Capítulo 76: O jantar prometido
03 de fevereiro de 2024, sábado
A baixa temperatura e a alta umidade do ar deixavam o clima absurdamente frio. Os ventos cortavam pelas ruas com um assovio feroz, e mesmo dentro de casa, sob a proteção das paredes bem vedadas, era possível ouvir o lamento gélido do lado de fora. O som se misturava ao sutil estalar do aquecedor ligado na parede, preenchendo o ambiente com uma vibração suave e constante.
A sala de Aki, com suas paredes brancas e detalhes delicadamente posicionados, parecia ainda mais aconchegante sob a iluminação amarelada da luminária sobre a mesa. Havia um toque de lar ali, algo que Victor poderia descrever como um bom lugar. Poucos lugares fazia ele se sentir daquela forma.
Victor ainda pensava em como ficou surpreso ao ver Aki naquele instante, quando ela o recebeu mais cedo. O vestido verde de mangas compridas, de tecido leve e solto, contrastava com o tom claro da pele dela. O tecido parecia confortável e aconchegante para a ocasião. O sorriso que ela deu ao recebê-lo na porta foi ainda mais marcante — caloroso e sincero.
“Ela está linda!” — Victor pensava, lutando internamente para não verbalizar o que sentia… ou tentando, pelo menos.
— Você está linda… — Ele deixou escapar, num tom mais baixo, como se dissesse algo corriqueiro, mas evitando olhar diretamente para ela.
Aki congelou por um breve segundo. O rosto imediatamente quente denunciou sua timidez, e o coração acelerou tanto que parecia estar tentando escapar do peito.
“Ah! Eu vou explodir de vergonha!” — Ela gritava por dentro, os pensamentos misturados e bagunçados.
— O-obrigada… — respondeu com a voz trêmula, mas sincera. Seus olhos brilharam por um segundo. — Fico feliz de ouvir isso. De verdade.
“Calma, Aki! Se controla, se controla!” — Repetia, internamente.
Victor, percebendo o impacto de sua fala, rapidamente tentou mudar o rumo da conversa.
Ele caminhou até a janela e olhou o mundo lá fora, coberto por uma névoa fina e a penumbra do começo da noite.
— Está muito frio hoje, não é?
— Ah sim, está mesmo. — Aki respondeu, mexendo distraidamente em uma mecha de cabelo, enquanto buscava recompor a postura. — Vamos sentar, já vou servir a gente.
— Eu te ajudo. — Victor ofereceu, caminhando meio que por reflexo até a cozinha.
— Hoje você é o convidado! Só senta na mesa e aproveita. Eu vou servir…
Ela disse com um tom firme, mas brincalhão, fazendo um gesto com o dedo indicador. Victor riu e levantou as mãos como se se rendesse.
— Sim, senhora.
Ele se sentou na mesa, ainda sorrindo. Aki foi até a cozinha e pegou os pratos já montados: arroz branco bem soltinho e curry espesso, com pedaços de carne e legumes cozidos no ponto certo. O cheiro era maravilhoso, e ela trouxe também um copo de chá quente para cada um.
Ela colocou o prato dele na frente com certo cuidado, e então sentou-se de frente.
— Pode comer! Espero que esteja bom…
— Parece ótimo só pelo cheiro. — Victor respondeu, já pegando os talheres.
Os dois começaram a comer em silêncio por alguns instantes. A cada garfada, Victor apreciava o sabor e, mais do que isso, também o momento.
— Está muito gostoso! — ele disse depois de limpar quase todo o prato. — Vou querer que você faça outras vezes.
Aki riu, aliviada.
— Ainda bem que você gostou. Fiz com bastante carinho. Foi a primeira vez que fiz esse curry sozinha.
— Sério? Então você já começou com o pé direito.
Ela abaixou o olhar, sorrindo tímida.
— Victor… obrigada por vir. Eu sei que você poderia ter ficado descansando hoje, depois da semana corrida…
— Eu queria vir. — ele respondeu de imediato, a voz firme. — Estar com você… é muito divertido. Eu gosto de estar com você.
Ela se calou por um instante. Não sabia o que responder. A forma como ele disse aquilo foi calma e sincera, e aquilo mexeu com algo profundo dentro dela.
— V-você fala isso desse jeito tão natural que eu fico sem saber como reagir… — ela disse, rindo baixinho, tentando esconder o nervosismo.
Victor apoiou os cotovelos na mesa e cruzou os dedos à frente.
— Não precisa reagir de nenhum jeito. Só quero que você saiba disso. O quanto você significa para mim e o que você fez por mim nesses últimos meses.
Mais um silêncio — não constrangedor, mas repleto de algo quase complicado. Eles apenas se olharam por um breve momento, até que Aki desviou os olhos primeiro.
— Eu vou pegar a sobremesa! — disse, quase como um reflexo, levantando-se de repente.
Victor riu, e falou com um tom de provocação:
— Você tá fugindo, né?
— N-não! — disse, exageradamente rápido. — Só… só quero servir bem meu convidado!
Ela correu para a cozinha, deixando Victor observando a cena com um sorriso bobo no rosto. Ele desfez a posição que estava e recostou na cadeira.
“Aki… você consegue me deixar desse jeito…” — Ponderou, quase divagando.
Ela voltou poucos minutos depois com dois potinhos de vidro com uma espécie de mousse claro, decorado com frutas.
— Iogurte com creme de leite e frutas vermelhas. — explicou, orgulhosa.
— Aposto que está tão gostoso quanto o curry, não é? — Victor comentou, já pegando a colher.
Eles comeram mais um pouco, rindo e trocando comentários sobre comida e sobre como o inverno dava vontade de comer coisas quentes. Apesar disso, estavam saboreando uma sobremesa geladinha.
Quando terminaram, Aki recolheu os pratos, mas permitiu que Victor a ajudasse a guardar as coisas. Depois disso, sentaram-se no sofá, cada um com uma caneca de chá quente nas mãos.
— Foi um bom sábado. — Victor comentou, olhando para a fumaça que subia do chá, evitando contato direto com a garota naquele momento.
— Foi mesmo. — Aki respondeu, encostando-se no sofá. — Espero que a gente tenha mais momentos assim.
Ela deixou escapar, talvez pensando alto demais. Seu coração, que já tinha se acalmado, logo pareceu querer fugir do peito. Ela respirou fundo, esperando a resposta. Não havia como desfazer sua fala.
— Vai ter. — Victor disse com confiança. — Pode apostar. Por mim, poderíamos ter momentos assim todos os dias.
A japonesa tentou esconder o rosto atrás da caneca fumegante que segurava, sentindo seu rosto queimando. Ciente de que estaria ruborizada, evitou contato visual, mas respondeu:
— Eu queria saber, exatamente, o que você quer dizer com esses diálogos. As vezes fico confusa… — Gaguejou em meio à fala.
Victor arqueou a sobrancelha, surpreso pela pergunta, e logo sentiu uma enxurrada de dúvida brotando em seu coração:
“Realmente é o momento certo? Realmente eu deveria falar tudo que eu sinto e que quero te dizer?” — Seus pensamentos estavam completamente bagunçados.
Suspirou, pensando em como respondê-la. Fato era de que não podia falar tudo que queria, da forma que queria. Estava convicto de que estava preparado para assumir algum compromisso com a Aki, porém, algumas incertezas ainda pairavam.
Seria aquele o momento certo? Apesar de todos sinais que ele via nela, de que eles poderiam ter um relacionamento, talvez falar na hora errada poderia arruinar a situação.
“Eu queria dizer que te amo, contudo, não seria esse o momento certo para isso…” — Concluiu, abrindo a boca para responder.
— Podemos dizer que esse não é o momento certo para eu te responder. — Ele sorriu, deixando-a ainda mais inquieta. — Na hora certa, eu te falarei tudo.
— Tudo? O que é “tudo”? — Ela indagou.
— Ainda não posso te falar. Espero poder te contar logo.
Aki ficou num misto de ansiedade e nervosismo, sentindo seu coração palpitando ainda de forma acelerada. Continuaram conversando sobre alguns assuntos. Em determinado momentos Victor perguntou:
— Não está sentindo frio com essa roupa? Parece ser meio fino.
— Não, está confortável. Aqui dentro de casa não está tão absurdamente frio quanto na rua. — Ela respondeu com um sorriso. — Além disso, queria compensar por aquele dia do seu aniversário, que não fui de vestido.
Victor riu: — Está preocupada com isso?
— Você pareceu ter se importado durante o evento Quatro Estações. — Ela balbuciou.
— Foi só um comentário aleatório daquele dia. Não posso negar, você está linda, mas se estiver com frio, não acho que seja tão bom. — Ele então se levanta e tira a sua blusa. — Vista isso por enquanto.
Ele ajeitou o moletom nos ombros dela, a deixando desconcertada. Mas não negou ou reagiu negativamente.
— Além disso, o mais importante para mim, é a sua companhia. — Ele continuou, enquanto sentava novamente.
A garota não sabia como reagir, então apenas sorriu, agradecendo pelos elogios. Sua cabeça parecia estar queimando, enquanto tentava processar tantas informações.
Pouco tempo depois, Victor se despediu para ir embora. Antes, tiraram umas fotos juntos, a pedido de Victor, é assim, se encerrou a noite do jantar prometido.
…
Já em sua casa, o brasileiro analisava tudo que aconteceu. “Será que agi como um bocó, de novo?”
Seus pensamentos não o deixavam dormir. Um sentimento quase de confusão estava lhe atormentando. Não conseguia pregar os olhos, sentindo seu coração inquieto e uma sensação borbulhante no estômago.
Ele estava deitado, de barriga pra cima, com o braço tapando os olhos.
— Eu prometi que não seria tão Noob assim aquele dia e agi da mesma forma. Aff. — Murmurou, repreendendo a si.
Sentiu que perdeu uma boa oportunidade de contar para Aki o que sentia. E talvez, a próxima oportunidade demoraria. Ou talvez não. Isso, somente o destino poderia dizer.
…
Com Aki não era diferente. Virava de um lado para o outro na cama, abraçada com Yumi, enquanto murmurava o nome de Victor e algumas dúvidas que ela questionava.
Queria saber tudo que Victor sentia, apesar de, no fundo, saber o que era. Mesmo assim, lhe faltava confiança para expressar abertamente o que sentia por ele.
“Victor, por que você não fala logo?” — Divagou por algum tempo, até que, em dados momento, dormiu.
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