Capítulo 3: Após a chuva…
26 de agosto de 2023, sábado.
Victor abre os olhos lentamente, ouvindo o som do alarme do celular. A luz suave da manhã esgueira por entre as frestas da cortina, iluminando seu quarto com feixes dourados. Ao se sentar na cama, sente um cansaço extra, que não era comum dele sentir. Sua cabeça lateja com uma leve pressão. Ele se levanta e vai até o banheiro. Cada passo parecia mais pesado que o normal.
“Que hora boa para pegar um resfriado.” Sendo irônico no seu pensamento, ele se olha no espelho e percebe que está com uma aparência cansada, enquanto flashes da noite anterior visitavam sua mente. “Eu me molhei muito levando a Aki até em casa.”
Enquanto isso, imagens da noite anterior ficavam mais claras nos seus pensamentos.
Enquanto caminhavam, a chuva respingava o seu braço e ombro esquerdos, sentindo cada gota gélida tocando e escorrendo pela sua pele. Apesar de não conversarem muito no trajeto, lembrou do pequeno diálogo que começou, ao questioná-la se ela estava confortável.
Por comentar daquela forma, ele suspira, entendendo que passou vergonha. Lembra-se também, em determinado momento, quando um carro passou numa poça na rua e espirrou bastante água neles, porém, por estar para o lado da rua, ele recebeu quase toda a quantidade, com apenas alguns respingos a atingindo.
Sua expressão, normalmente neutra, mudou, quando ele franze a testa, descontente com o ocorrido. Aki, percebendo isso, se surpreende, mas ignora o fato, apenas perguntando se ele estava bem.
Em resposta, ele acena a cabeça e conclui:
— Apenas me molhei um pouco. É só tomar um banho quente que resolve.
Quando olhava para cima em alguns momentos, era possível ver a quantidade de gotas sendo refletidas pelas luzes dos postes e ele admirava isso toda vez que chovia.
Após voltar seus pensamentos para o lugar, respirando fundo, ele faz sua rotina. Ele toma um banho quente e demorado, na esperança de relaxar seus músculos rígidos e melhorar a congestão nasal.
— Ainda bem que hoje é sábado e não temos evento. — Sussurra.
Após o longo e merecido banho, ele se agasalha, pois estava um dia não muito quente, e sentia leves arrepios e até calafrios.
“Febre é uma coisa muito chata” Ele lamenta o fato de estar em estado febril e se dirige até o sofá, onde vê uma mensagem de Aki, saudando com um “bom dia”. Ela agradece por ele ter a acompanhado até em casa no dia anterior e pergunta se ele estava bem, já que se molhou para acompanhá-la. “Bom dia, Aki! Eu estou bem.”
“Eu estou indo até o mercado próximo à empresa.” Ela diz pela mensagem, e logo em seguida envia outra. “Se você quiser algo, eu levo para você, como agradecimento por ter me acompanhado.”
Victor não queria incomodá-la, mas ao olhar para sua dispensa, percebeu que não tinha muita coisa para o almoço, já que hoje seria o dia de compras. Ele coça a cabeça, como em dúvidas pela situação.
“Eu não quero te incomodar.”
“Não é incômodo algum. Eu vou levar algo para você.”
Apesar de relutante, ele decide aceitar o gesto da garota, já que estava numa situação ruim. Ele envia a localização para ela.
Após tomar um remédio, o rapaz decide fazer algo e vai até à cozinha. “Preciso de vitamina C, vai ajudar.” Após ponderar um pouco, ele faz uma limonada e volta para o sofá.
…
Aki está em frente a porta da casa de Victor. Ela hesita por um momento, sentindo um leve frio na barriga. Então toca a campainha. Victor a recebe, abrindo a porta da casa, e se depara com uma Aki diferente do habitual.
Era a primeira vez que ele a via daquela forma mais casual. Vestia uma camisa de manga curta de cor pastel, adornado por detalhes bordados, e uma saia de tom escuro. Seus cabelos estão soltos e levemente ondulados.
Do outro lado, Aki também se depara com um Victor diferente do dia a dia. Vestia uma camiseta simples de manga curta preta e uma blusa de frio por cima, também escura, e uma bermuda branca, além de estar usando um par de chinelos. Seu cabelo está bagunçado e seu rosto um pouco pálido.
— Seja bem-vinda! Entre. — Ele abre espaço para ela passar na porta.
Ao entrar, se depara com um ambiente bem-organizado e arrumado. Uma decoração simplória, mas bonita.
— Eu trouxe ingredientes para uma sopa de missô. — Ela comenta, caminhando até uma mesa que tinha naquele cômodo e colocando as sacolas em cima.
Victor agradece e Aki percebe sua voz um pouco diferente. O tom de sempre, neutro, mas com uma visível fraca rouquidão. Então ela percebe que o rosto dele está avermelhado.
— Você está realmente bem? — Ela questiona, olhando-o com um olhar desconfiado e brincalhão.
— Pareço tão mal assim? — Ele retruca, ironicamente. Quem ouvisse a conversa de fora pensaria que ele estava sendo totalmente sem educação, pela forma apática com que falava. Porém, Aki compreendia bem a forma dele falar e não se incomodava, entendendo a brincadeira por trás da frase.
— Eu diria que está horrível. — Aki ri, enquanto se aproxima repentinamente de seu colega, botando a costa da sua mão na testa dele. — Você está com febre, irresponsável. — A última palavra ela fala com um tom brincalhão, mas realmente preocupada.
— Não é nada de mais. Só um resfriado.
— Para com isso. — Ela o repreende. — Isso pode evoluir para algo sério se não tratar.
Victor, inconscientemente, arqueia a sobrancelha, surpreso pela conduta dela.
— Posso fazer um chá para você? — A expressão dele mudou para uma surpresa mais visível.
— Claro que pode. Mas não precisa se incomodar.
Ela dá de ombros para o questionamento dele e se dirige para a cozinha.
Victor agradece mentalmente pela disposição dela em ajudar e se senta no sofá. Sentia seu corpo pesado e seus pensamentos pareciam nebulosos.
Ao entrar no cômodo, Aki se depara com um ambiente amplo e bem iluminado, com uma grande janela para permitir a passagem de luz natural. Os armários eram organizados e alinhados, com potes e utensílios cuidadosamente arrumados nas prateleiras, facilitando o acesso durante o preparo de refeições. A bancada era espaçosa, permitindo executar tarefas com praticidade.
A garota observa que há muitos aparelhos e utensílios organizados também ao longo da cozinha, como dois liquidificadores, batedeira, uma máquina de café, processador de alimentos, torradeira, entre outros. Além disso, possuía uma grande variedade de panelas, de vários tamanhos e formas diferentes.
Num outro armário, ela percebe que há uma quantidade grande de especiarias e temperos diferentes, bem como todos eles eram nomeados para evitar confusão.
“Ele gosta realmente de cozinhar.” Pensa, enquanto observava onde estavam os utensílios que ela iria precisar.
Enquanto isso, Victor, ainda no sofá, sentia seu corpo sensível, onde o menor toque que ele fazia em si, dava um arrepio. Ele já havia tomado um remédio para gripe e um para a febre e dor de cabeça.
“A Aki é muito gentil.” Victor pensava, com o corpo quase deitado no sofá… “Desde que me mudei para cá, não senti que ninguém se preocupasse assim comigo.” Mas seus pensamentos são interrompidos por uma ligação, e ele atende.
Aki escuta, da cozinha, ele conversando, novamente em um idioma que ela não conhecia. Sua curiosidade a atiçava para ir até lá perguntar sobre o idioma, mas decide que não era um bom momento. Ela percebe que a voz de Victor está um pouco fanhosa.
O chá fica pronto. Ela enche uma xícara e leva até ele. Ao se aproximar, Victor, aparentemente, se despede e desliga, e volta sua atenção para Aki. Ela o oferece o chá, dizendo que ele se sentiria melhor.
Após agradecê-la, ele toma um gole e sente o aroma delicioso do chá invadir suas narinas, bem como o gosto cítrico e forte preencher seu paladar, inundando sua boca com um calor, descendo pela garganta e aquecendo todo seu corpo. Era um chá forte e gostoso.
— Esse é um chá que minha família geralmente faz quando estão com resfriado. Vai gengibre, limão, mel e mais algumas coisas. — Ela se empolga falando do chá da família e deixa isso claro durante a explicação.
Victor admirou a cena, desse sorriso genuíno de Aki enquanto falava do chá. Ele sente um calor, além do causado pelo chá, encher seu peito por um momento. Não entendia bem o que estava sentindo, então, afasta seus pensamentos.
Ambos estão sentados um do lado do outro, saltando o espaço de um assento do sofá entre eles. Aki desejou poder cozinhar o missô para ele, porém, se desvia dessa vontade. Só o fato de estar na casa dele, fazendo um chá para que ele possa melhorar do resfriado, já era algo além do que ela estava acostumada.
— Esse chá está muito gostoso! — Victor exclama, com sua voz falhando durante a frase, e ele raspa a garganta. — Era um sonho desde muito tempo experimentar um chá feito originalmente aqui.
— Mas você frequenta cafés e restaurantes daqui. Nunca experimentou?
— O seu chá ficou muito mais gostoso do que qualquer um que já experimentei aqui. — Ele responde, sem pensar muito na força de suas palavras, que atingiram Aki em cheio, que logo enrola uma mecha de cabelo por entre seu dedo indicador, desviando o olhar para o lado.
— Não seja bobo. É um chá normal. — Ela tenta espantar a vergonha, mudando de assunto. — Por que você nunca veio antes para o Japão? — Ela percebe que a pergunta foi muito invasiva, então complementa: — Quero dizer, aparentemente, você sempre quis vir e só fez há alguns meses.
— Realmente eu sempre quis vir. — Ele pausa sua fala, olhando para o lado, pensando. — Por causa das responsabilidades da família, eu nunca pude sair assim. Eu vim quando decidi ter uma nova vida no Japão.
“Uma nova vida no Japão?” Aki pensa e junta as informações que ela tinha, supondo que fosse devido ao ocorrido que ele comentou anteriormente.
— Que bom que você conseguiu vir, assim, podemos ser amigos! — Ela fala com um tom alegre e um sorriso estampado.
Antes que Victor respondesse, o celular da garota toca e ela diz que precisa sair para um compromisso.
Logo, eles se despedem e Victor sente algo diferente, sem saber explicar o que era.
…
30 de agosto de 2023, quarta-feira.
Victor se sentia revigorado nessa altura da semana. Todo aquele cansaço, fadiga e dor que sentia no sábado, havia desaparecido. A partir daquele dia, um sentimento genuíno de agradecimento estava em seu peito para com Aki.
Nem mesmo ele sabia como definir, mas quando estava conversando com ela, conseguia se expressar melhor, mesmo que muitos gestos sejam inconscientes.
Ele redigia um relatório durante seu expediente no serviço, quando o som de notificação de um novo e-mail interrompe sua concentração. Ao verificar a caixa de entrada, é surpreendido pela notícia que a empresa responsável pela mobília de um evento de casamento que ocorreria no dia três de setembro, ou seja, no próximo domingo, estava cancelando o serviço.
Ele sente uma ira subindo, mas respira fundo. Não o respondendo de imediato. Victor entra em contato com Oshi, do departamento de infraestrutura dos eventos, para que o ajudasse a resolver sobre o ocorrido.
…
— Bom dia, Oshi!” Aki cumprimenta-o, levantando-se. — Podem ficar à vontade. Preciso me retirar.
— Bom dia, Oshi! — Victor também o cumprimenta. — Conforme expliquei, o evento será nesse próximo domingo. Como vamos fazer?
— Realmente está em cima da hora, mas a ‘Jinhoo Decorations’ está disponível para essa data. — Ele estende a mão, entregando-lhe um documento com as informações necessárias para o relatório.
Oshi, que tinha cabelo liso, caído sobre a testa e olhos azuis, já havia resolvido essa questão, inclusive já fazendo toda a parte de reserva. Por sorte, a parte da mobília desse evento era relativamente fácil e não foi difícil encontrar quem pudesse fazê-la.
Victor considerava esse rapaz um dos melhores funcionários da empresa, sempre que precisava, ele resolvia as questões com muita facilidade e profissionalismo.
Após um breve diálogo, Oshi se retira, colocando-se à disposição caso Victor precisasse e ele agradece.
Victor ainda estava pensativo em como iria fazer com a ‘Decor Love’, a empresa que falhou no compromisso.
Pouco tempo depois, Aki retorna à sala, com duas latinhas em mãos.
Victor não percebe a aproximação dela, pois estava concentrado fazendo o relatório do ocorrido e alterar a programação do evento.
Com um sorriso e tom alegre, ela fala:
— Olá, novamente. Eu trouxe um chá gelado para você. — Ela estende a mão, um pouco hesitante, oferecendo-lhe a bebida e ele aceita, agradecendo-lhe pelo gesto. — Qual empresa que deu para trás dessa vez?
Victor se surpreende com a pergunta dela, apesar de não mudar sua expressão.
— Eu nem tinha comentado com você sobre o ocorrido. Como soube? — Indaga, curioso para saber a resposta dela.
A garota puxa sua cadeira, girando-a, colocando-se de frente para com Victor.
— Dá para ver no seu rosto quando uma empresa vacila com o compromisso. Além disso, não é comum os outros departamentos darem as caras por aqui.
Victor esboça um sorriso em seus lábios.
— Você realmente é incrível, Aki. — Victor a elogia, sem perceber muito a profundidade com que falou aquelas palavras.
Essa tinha sido a primeira vez que ele tece um elogio para ela, ou melhor, para alguém da empresa, sem ser diretamente sobre o trabalho bem feito. Aki foi pega de surpresa, sentindo seu coração acelerar por um curto período.
Ela ajeita o cabelo, colocando uma mecha solta atrás da orelha, virando sua cadeira para o seu computador, após agradecer timidamente.
Digitando as palavras em seu computador, de um documento que estava fazendo antes dela se retirar, palavra por palavra quase automaticamente, ela se perde em seus pensamentos, sobre como ele a elogiou de uma forma que não era comum dele fazer.
Logo, seus pensamentos são jogados para longe, quando ela volta para si, com a voz dele a chamando.
— Desculpe, eu estava viajando. — Ela justifica, virando-se para ele.
— Eu perguntei se você acredita em milagres. — A pergunta repentina faz Aki levantar uma sobrancelha, surpresa.
Primeiramente, ele estava iniciando um diálogo com assunto fora do serviço de forma espontânea e depois que era um questionamento muito específico e, talvez, até aleatório.
— Sim, eu acredito. — Ela responde com convicção e firmeza. — Também acredito que, às vezes, é a única forma que temos de seguirmos em frente.
Victor balança a cabeça lentamente, como se processe as informações que ela disse.
— Para mim, pode chegar a parecer um conto de fadas. — A resposta dele soou um pouco pesada para a garota. Ela pensa por um tempinho antes de falar.
— Para alcançarmos alguns milagres, precisamos acreditar nele e seguir firme com esse objetivo. — O que ela disse chegou até Victor, que assentiu, absorvendo as palavras ditas.
— Vou acreditar em você.
Aki sorri com a resposta dele, e ela sente que talvez tenha ficado enrubescida quando ele sorri de volta, mesmo que brevemente. Então, ele se vira para seu computador e não toca mais no assunto.
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