Capítulo 64: Gruta
10 de janeiro de 2024, quarta-feira.
Victor estava sonolento quando decidiu ir ao banheiro de madrugada. Seus olhos pesados e seu corpo relutante em prosseguir. Caminhou, após se levantar devagar e evitando fazer qualquer barulho desnecessário.
Enquanto retornava, flashes do dia anterior vinham em sua mente. Seus comentários, que soavam até idiotas e talvez infantis, na tentativa de deixar o clima mais leve, ecoavam em sua mente cansada. As brincadeiras que fez e sua atuação, tudo isso passava em pequenas cenas até ele finalmente chegar em sua cama.
“Você está me bagunçando, Aki!” Exclamou internamente. “Estou agindo que nem um bobão.”. Ele sabia que suas ações recentes estavam fora do padrão daquela armadura contra o mundo que ele criou nos últimos anos. “Será que é por estar no Brasil ou é por sua causa?”
Ele virou para o lado, sendo possível visualizar, parcialmente, a garota.
— Eu tenho certeza de que quero estar com você, Aki. — Victor murmurou, tão baixo que soou quase como um pensamento.
“E se ela ouviu?” Logo esse pensamento o atingiu e ele hesitou, sentando-se na cama e forçando a visão para o lado dela. “Para de agir assim! Está parecendo um idiota!” Ele se repreendeu. Então, deitou quase de forma desleixada no colchão, com os braços abertos e barriga para cima.
— Eu realmente sou um cara viúvo? Estou agindo feito adolescente! Que droga! — Resmungou. — Aki, daqui em diante, eu vou começar a agir direito. Eu prometo! O que você fez por mim, não tenho como te recompensar. Mas vou fazer meu melhor. E, na oportunidade que eu tiver, eu vou te dizer tudo isso.
Victor comentou, de forma introspectiva e decidida. Logo, começou a pensar em alguns cenários e, em algum momento, adormeceu.
…
O som abafado dos passos dava lugar ao eco suave conforme Victor e Aki se aproximavam da entrada da gruta. A vegetação ao redor parecia se curvar diante a imponência do paredão de pedra coberto por musgos e raízes entrelaçadas.
— Uau… — Aki murmurou. — Isso é incrível.
Victor assentiu, ainda observando o entorno.
— Bem-vinda à Gruta do Maquiné. — Victor disse, estendendo uma mão como se apresentasse a entrada. — Vai ser um passeio divertido.
Ela se aproximou devagar, olhando para o teto rochoso logo na entrada, onde pequenas gotas d’ água caíam ritmadas, criando um compasso natural e agradável. O ar era mais fresco ali, e um cheiro de petricor pairava no ar.
— Vai na frente — ela disse. — Prefiro ficar atrás de você.
— Tudo bem. Eu vou. — Victor ligou a lanterna que carregava na mochila até poucos momentos atrás, tomando a dianteira.
Aki se aproximou mais dele, de forma quase imperceptível. O som dos dois entrando juntos, com as luzes da lanterna projetando sombras dançantes pelas paredes da caverna, marcavam o início do passeio.
Cada passo era com cuidado, temendo o chão irregular. Foi quando Aki viu um vulto e, instintivamente, abanou as mãos próximo à sua cabeça, soltando um grito de susto.
Victor, ao entender o que tinha acontecido, logo voltou-se para trás.
— Era só um morcego.
“Será que devo brincar assim?” Pensou. “Bom, vamos ver no que vai dar.”.
— Eu ainda não tinha me revelado, mas… — Victor falou com um tom grave e teatral, apontando a lanterna para o próprio rosto por baixo, criando sombras assustadoras. — Agora que adentramos este santuário sombrio, o Lord Pacca desperta de seu sono milenar…
Aki arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços mesmo com um leve sorriso surgindo no canto dos lábios.
— Ah não… — murmurou, com um drama convincente de medo.
Victor tossiu como quem se preparava para um grande monólogo e assumiu uma postura altiva:
— E diante dele está… a nobre Lady Yamada! A princesa que, outrora assustada, hoje desafia as trevas com seus olhos de âmbar. Será ela capaz de vencer esse desafio? Um simples morcego já foi o suficiente para assustá-la. — Falou, com desdém teatral no final.
— Ei! — Ela bateu de leve no ombro dele. — Eu não estava com medo. Só me pegou desprevenida. — Justificou, observando ao redor.
— Certo. E desde quando a princesa decidiu que conforto é mais importante do que estética, passou a usar legging preta e uma camisa verde no lugar de uma armadura. Será que consegue lutar assim? — Victor comentou, abaixando a lanterna para iluminar o chão irregular da gruta.
Aki foi pega de surpresa pelo comentário inusitado.
— Hmm… então o Lord Pacca agora é um estilista? — Ela respondeu, com um tom debochado.
Mesmo atuando, eles continuaram caminhando.
— O Lord Pacca evoluiu — ele respondeu com um tom de mistério. — Mas ainda teme o poder de Lady Yamada… ou não… Se me lembro bem, você quase teve seu pescoço mordido… — Ele lembrou do dia do Halloween.
Aki riu, balançando a cabeça enquanto ajustava melhor a alça da própria mochila.
— Lady Yamada deixou uma brecha, mas não terá outra chance, senhor morcegão.
Victor deixou escapar uma risada, já saindo do personagem.
— O eco é incrível, né? Tudo que a gente fala aqui dentro parece mais dramático.
Aki concordou. Enquanto se embrenhavam mais fundo na gruta, a lanterna revelava formações curiosas: estalactites que pareciam dentes pendurados no teto, cortinas de pedra que criavam dobras e sombras, e gotas cintilantes que escorriam lentamente, refletindo a luz em pequenos brilhos.
Ora ou outra Victor e Aki fazia um comentário dentro do personagem fantasioso.
A verdade é que Aki estava com certo receio de entrar na gruta, apesar de estar curiosa para explorar. Já havia lido uma manchete de um acidente numa caverna dessas, além de temer os morcegos e roedores.
Por isso, as brincadeiras de Victor, mesmo que parecem até infantil demais, estavam funcionando para aliviar a sua tensão. Durante boa parte do trajeto, estava distraída e nem pensava sobre o assunto
— Olha. — Aki apontou para uma formação que lembrava uma asa de anjo esculpida naturalmente na parede. — Que lindo. Aqui é tudo tão… calmo. Mesmo sendo escuro, não dá medo.
“Talvez seja por estar com você” Ela pensou, enquanto tocava o ombro de Victor.
— Olha ali também.
O feixe de luz iluminou outra formação, que lembrava um coração, de certa forma.
Victor a observou por um momento, depois voltou o olhar para onde ela encarava.
— Eu acho que a Lady Yamada está muito empolgada na exploração.
Ele sorriu com falsa zombaria e ela riu sem desviar os olhos da pedra. — Talvez seja porque o Lord Pacca tem sido… um bom guia.
— Ah, então você admite — ele disse, inchando o peito. — Eu sou essencial nessa missão.
— Até que comece a fazer piada com morcego de novo.
Ele riu, mas um ruído leve ecoou do fundo da galeria.
— Você ouviu isso? — Aki se encolheu instintivamente, olhando na direção do som.
Victor apontou a lanterna para o teto.
— Pode ser meu povo me chamando. Hora da reunião dos vampiros. — Comentou, de forma zombeteira.
— Se você me deixar aqui sozinha, eu vou jogar uma pedra na sua cabeça. — Aki ameaçou, com falso desespero.
— Ok, ok, você venceu… — Ele deu dois para trás, erguendo as mãos, em rendição. — Não vou me afastar de você.
Victor entrou segurou a mão dela, segurando-a com firmeza.
— Então, eu vou te proteger. Vamos. — Victor deu passos firmes, seguindo em frente, com a lanterna iluminando alguns metros à frente.
Aki sentiu o aperto da mão de Victor e sentiu um calor subir no seu peito. Ela tinha certeza que estava corando e agradeceu por estar escuro o suficiente para ele não ver.
“Agora ficou parecendo que criei esse cenário todo só para pegar a mão dela.” Victor riu internamente, percebendo a situação. “Ela vai achar que tô abusando da situação. Mas, uma coisa é verdade e não vou mais fugir disso: Eu quero, realmente, estar ao seu lado.”
Victor continuou pensando, embora estivesse decidido a esperar uma oportunidade certa para falar sobre isso com ela. Eles apenas conversavam sobre o passeio.
Em determinado ponto, decidiram explorar uma área mais estreita da gruta — e parecia ainda mais escura. Victor a desafiou e ela aceitou.
Victor com uma mão mantinha o contato físico com Aki e com a outra segurava a lanterna. Havia um pequeno declive no terreno da caverna, onde pisou com firmeza e cuidado. Ele os guiou até chegar num ponto ainda mais estreito.
CRAC!
Um barulho ecoou e Aki congelou no lugar por um instante. Victor também ficou atento, procurando a origem do som.
— Isso não foi você, né? — Aki perguntou, com certo receio, já certa da resposta, depois de ouvir outro barulho.
— Não… — Victor respondeu, girando sob os pés, iluminando em volta. — Vamos voltar?
— Só se for agora. — Ela respondeu, dando o primeiro passo. Aqueles barulhos haviam a assustado mais do que percebeu.
Após alguns passos, um barulho agudo e alto ecoou, vindo da escuridão. Aki agarrou o braço de Victor, instintivamente. Ele direcionou o feixe de luz na direção e viu alguns morcegos voando, como se estivessem desgovernados, quase ziguezagueando.
— Só… morcegos. Que alívio. — Comentou, diminuindo a intensidade dos passos.
— Isso não me deixa menos tensa. — Aki comentou, com certo desgosto.
Ele forçou um sorriso, enquanto segurou sua mão com firmeza novamente. Mas um dos morcegos veio na direção de Aki, fazendo-a abaixar por reflexo, tentando se proteger com um dos braços. Ela deu um grito de susto.
Victor a abraçou, acolhendo-a, quando percebeu que os outros morcegos vinham na direção do ruído. A revoada amedrontadora passou por eles, com um som estridente do bater de asas ecoando no espaço estreito, embora não estivessem tão próximos.
Aki não viu nada, apenas fechou os olhos e se encolheu em Victor, que a envolvia com seus braços. Durou poucos segundos, mas foi tão horripilante quanto ver um filme de terror numa madrugada de sexta-feira, treze.
Logo quando o silêncio retornou, exceto pela harmônica canção natural da caverna, como o gotejar ouvido ao longe, Victor perguntou:
— Você está bem? — Dessa vez, direto, sem teatralismo.
— Tô bem. Pensei que fossem bater em mim. — Sua voz pareceu hesitante, mas agradecida.
— Eles só queriam nos saudar. Pense no quanto deve ser solitário aqui. — Victor comentou, tentando manter um tom leve.
— Talvez você realmente seja o Lord Pacca. — Ela riu, tentando manter o clima. — Mas vamos sair daqui. De verdade agora.
Foi uma emoção e tanto. Fosse pelo “ataque” dos morcegos ou fosse pelo abraço protetor de Victor. Ela sentia uma emoção que não compreendia bem, mas que ardia em seu peito.
Victor pegou na mão dela com naturalidade, sem teatralidade dessa vez, para ajudá-la a subir um degrau natural e não soltou novamente, com eles caminhando, agora, sem imprevistos, até o fim do passeio.
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