Capítulo 82: "O que eu significo para você?"
12 de fevereiro de 2024, segunda-feira.
Mais uma noite fria no Japão. Tóquio estava vestida dum tom acinzentado, mesmo que estivesse de noite, sob uma fina cortina de chuva que escorria pelos telhados, vidraças e parapeitos. O som suave das gotas batendo no asfalto preenchia os intervalos do silêncio. Victor ajeitou o guarda-chuva em sua mão e apertou o passo na rua quase vazia, enquanto o vapor leve de sua respiração sumia no ar gelado. A calçada molhada refletia as luzes dos postes.
Tocou a campainha. Alguns segundos depois, a porta se abriu.
— Victor! — Aki sorriu, vestida de forma simples e confortável, com um moletom azul claro e uma calça de moletom de tom claro. Seus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo mais displicente do que o habitual, o que a deixava ainda mais adorável. — Entre, rápido, antes que se molhe mais. — Ela convidou, quase ordenando.
— Obrigado. — Ele fechou o guarda-chuva, entrando. — Eu juro que essa chuva apareceu só pra atrapalhar a gente. — Comentou com certa incredulidade.
— Talvez não seja só para atrapalhar… — Aki comentou, com um sorriso… — Acho que vai ser mais aconchegante aqui dentro. Já tinha separado uns filmes, caso o tempo piorasse. A previsão do tempo não dava esperanças de que fosse melhorar tão cedo.
Victor tirou o casaco e a seguiu até a sala. O ambiente era aquecido e atraente, com o som suave da chuva do lado de fora compondo uma trilha de fundo quase terapêutica.
Sentaram-se no sofá, próximos, mas com aquele pequeno espaço entre eles — como sempre faziam. Aki pegou o controle e percorreu as opções. Após uma leve discussão entre qual gênero iriam assistir, acabaram optando por um drama com uma pitada de fantasia.
Enquanto o filme passava, a luz da própria televisão suavizava os traços do rosto de Aki, que, em certos momentos, ria de forma contida ou suspirava em cenas tocantes. Victor, por sua vez, se pegava admirando ela mais do que algumas cenas do filme. Às vezes, ela virava o rosto para comentar algo, e ele se forçava a parecer atento ao filme, mesmo quando se perdia no brilho âmbar dos olhos dela.
Duas canecas de chá fumegavam sobre a mesinha de centro. A chuva continuava lá fora, mas o som havia se transformado em algo reconfortante. Quando os créditos começaram a rolar, Aki se espreguiçou, soltando um leve bocejo.
— Foi bom, né?
— Foi — Victor respondeu, sorrindo. — Mas confesso que fiquei meio perdido em algumas cenas.
— Hm? — Aki franziu o cenho, confusa. Ela achou o filme bem fácil de entender. — Estava pensando em outra coisa ou cochilou? — Seu tom continha um tom de ironia.
Victor apenas riu, desviando o olhar.
— A chuva parou… — Victor comentou, levantando-se e espiando pela janela. — Que tal uma voltinha? Só pelo quarteirão, pra respirar um pouco.
— É uma ótima ideia! — Ela disse, saltando do sofá. — Preciso mesmo esticar as pernas. Vamos aproveitar que a chuva deu uma trégua.
Ambos se agasalharam e saíram. O ar frio da noite os recebeu com uma brisa suave e o aroma limpo de terra molhada. As poças refletiam as luzes das janelas e dos postes. As ruas estavam calmas, quase silenciosas, exceto por alguns carros ao longe e o som abafado de seus próprios passos.
— Faz tempo que não ando assim depois da chuva, dessa forma… — Aki comentou. — Sempre tem algo melancólico e ao mesmo tempo revigorante, né?
— Sim… é uma sensação agradável e sentimental, digamos assim. — Victor respondeu, com as mãos nos bolsos.
Eles caminharam por alguns minutos. À medida que caminhavam, passaram por uma loja de conveniência ainda aberta, com suas luzes brilhando como um farol noturno.
— Quer entrar? — Victor perguntou. — Vamos ver se encontramos algo para adoçar a boca?
— Pode ser! — Aki respondeu, animada, já imaginando qual chocolate compraria.
Lá dentro, percorreram os corredores lado a lado. Aki parou em frente à prateleira de doces e olhou fixamente para uma barrinha de chocolate ao leite com recheio de morango.
— Esse é bom — comentou ela. — É simples e me lembra alguns momentos em Nagano com meus irmãos.
Victor pegou outra barra, dessa vez uma com chocolate amargo.
— Então você gosta de chocolate amargo? — Aki perguntou.
— Sim, de vez em quando faz bem.
Então, pagaram os doces e voltaram caminhando para a casa dela, conversando durante o trajeto. O clima estava mais ameno, e as nuvens se abriram devagar, revelando pequenas porções do céu noturno.
Chegaram à porta da casa, mas não entraram. Ficaram parados ali, conversando brevemente, pois Victor já iria embora. Era relativamente tarde e acordavam cedo para trabalhar.
— Foi bom mesmo com a chuva, né? — Victor comentou, dando uma mordida na barra de chocolate. — Não tinha pensado na ideia do filme.
— Foi sim… Muito bom… Mas fiquei curiosa com uma coisa, aonde você planejava ir? — Aki estava encostada na lateral da porta, mexendo levemente no embrulho do doce em sua mão.
Um leve silêncio os envolveu por alguns segundos. Apenas comeram o doce nesse período, sem dizer nada. Victor olhou para ela e se aproximou apenas um passo, depois de um tempo.
— Obrigado por essa noite, Aki. — Sua voz saiu baixa, sincera, é um silêncio abrupto, como se fosse dizer algo mais.
— Eu que agradeço. — Ela respondeu, e seus olhos se encontraram.
Eles estavam próximos. O suficiente para ver os detalhes um no outro. O cabelo solto dela, levemente ondulado e balançando com o vento noturno, a respiração calma, o brilho tímido nos olhos. Victor sentia seu coração acelerar.
Aki também sentia. Sentia seu rosto esquentar, e suas mãos suavam um pouco mesmo com o frio. Ela sabia que se desse um pequeno passo à frente, seria o suficiente para que seus rostos se tocassem.
Mas então, como se o próprio destino quisesse manter o suspense, uma leve brisa passou entre eles. Aki sorriu de forma tímida e desviou o olhar.
— É melhor você ir antes que fique mais tarde. — disse ela, com a voz quase num sussurro, tirando uma mecha de cabelo esvoaçante do seu rosto.
Ela virou-se para ir embora, mas Victor segurou seu braço, de forma leve, chamando-a pelo nome:
— Eu esqueci de te dar seu presente. — Comentou, retirando de seu bolso a caixinha azul com um fitilho prateado.
Aki sentiu seu coração acelerando, o frio pareceu não existir, por um momento. Victor a entregou e ela segurou.
— Feliz aniversário, Aki! — Disse, com convicção.
Aki agradeceu algumas vezes, de forma seguida, enquanto desatava o nó da embalagem. Com um pouco de hesitação, Aki abriu a caixinha. Dentro dela, repousava um colar delicado, com um pingente em forma de estrela cadente, esculpido em um tom metálico prateado, que reluzia discretamente sob a iluminação fraca da luz externa da rua.
— Eu vi isso e… lembrei de você. — Victor disse, como se aquilo bastasse para justificar, coçando a nuca, tentando aliviar o nervosismo.
Aki não conseguiu conter o brilho nos olhos. Seus lábios entreabertos e as bochechas já coradas demonstravam a confusão de sentimentos que a tomava: surpresa, alegria, nervosismo, gratidão… e algo mais. Algo que ela não sabia nomear, mas que fazia seu peito parecer pequeno demais para guardar tanta coisa. Talvez até soubesse, porém, a confusão de sentimentos era verdadeira.
Ela segurou o colar nas mãos, com delicadeza, como se fosse feito de vidro. Os dedos deslizaram pelo pingente, quase como uma carícia, admirando verdadeiramente o presente. Sua mente ainda estava como um furacão de pensamentos e emoções. Sentiu um desejo repentino de simplesmente abraçar Victor, mas se segurou.
— Eu… não sei o que dizer… — confessou, finalmente.
Victor sorriu de leve.
— Não precisa dizer nada. Só… queria te agradecer. Por estar comigo em tantos momentos importantes. E, bom… queria que você tivesse algo que te lembrasse disso, além da pulseira. Talvez soe um pouco egoísta, só que, quando vi esse pingente, me lembrei daquele dia em Nagano e.. achei que ficaria legal em você…
As palavras dele pareciam ecoar direto em seu coração. Ela olhou de volta para o colar, e de repente sentiu vontade de chorar — mas não de tristeza. Era como se algo dentro dela estivesse sendo validado. Algo que, por muito tempo, achava que era pequeno demais para ser notado.
“Uma estrela cadente…”, pensou, lembrando-se do pedido daquele dia. “Victor…”
Ela engoliu em seco, buscando controlar a emoção que começava a querer transbordar pelos olhos.
— Obrigada… de verdade. Eu… adorei. É lindo. — disse, e o tom da sua voz era como um sussurro que carregava todos os seus sentimentos.
Victor coçou a nuca, um pouco sem jeito.
— Se quiser, eu coloco em você.
Ela assentiu, virando-se de costas, prendendo o cabelo em um coque improvisado com uma das mãos. Victor se aproximou, lentamente, com a respiração contida. Suas mãos quase tremiam ao prender o fecho, e por um segundo, seus dedos tocaram a nuca dela. Era um toque breve, mas o suficiente para fazer o corpo de Aki se arrepiar inteiro.
Quando ela se virou de volta, ele já estava um passo afastado. Mas o olhar dele, firme e gentil, estava cravado no dela.
— Ficou perfeito. — ele disse.
Ela queria falar algo, mas temia estragar aquele instante que parecia ter sido arrancado de um sonho. No fundo, queria dizer algumas coisas. Dizer várias coisas, na verdade. Sentia como se fosse explodir em emoções a qualquer momento.
Aki levou a mão até o pingente e sorriu. Um sorriso tímido: — Eu adorei.
— Bom, te deixou ainda mais linda… — Ele deixou escapar, logo percebendo o que disse, mas não tinha como desfazer. Foi quando foi surpreendido pela garota, que avançou contra ele e o envolveu com seus braços.
Foi um abraço curto, breve, mas o calor do corpo dela era algo tão agradável, tão reconfortante… Seu estado de choque era prova de sua surpresa.
— Desculpa, acho que fui invasiva… — Ela começou a falar, mas Victor logo a cortou.
— Não tem problema. Eu gosto quando você faz isso. Gosto de ser alguém confiável a ponto de você se sentir confortável em fazer isso… — Comentou, com certa hesitação. Percebendo o breve silêncio, ele ficou num dilema interno: O que eu faço? Era a pergunta que bombardeava sua mente. Ele queria falar tudo para ela, mas ainda estava com certo receio.
Victor já havia dado um passo para trás, pronto para se despedir e seguir seu caminho de volta, quando a voz de Aki o deteve.
— Victor… — Ela o chamou, e o tom de sua voz já estava diferente, mais intenso.
Ele parou, virando-se lentamente. Ela permanecia ali, com os olhos fixos nele, como se finalmente tivesse reunido a coragem que faltava.
— O que eu significo para você? Como você me vê? — perguntou, com firmeza. — Mas, por favor… sem enrolação, sem indiretas, sem códigos. Eu quero ouvir suas palavras sinceras, do seu jeito. Por favor.
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