Capítulo 74: Conectados
27 de janeiro de 2024, sábado.
Victor levou a mão até a nuca, coçando distraidamente enquanto desviava o olhar para o chão, como se buscasse uma resposta entre as linhas do piso. Por fora, mantinha a calma que lhe era típica, mas por dentro… um turbilhão de pensamentos o fazia vacilar.
“O presente da Haru nos torna irmãos… e o seu nos torna…”
As palavras se repetiam em sua mente, em um ciclo vicioso que o impedia de completar a frase de forma simples. Como colocar em palavras algo que ele mesmo ainda estava aprendendo a sentir? Sabia exatamente o peso que aquela pulseira tinha para ele, mas expor isso diante de Aki era como se despir o coração — e ele ainda carregava as cicatrizes do passado.
Aki não o pressionou. Apenas o olhava, com os olhos levemente arregalados, como se cada segundo de silêncio fosse um martelo batendo contra sua própria coragem. A hesitação de Victor a fazia questionar se havia ultrapassado algum limite, se havia interpretado mal suas ações, ou pior… se estava criando sentimentos onde não havia espaço.
Victor, por fim, soltou um leve suspiro, e sem encará-la diretamente, olhou para o próprio pulso, onde a pulseira de miçangas descansava, quieta, mas sempre presente. O azul-turquesa e o preto contrastavam com sua pele, e de alguma forma, aquilo parecia conter mais do que simples contas entrelaçadas: era um elo.
— A pulseira que você me deu… — ele começou, com a voz baixa, como se falasse mais para si do que para ela. — É… diferente.
Aki manteve o olhar nele, mesmo que seu coração acelerado a fizesse querer desviar. Havia um calor crescente em seu rosto, uma mistura de nervosismo e expectativa.
Victor continuou, devagar, escolhendo cada palavra com cuidado:
— Quando você me deu essa pulseira, eu não pensei muito na hora. Mas depois… — ele parou por um segundo, como se organizasse os pensamentos. — Sempre que olho pra ela, me lembro de você. Não só como amiga, nem só como colega de trabalho. Mas como… algo que eu ainda não consigo definir. Mas que eu quero. Muito.
O silêncio que se seguiu foi denso, quase palpável. Aki apertou as mãos sobre o lençol, sentindo o coração bater em sua garganta. Suas bochechas estavam rubras, e sua mente girava com rapidez.
“Será que ele quis dizer…? Não. Mas talvez sim? Mas e se for apenas uma amizade especial? Não, ele disse que queria. Queria o quê?”
Victor levantou os olhos e a encarou, com um leve sorriso nos lábios, mas que escondia uma profunda sinceridade.
— O fato de você ter feito isso… de me dar algo tão seu, com tanto significado… me fez perceber que eu não me importaria de ter você ao meu lado por muito, muito tempo. Talvez… a vida toda.
Aki prendeu a respiração, completamente sem palavras.
Era como se o tempo tivesse parado por um segundo. Nenhum ruído externo, nenhum movimento. Apenas ela e aquelas palavras, envolta em um manto de ambiguidade reconfortante e assustadora ao mesmo tempo.
— V-Victor… — ela tentou responder, mas sua voz saiu quase num sussurro.
Ele desviou o olhar por um momento e riu, um pouco sem graça.
— Desculpa, acho que falei demais. É que… — ele hesitou, depois voltou a olhá-la. — Você é especial, Aki. E tudo que envolve você… sempre me faz querer viver algo novo. Esse presente nos deixa conectados, de alguma forma.
Aki sentiu o peito apertar com ternura. Um milhão de respostas se formaram em sua mente, mas todas se chocavam entre si, e nenhuma saía pela boca.
Ela, então, apenas assentiu, discretamente.
…
O silêncio ainda pairava no ar, denso e carregado de significados. Aki desviou o olhar por um instante, tentando organizar a confusão boa que se formava dentro dela. Seu coração batia tão rápido que quase conseguia ouvir os batimentos. Já Victor, ainda sentado ao lado da cama, mantinha a postura calma, mas seus olhos vagavam discretamente pela expressão dela, buscando entender se havia dito algo além do necessário.
Por fim, ele inspirou fundo.
— Aki…
A forma como ele disse seu nome foi suave, como se pedisse permissão para quebrar aquele momento silencioso. Ela voltou os olhos para ele, ainda sem saber o que esperar.
— Eu… tenho algo para você.
Ela piscou, surpresa.
— Algo para mim?
Victor assentiu. Ele então buscou no bolso da jaqueta, dobrada sobre a poltrona ao lado, e retirou um pequeno embrulho. Era apenas um saquinho de tecido macio, marfim, com uma cordinha simples para fechar. Aki inclinou a cabeça, curiosa, quando ele abriu o saquinho e retirou o que estava dentro.
— Isso… — Victor começou, um pouco sem jeito — era para ser uma surpresa quando você tivesse alta.
Ele segurava uma pulseira simples, de miçangas, mas cuidadosamente feita. As bolinhas de tom turquesa e preto estavam organizadas em uma única fileira contínua, intercalando-se com perfeição. Era discreta, elegante em sua simplicidade — e muito semelhante à que ele mesmo usava, com a diferença de que a dele era dupla.
Aki ficou alguns segundos olhando para a peça, sem dizer nada. Seu coração parecia ter parado por um instante.
— Victor… — ela murmurou, baixinho. — Não é nenhuma data especial hoje…
— Claro que é. — ele respondeu, tentando soar casual o suficiente. — É o dia em que você descobriu meu segredo.
Ela arqueou as sobrancelhas, confusa.
— Seu segredo?
Victor assentiu, passando o dedo polegar pela lateral da pulseira.
— O segredo de que… — ele a encarou — essa pulseira que eu uso… sempre representou mais do que só um presente seu. Sempre que eu olho pra ela, eu lembro que você entrou na minha vida de uma forma inesperada e me ajudou a ver o mundo com outros olhos. Me tirou do escuro. Me trouxe de volta.
Ela ficou sem reação. Apenas o ouvia, querendo dizer algo, mas não achava palavras. Seus pensamentos estavam muito confusos.
— Aki, eu comprei essa pulseira pra te dar quando você melhorasse. — Ele continuou. — Mas já que estamos falando disso agora… não quero deixar passar o momento.
Gentilmente, ele estendeu a mão e segurou o pulso dela. Aki observou em silêncio, enquanto ele passava a pulseira por sua pele clara, ajustando o pequeno fecho com cuidado, até que ela estivesse perfeitamente encaixada.
— Pronto. — disse ele, soltando suavemente sua mão.
Ela olhou para o acessório, emocionada.
— Victor… eu nem sei o que dizer. É… linda. Mas por quê?
— Porque agora — ele disse, com um pequeno sorriso — estamos conectados.
Victor ergueu o próprio punho mostrando a sua pulseira e Aki ergueu os olhos para ele.
— Sempre que você olhar para essa pulseira, quero que se lembre disso: você pode contar comigo. Sempre. Em qualquer momento. Mesmo quando eu estiver longe, mesmo quando estivermos ocupados… eu vou estar com você.
Ela sentiu uma pontada de emoção no peito. Os olhos se encheram de lágrimas sem que percebesse, e sua voz saiu falhada quando tentou dizer algo.
— Eu… não mereço isso tudo…
— Merece, sim. — ele a interrompeu, sério. — Você merece muito mais do que isso. Eu só não consigo expressar melhor. Mas essa pulseira é meu jeito de dizer que… você não está sozinha. Nunca mais.
“Que situação… Não dá para eu dizer o que eu quero agora.” — Victor pensou, descontente pela situação que se encontravam. Não podia simplesmente se declarar ali.
Aki mordeu levemente o lábio, pensativa. Sentia como se um furacão estivesse dentro de si, bagunçando todo seus sentimentos e raciocínio. Não sabia como falar o que queria.
— Eu fiquei tão assustada esses dias… achei que estava atrapalhando, que talvez estivesse interpretando tudo errado, que… — ela parou, respirando fundo. — Que talvez você não me visse da mesma forma.
Victor inclinou a cabeça, intrigado.
— Da mesma forma?
Ela corou. Percebeu que já havia atravessado uma linha e que não dava para voltar mais. Reuniu coragem para dizer:
— Como alguém… especial. Que tem lugar no seu mundo.
Victor ficou em silêncio por alguns segundos, deixando Aki aflita. “Será que exagerei?” — Ela pensava. Seu coração, inquieto, parecia que explodiria a qualquer momento.
— Se não ficou claro até agora… — Victor começou a responder, fazendo uma breve pausa, como se organizasse suas palavras. — Então, quero que você saiba bem disso.
Ele se inclinou ainda mais, ficando bem próximo dela, segurando sua mão. Aki congelou no lugar, um frio atravessava sua espinha com a proximidade, a fala, o gesto. Tudo era muito intenso.
— Você é muito especial para mim, Aki. Eu não consigo explicar agora, não posso te dizer tudo que quero agora… — Murmurou no final, tentando se explicar. Falou mais do que havia planejado.
Aki estava quase incrédula no que ouvia. Aquelas palavras haviam sido muito inesperadas e atingiu a garota em cheio, fazendo seus sentimentos quase explodirem.
— O – o quê você quer dizer? — Ela gaguejou, fingindo não ter entendido.
Victor pensou antes de responder: — Eu… eu apenas gosto de você. Você é especial para mim… — Após uns instantes, ele desviou o olhar, reclamando na cadeira.
Aki permanecia imóvel, mas seu coração parecia que iria sair do peito a qualquer momento. Só que, juntando todas as peças, entendeu que, talvez, Victor apenas não quisesse falar disso naquele ambiente. Ou seria sua imaginação? Ela decidiu deixar para pensar nisso depois.
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