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    08 de janeiro de 2024, segunda-feira.

    Já era manhã, quando Aki abriu os olhos. Ao conferir as horas, percebeu que já era, relativamente, tarde. Ela impulsionou o corpo, sentando-se na cama e vê Victor na sacada do apartamento, com um olhar longe e pensativo. 

    Ela hesitou em chamá-lo, enquanto ajeitava seu cabelo com as mãos, amarrando-o num rabo de cavalo. Rápido e eficiente para o momento. Ela se levantou, como se ajustasse a roupa ao corpo. Pensou se deveria chamá-lo para alertar ou fazer uma brincadeira. Estava dividida entre os dois pensamentos, mas seu corpo se moveu por impulso, silenciosamente. 

    Um sorriso travesso brotou nos lábios dela, quando ela decidiu o que faria. Ela caminhou em passos silenciosos e percebeu que Victor estava com fones de ouvido. Ela aumentou a velocidade e, sem que ele percebesse sua aproximação, ela envolveu os olhos dele com as mãos. 

    “Por que eu agi assim?” Pensou, quando finalmente caiu a ficha do que fez. Seu corpo quase se moveu instintivamente para voltar, mas ela se forçou a continuar. Já havia começado a brincadeira, não tinha como voltar atrás. 

    Ela sentiu as maçãs do rosto queimar ligeiramente, porém, não recuou. Victor segurou uma das mãos dela, movendo-a tranquilamente, enquanto tirava um dos fones com a outra. 

    — Bom dia, Victor! — Ela cumprimentou, calorosamente, antes que ele falasse algo. 

    “Não posso demonstrar fraqueza agora!” Ela continuava com a mente agitada, fervilhando com pensamentos diversos. 

    — Bom dia, Aki! Dormiu bem? — Victor respondeu, arqueando uma das sobrancelhas com a surpresa da atitude dela. 

    Ela sentiu a intensidade de sua timidez quando viu que Victor não havia soltado sua mão, segurando-a ainda com firmeza, embora sentisse uma sutileza no toque. 

    Era intenso, quente, confortável. Seu coração estava acelerado e, por um momento, sentiu um desejo de abraçá-lo, mas se segurou. Pensou que já havia extrapolado seus limites de brincadeira ao tapar sua visão. 

    — Dormi, sim. Consegui descansar. Olha as horas! Dormi mais que a cama. — Ela respondeu, após um instante de silêncio constrangedor, com uma risada para deixar o clima mais tranquilo. 

    Victor riu discretamente e, lentamente, soltou a sua mão, iniciando uma caminhada. 

    — Eu estava te esperando para comermos. Vou te esperar do lado de fora. — Ele disse, antes de sentir Aki segurando seu braço. Um toque leve, mas o suficiente para fazê-lo parar. 

    — Não precisa esperar lá fora. Eu agradeço pela consideração… — Aki falou pausadamente, procurando palavras para se pronunciar. — Eu confio em você, Victor. Não precisa sair. Vou me arrumar rapidinho. 

    A fala dela ecoou na cabeça de Victor, como se tivesse numa caverna e ela gritasse. Seu coração saltou, disparado, ao ouvir palavras que, para ele, foram gentis e soaram de um tom que o deixou extremamente feliz. Um sorriso se formou em seus lábios, sem que ele percebesse. 

    — Certo. Então vou te esperar aqui. — Ele respondeu, ao vê-la de soslaio andando rapidamente para pegar seus pertences e ir para o banheiro.

    Victor caminhou até o sofá e se sentou, retirando seu celular do bolso. Ele abre a galeria e começa a ver suas fotos recentes. A maioria das suas fotos, de um tempo para cá, foram tiradas junto de Aki. 

    “Não tenho como negar. Eu gosto de você, Aki.” Pensou, admirando uma foto dos dois no zoológico no dia anterior. “Mas não posso falar isso agora. Quando retornarmos ao Japão, penso melhor no assunto.” Se decidiu, após um diálogo interno e a decisão ser tomada. 

    Victor ouviu a porta do banheiro abrindo e, ao ouvir Aki dizer que estava pronta, ele se virou, vendo a japonesa vestindo um short jeans e uma camisa, de pano leve e solto, de cor branco com um discreto bordado no canto esquerdo superior. Além disso, seu cabelo já estava penteado, amarrado num rabo de cavalo. 

    Parecia que ela ainda tentava se acostumar ao pouco pano da parte inferior, embora Victor a explicou ser comum aquela vestimenta na região, e ela ter reparado isso nas outras garotas. Apesar disso, concordou que era confortável e “caía bem”. 

    Já Victor estava usando uma bermuda de tom verde escuro e uma camisa branca. Após pegarem alguns pertences, organizados em duas mochilas distintas. 

    O céu estava claro, com poucas nuvens e o sol escancarado no alto. Já era por volta das onze horas quando uma BMW X6 passava por uma estrada de Brumadinho. Faltava pouco para que, o veículo com dois ocupantes, sendo eles, Victor e Aki, chegasse ao destino. 

    Apesar do calor externo, dentro do carro parecia um mundo à parte. A temperatura regulada pelo ar condicionado era confortável, além de todo conforto que era proporcionado pelo luxo do carro. 

    Aki fazia vários comentários sobre a paisagem, e sempre que tinha a oportunidade, elogiava o veículo. Era irrefutável o fato dela ter achado aquele carro incrível — e ela entendeu o motivo da admiração de Victor por ele, segundo o que ele mesmo contou. 

    Passado algum tempo, Victor estacionou debaixo de algumas árvores, que ficavam à beira da estreita estrada de pedras, que ornamentavam a entrada. Havia outros poucos veículos estacionados no mesmo lugar. 

    Depois de descerem, caminharam, até finalmente estarem dentro do Instituto Inhotim. Um veículo elétrico, reservado antecipadamente por Victor, aguardava para conduzir os dois para uma exploração mais completa dos cento e quarenta hectares do lugar. A pé, dificilmente conseguiriam aproveitar toda arte disponível lá. 

    A cada curva do caminho, Aki parecia ser surpreendida pelo que via. O carrinho elétrico deslizava suavemente entre jardins esculturais, espelhos d’água e construções que faziam sua imaginação viajar. 

    Ela se inclinava levemente para fora do veículo, os olhos ampliados como se desejassem absorver tudo de uma vez. Suas mãos apertavam levemente os joelhos — talvez para conter a ansiedade ou, quem sabe, a vontade de sair correndo entre as obras e plantas exuberantes.

    Internamente, ela se sentia como uma criança que acabara de conhecer algo que desejava muito — embora não fosse esse o caso, já que até pouco tempo, ela nem sabia da existência daquele museu natural. 

    O primeiro ponto de parada foi um jardim com palmeiras de formas exóticas, ladeado por uma trilha de pedras brancas que levava até uma instalação composta por espelhos gigantes. Aki desceu primeiro, com os olhos fixos nos reflexos múltiplos. Cada ângulo oferecia uma perspectiva diferente: do céu, das árvores, dela mesma, de Victor… de tudo ao redor.

    — Parece até mágica… — sussurrou, rindo, sem perceber que havia falado em voz alta. Por um momento, ela sentiu vergonha pelo que disse, mas ignorou. 

    Victor sorriu, sem comentar. Apenas a observava. Ela dava pequenos passos, como se estivesse em um santuário. Tocava as estruturas com a ponta dos dedos, como se cada centímetro exigisse cuidado e respeito. Alguns comentários foram feitos por eles e depois voltaram ao veículo.

    Em outro momento, passaram por uma galeria imersa em sons naturais. Pássaros, vento, água. A instalação sonora preenchia o espaço, e Aki fechou os olhos por alguns instantes, deixando o som se infiltrar.

    — Isso me lembra do Japão — comentou. — Mas ao mesmo tempo… não tem nada a ver com lá.

    Victor não respondeu de imediato. Ele apenas olhava para ela, com uma expressão suave. A luz que filtrava entre as copas das árvores caía sobre o rosto de Aki, criando manchas douradas em sua pele e cabelo. Ela parecia parte da obra.

    — É verdade. — Finalmente respondeu, virando-se para uma determinada direção, como se fugisse do olhar dela. Seus pensamentos estavam bagunçados com algumas recentes teorias preenchendo sua mente. Sem querer focar nisso, chamou a garota para voltar ao carro.

    Continuaram o trajeto. Passaram por esculturas gigantes de aço, um lago com bancos coloridos à margem, e um corredor de árvores cujos galhos entrelaçados formavam um teto natural. Aki fotografava quase tudo, mas principalmente os detalhes: uma flor, a textura de uma escultura, o reflexo de um vitral na água.

    Na frente do famoso pavilhão com as obras de Adriana Varejão, Aki parou. Seus olhos se fixaram na parede com rachaduras que pareciam feridas abertas. Ela levou um dedo aos lábios, pensativa.

    — Isso… é forte — disse, quase num sussurro. — Parece que a arte sangra.

    Seus olhos estavam fixados no muro, quase se quisesse compreender o significado. 

    Victor arqueou as sobrancelhas. 

    — Acho que você entendeu o conceito… pelo menos, para mim, seria algo nesse sentido.

    Ele observou ela, que ainda se mantinha concentrada por alguns segundos. 

    — Talvez seja. — Ela riu. 

    Voltaram a andar e, depois de caminharem por mais uma parte do jardim, o carrinho parou próximo a uma área com bancos e sombra. Ali, Aki tirou da mochila uma garrafinha de água e se sentou. 

    — Esse lugar é muito diferente. — Disse, olhando ao redor. — Acho que… é uma experiência única. 

    Victor, sentado ao lado dela, apenas assentiu. Havia algo nela naquele instante — talvez o brilho nos olhos, ou a forma sincera de falar — que parecia lhe atrair ainda mais. 

    — Ainda temos alguns espaços pra ver — ele disse. — E uma surpresa mais no fim da tarde. Espero que goste.

    — Surpresa? — Ela virou o rosto para ele, arqueando uma sobrancelha.

    Victor apenas sorriu.

    — Você vai ver.

    E então, o carrinho voltou a se mover, levando os dois para o restante do passeio. 

    O céu já estava tingido de laranja e rosa, explicitando o entardecer, quando Victor desviou discretamente o carro da rota principal, pegando uma estrada secundária de terra batida. Aki, no banco ao lado, se segurou discretamente quando o carro sacolejou.

    — Estamos perdidos? — ela perguntou, meio em tom de brincadeira, mas com uma pontinha de incerteza.

    — Não. Pelo menos… não completamente. — Victor respondeu com um leve sorriso. — Quero te mostrar um lugar.

    Aki não insistiu. Confiava nele. Ficou observando o caminho, curioso e irregular, até que o carro parou próximo a uma cerca de madeira envelhecida. Victor desligou o motor.

    — Vem.

    Ele saiu do carro e contornou o veículo para abrir a porta para ela. Caminharam juntos por uma pequena trilha de terra, até que o terreno se abriu em um platô natural. À frente, a paisagem de Brumadinho se estendia em ondulações suaves, com morros e vales banhados pela luz dourada do entardecer. No horizonte, uma linha de montanhas delineava o céu.

    Victor parou ali, ao lado de uma pedra grande que funcionava como banco improvisado. Aki o acompanhou e permaneceu em silêncio, assim como Victor, que, por um momento, observou a paisagem antes de dizer:

    — Meu saudoso avô, costumava me trazer aqui quando eu era criança. Ele dizia que esse era o lugar onde a gente podia “lembrar das coisas certas”. Eu nunca entendi exatamente o que ele queria dizer… Pelo menos, na época. 

    Aki sentou-se devagar sobre a pedra, os olhos fixos no cenário vasto à sua frente. Era como se toda a cidade estivesse na “palma de sua mão”. Uma sensação de paz e de liberdade preenchia o ar. 

    — É lindo. Parece até uma pintura. — ela sussurrou, como se tentasse encaixar a mão na montanha ao longe. 

    Victor assentiu, com um olhar distante.

    — Sempre que a vida começava a ficar confusa… ou difícil, eu me lembrava desse lugar. Eu vim aqui várias e várias vezes após aquela data… Acho que eu posso afirmar que essa pedra é uma amiga íntima, conhece meus segredos e minha dor. — Ele riu brevemente. — Acho que hoje, eu precisava lembrar de algumas coisas certas… Na verdade, acho que refletir sobre certas coisas. 

    “Que ironia de palavras…” Ele pensou, rindo internamente de sua confusão ao falar.

    Ela o olhou de lado. Não havia tristeza no tom dele, apenas uma sinceridade calma. Uma calmaria, de certa forma, rara. 

    — E por que me trouxe aqui? — A japonesa perguntou, a voz suave e duvidosa.

    Ele demorou um pouco para responder. Um leve vento fez balançar os fios soltos do cabelo de Aki.

    — Porque, mesmo que eu não saiba explicar tudo o que estou sentindo… achei que seria certo dividir isso com você.

    “Não vá falar demais!” Victor se repreendeu. Sua cabeça estava com, talvez, mais dúvidas que certezas. 

    Aki baixou os olhos, o coração apertando de leve no peito. Não sabia como responder. Então apenas sorriu. Sua pele arrepiava, mas não era de frio. 

    Victor desviou o olhar para o horizonte.

    — Vamos? Já já escurece de vez. 

    — Vamos. — ela disse, mas não se levantou de imediato. Quis guardar aquele momento por mais um segundo. E ele também. Na verdade, era como se o mundo tivesse parado por um momento. A cabeça dos dois estavam cheias de pensamentos, dúvidas, certezas e vontades. 

    Isso fez com que, seus corpos, involuntariamente, hesitassem em partir. Ali, naquele momento, parecia que certas coisas podiam se resolver. Sentiam isso.

    Naquela breve pausa, entre o pôr do sol e o silêncio dos dois, Victor se levantou primeiro, erguendo a mão para ajudar Aki a se levantar. Ela o fez, quase naturalmente. 

    Victor segurou a mão dela, e depois, erguendo-a, ficando palma a palma com ela, a encarando. O horizonte ao fundo fazia parecer uma cena cinematográfica. 

    — Aki… eu… — Ele falou, baixo, cheio de hesitação, mas cheio de desejo. 

    “Aki… eu quero te falar. Quero falar isso… Mas acho que não está no momento certo. Você me deixa perdido!” Ele estava sendo bombardeado pela sua introspecção, como se seu eu quisesse o confundir. 

    — Você? — Aki perguntou, com os olhos brilhando com os poucos resquícios de luz solar restante no céu. Seu coração batia rápido, sentia seu corpo quente, uma sensação atravessava seu peito. Empolgação? Ansiedade? Medo? O que era esse sentimento? Ela se perguntava essas coisas, enquanto outra parte de si imaginava vários cenários do que poderia acontecer ali. 

    Victor entrelaçou os dedos nos de Aki e apertou, de forma carinhosa. Aki sentiu um arrepio percorrer seu corpo. Ele nunca havia pegado sua mão daquele jeito. Isso fez seu corpo encher de um desejo que ela não conhecia. 

    — Victor?

    Ela perguntou, ansiando uma resposta que ela desejava — embora não soubesse ao certo o que seria. 

    Os segundos seguintes de silêncio pareceram uma eternidade. Cada segundo pareceu minuto.

    “O que você quer falar?” Ela se perguntava. Parecia uma tortura aquele silêncio. 

    — Vamos? — Victor virou-se, falando com um tom calmo e um sorriso. 

    “Que merda você está fazendo? Jura?” A briga interna continuava. 

    Aki ficou atordoada com a ação repentina e completamente inesperada. 

    “O que ele queria me dizer?” Esse pensamento martelava sua mente, mas ela apenas o seguiu de volta para o carro. Falaram pouco, apenas reforçando o quanto ali era bonito e incrível. 

    Mas nenhum dos dois tocou no assunto final, receosos de acabarem numa situação embaraçosa. Mesmo que não tivessem, necessariamente, lembrado de algo naquele lugar, como o avô de Victor descrevia, sentiam, porém, que lembrariam daquele lugar de uma forma intensa — fosse pela beleza natural, pelos sentimentos envolvidos ou pelas palavras não ditas. 

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