Capítulo 69: "Isso me deixa feliz!"
17 de janeiro de 2024, quarta-feira.
Aki ajeitou discretamente a alça da bolsa no ombro e soltou um suspiro contido. O ar-condicionado da empresa era o mesmo de sempre, a decoração minimalista da Elegance Affairs seguia imutável, e os colegas ao redor sorriam com entusiasmo ao vê-la. Era como se nada tivesse mudado. Exceto por dentro dela.
Todos que a viram a cumprimentaram, afinal, não se haviam há alguns dias, o que não era comum na empresa. Geralmente, se viam quase diariamente. Ela sorriu, retribuindo os cumprimentos, com Helsing, Yui, Sayuri e Yumi. Caminhou com passos seguros até sua mesa e acomodou-se. Tudo parecia normal — mas não estava necessariamente assim.
O primeiro dia de volta ao trabalho após as férias deveria ser só mais um recomeço comum, mas desde que descobriu que Victor era também um dos principais responsáveis por projetos internos — algo equivalente a um gerente parceiro, embora ele nunca fizesse alarde sobre isso —, algo nela havia se desorganizado. Algo que talvez nem ela soubesse explicar.
“Será que agora eu deveria chamá-lo de ‘senpai’ aqui dentro? Ou agir com mais formalidade? Não… isso seria estranho. Eu acho. Ah, Victor! Você me deixa confusa.” Ela pensava.
Aki apoiou os cotovelos na mesa e entrelaçou os dedos. A tela do computador diante dela ainda estava desligada.
“E se… eu estiver confundindo tudo? E se eu estiver sendo boba? Não é como se ele quisesse que isso acontecesse… Ou será que algo vai mudar? Se acalme, Aki.”
Victor era uma pessoa gentil, próxima, prestativa… e ela conseguiria achar até outros adjetivos para descrever como via ele… mas agora, com a percepção de que ele estava vários degraus acima dentro da estrutura da empresa, algo adormecido nela despertava.
Um sentimento antigo.
De quando ela, ainda adolescente, fazia de tudo para ser reconhecida pelos professores — mesmo sendo boa aluna, mesmo se destacando, acabava ignorada por colegas, marcada por rótulos maldosos. “Esquisita”, diziam. “Distante”. “Sabe-tudo.”
Aki mordiscou o lábio inferior. Aquilo doía. Não pelo passado em si, mas por reconhecer que aquela menina ainda existia dentro dela. E essas lembranças estavam invadindo sua mente, quase uma tormenta.
“Será que Victor me vê apenas como mais uma funcionária? Será que, depois de rever os amigos, ele se lembrou de como era a vida antes? Será que essa viagem ao Brasil vai mudar a forma como ele me vê? Como ele me vê? E se perceber que pode ser mais fácil assim?”
Ela balançou a cabeça levemente, tentando afastar o pensamento, mas tudo voltou tão rápido quanto havia sumido antes. Mesmo com todas as “aventuras” na viagem, mesmo com os passeios, olhares, fotos, momentos… havia uma voz silenciosa que dizia: “Você precisa merecer.” Pensou. “Merecer o quê exatamente?” Continuou.
Um alerta sutil, construído há muito tempo e durante muito tempo, que agora ameaçava ecoar novamente, vir à tona em sua alma.
Enquanto divagava, ouviu o som dos passos dele no corredor, quase imperceptível, mas ela o reconheceu antes mesmo de levantar os olhos. Victor entrou na sala com sua habitual postura séria, um olhar que ela aprendera a admirar, apesar de antes ser um mistério, pouco a pouco, aprendeu a interpretá-lo.
Ele cumprimentou os colegas com um aceno e um sorriso discreto antes de entrar na ala em que trabalhava junto com a garota. Koda se aproximou dele, o contando alguma novidade empolgante, para ele. Victor concordou e comentou algo, antes de adentrar o espaço.
— Bom dia, Aki! — Cumprimentou. Após tantos dias juntos durante a viagem, não vê-la, praticamente, dois dias, foi estranho. — Está tudo bem?
Aki ergueu os olhos, num sorriso, mas o gesto saiu torto. Seus pensamentos estavam a açoitando.
— Está sim… só um pouco pensativa. Primeiro dia depois das férias, né? — forçou uma risada curta.
Victor franziu levemente o cenho, como se quisesse acreditar, mas não conseguisse. Seus olhos a estudaram com atenção. De certa forma, após quebrar aquela armadura antissocial, ele estava conseguindo entender melhor alguns gestos dela.
— Pensativa ou preocupada? — perguntou, sem rodeio. — Você está… diferente? Está passando mal?
Ela hesitou. Olhou para o teclado, depois para a caneca vazia ao lado do monitor. Qualquer coisa, menos os olhos dele. Queria responder com firmeza, com leveza… mas a verdade era que não sabia muito bem o que dizer.
Victor deu um passo à frente e, como se adivinhasse a preocupação dela, disse:
— Não precisa ficar com medo da nossa relação mudar, caso seja isso.
— …Hã? — Aki murmurou, confusa, surpresa.
Ele se aproximou um pouco mais, a voz agora mais baixa, para que só ela ouvisse, ficando agachado para falar com ela:
— Tudo o que construímos nesses últimos meses… nossa amizade, nossa parceria… isso não vai mudar por causa de cargos ou hierarquia. E eu não sou seu chefe, Aki. Sou apenas um Supervisor de Relação de Eventos, assim como você. E você é a líder do nosso departamento, ok?
Ele sorriu, tentando soar o mais natural possível. Nem tinha certeza se era isso, mas juntando tudo que aconteceu recentemente, estava quase convicto do fato.
— Eu percebi que, desde aquela nossa conversa no hotel, você se preocupa com isso. Mas não precisa.
Aki engoliu em seco. Suas mãos estavam frias, apesar de um sentimento quente estar percorrendo seu corpo. Um turbilhão de pensamentos embaralhava seu juízo.
Victor notou o silêncio dela, e tentou soar ainda mais natural.
— Aki — disse com um tom calmo, como se a convidasse a entender o que estava falando —, eu tenho uma gratidão infinita por tudo que você fez por mim nesses últimos meses.
Ele respirou fundo, pensando antes de continuar.
— Graças à sua curiosidade, à sua maneira de querer entender tudo, até o que eu não dizia… você conseguiu me trazer de volta pra realidade. Eu estava me isolando, achando que viver em uma bolha era mais fácil. Mas você me puxou de volta para a vida. De volta pro mundo real.
Ela o encarou, olhos arregalados, e a primeira lágrima ameaçou surgir. Desviou o rosto rapidamente, cabisbaixa, fingindo ajeitar algo na mesa. Victor fingiu não perceber, já que ela tentou esconder.
— Eu gosto de você justamente por quem você é. Desse jeitinho. Com esse coração enorme, essa sensibilidade, essa vontade de crescer. Não muda isso. É isso que faz quem você é.
O silêncio se estendeu por três segundos longos — até Aki balançar levemente a cabeça, com um meio-sorriso tímido.
“Eu gosto de você? Gosta como? Fala direito, caramba! Assim você me deixa perdida. Ah!” Os pensamentos de Aki ficaram como em um furacão, uma bomba explodindo. O que ele queria dizer com essas palavras? Ela se perguntava de forma incessante.
— Bobo… — murmurou, com a voz trêmula e hesitante. Queria ouvir mais, queria perguntar mais.
Ela sentia uma vontade absurda de abraçá-lo ali mesmo. Queria esconder o rosto no peito dele, sentir o calor daquele carinho tão puro. Mas conteve-se. Sua mão se fechou suavemente sobre o tecido da saia, enquanto o coração latejava. Seus olhos brilhavam, mas ela não deixou nenhuma lágrima escorrer.
Um sorriso se formava no canto dos lábios, mesmo lutando contra o peso do que sentia.
“Talvez eu ainda tenha que lidar com minhas inseguranças… Saber o que realmente ele sente. O que é esse gostar?” De tudo que Victor falou, o significado dessa palavra podia mudar tudo. Queria entendê-lo.
Victor ficou ali, observando-a em silêncio por um instante. Seu olhar era um misto de preocupação e ansiedade, pelo que disse. Ele sabia que aquelas palavras podiam soar com mais de um sentido. Por um momento, deixou escapar suas palavras sem pensar direito. Então, sem aviso, ele se aproximou e a envolveu num abraço.
— Desculpa ser invasivo… — murmurou ele, próximo ao ouvido dela — mas me deixa triste te ver assim. Quero que você esteja feliz… isso me deixa feliz também.
Aki congelou por um segundo. O mundo ao redor pareceu silenciar. Seu coração disparou. Sentiu o calor dele, o cheiro leve e familiar, e todo aquele cuidado desarmando suas defesas. Apesar de não ser a primeira vez, aquele momento, após aquelas palavras, foi tudo tão inesperado.
Sem dizer nada, ela fechou os olhos e retribuiu o abraço. Por alguns segundos, foi como se o tempo tivesse parado. Porém, logo recuaram, sabendo que estavam no trabalho e não deviam fazer isso. Aki sentia as bochechas queimando. Limpou discretamente os olhos e respirou fundo.
— Eu… vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para cumprir a minha promessa — disse, encarando-o com firmeza. — Eu prometi que ia te ajudar… e vou continuar.
“Eu consigo. Não vou voltar atrás agora. Você não sabe o quanto suas palavras me atingiram.” Pensava.
Victor sorriu, encarando-a nos olhos.
— Aki… você já me ajudou de um jeito que eu nem sei como colocar em palavras. De verdade. Mas… seria ruim se você achasse que, por já ter feito isso, precisa se afastar.
Seu sorriso continuou no rosto, algo raro essa expressão se manter por tanto tempo.
— Então, você tem que me prometer outra coisa agora: que não vai se afastar quando sentir que já cumpriu seu objetivo. — Ele finalizou.
Ela hesitou, mas acabou rindo também, com um brilho renovado nos olhos.
— Prometo.
Então, ainda com aquele clima mais leve no ar, voltaram a organizar os papéis e documentos espalhados pela sala. E o dia continuou normalmente, com uma breve reunião com o chefe Akashi, informando algumas novidades com o retorno das atividades. Na hora do almoço, conversaram bastante com seus colegas de trabalho, inclusive Victor estava se demonstrando mais aberto com eles. Aki observou isso e se sentiu imensamente feliz pelos avanços que Victor obteve.
“Isso me deixa feliz!” Ela pensou, com um sorriso, enquanto trocavam palavras numa conversa amistosa.
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