

    — Não precisa me agradecer — disse ela, sincera. — Eu só queria poder te ajudar de uma forma melhor… 

    Victor sorriu de canto, respondendo quase imediatamente. 

    — Você já me ajudou. E muito. 

    Aki sentiu um calor no peito ao ouvir aquilo. Mas não sabia o que era, ou o motivo daquilo. Foi apenas aquelas palavras dele que a deixaram assim?  

    Victor então se despediu e seguiu seu caminho. Aki o observou se afastando, pela janela de sua casa, enquanto algumas lágrimas desciam de seu rosto novamente. Ela ajeitou seu corpo no sofá e apertou uma almofada contra seu corpo com força.  

    “Eu não consigo imaginar o que ele teve que passar…”, pensava.  

    Era difícil para ela tentar imaginar algo tão triste.  

    “Eu realmente sou grato a você, Aki…”, pensava Victor, enquanto caminhava. Chegando em sua casa, se jogou na cama, após tomar um banho e, pegando seu celular, abre sua conversa com Aki. 

    Ele desliza o dedo pela tela, relendo algumas mensagens recentes.  

    “Não posso sentir algo por você…, mas você é tão especial. Que droga!” Victor também não conseguia organizar seus pensamentos.  

    Foi uma noite longa para os dois, onde não conseguiam “colocar a cabeça no lugar”.  

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (4 votos)

    Nota