Capítulo 88: Segredos nem sempre são secretos
16 de fevereiro de 2024, sexta-feira.
Victor e Aki estavam no escritório principal. O ritmo do trabalho fluía normalmente, com ambos concentrados em revisar documentos de uma nova parceria envolvendo o Event Link. Estavam lado a lado, num clima calmo, quase confortável, trocando poucas palavras. Precisavam estar concentrados naquela tarefa.
O leve toque dos dedos de Aki ao entregar um papel já fazia Victor sorrir por dentro. Estavam evitando mostrar o relacionamento publicamente, mas não podia evitar essas pequenas sensações… — até que…
A porta do escritório se escancarou abruptamente, fazendo um barulho quando o vidro tocou no limitador do trilho.
— Então quer dizer que vocês tão juntos?! — berrou Sayuri, entrando como uma detetive dramática de anime, segurando o celular em mãos.
Logo atrás dela, Yumi e Arian vinham com expressões escandalizadas e sorrisos travessos. Koda coçava a cabeça, um tanto sem jeito, como quem foi arrastado para aquela travessura, enquanto Kazuya já ria antes mesmo de qualquer coisa. Helsing, por sua vez, cruzava os braços com aquele ar sereno de sempre, mas com uma sobrancelha arqueada.
— O que…? — Victor congelou.
— Ah, não… — murmurou Aki, já se encolhendo na cadeira.
Sayuri jogou o celular sobre a mesa. Na tela, uma manchete chamativa do portal de fofocas corporativas:
“Victor Pacca finalmente sai do anonimato! Quem é a misteriosa mulher ao seu lado?”
A imagem mostrava Victor e Aki passeando tranquilamente na orla de uma lagoa, tirada provavelmente por alguém distante; ou apenas estavam distraídos demais. Aki com um shortinho jeans e uma camisa branca de tecido leve, e Victor com uma camiseta preta.
— Aonde vocês estavam com a cabeça?! — perguntou Yumi, com um tom mais dramático do que indignado. — Isso é a cara de um “namoro secreto revelado por paparazzi”!
— Isso é montagem? Deepfake? Inteligência Artificial? — zombou Kazuya, ampliando a imagem com o dedo na tela. — Ou é real mesmo?
Victor tentou manter a calma, mas, Aki, por sua vez, havia baixado o rosto, completamente vermelha.
“Eles não prestaram atenção na manchete?! Estão preocupados apenas com a foto?! Isso é um alívio?” — Victor se perguntou internamente.
— Tá explicado o bom humor matinal de vocês… — sussurrou Arian, com um risinho debochado.
Koda tentou intervir, mais preocupado:
— Gente, calma. Isso é meio pessoal. Talvez eles não queiram falar sobre isso agora…
— Ah, mas agora a gente quer! — Rebateu Sayuri. — E outra: se vocês estavam tentando esconder, fizeram um péssimo trabalho. Essa foto foi tirada num parque movimentado! No Brasil! Desde lá vocês já estavam de namorico e não falaram nada?! — Sua atuação dramática deixava a cena cômica.
Victor, finalmente, respirou fundo e levantou as mãos, em rendição.
— Tá bom, tá bom… sim. A gente tá junto. Eu e a Aki estamos namorando. Mas começamos na segunda-feira…
Um silêncio absoluto tomou o ambiente por dois segundos.
— Aaaaaaaaaaaah! — Sayuri e Yumi gritaram juntas, dando as mãos, como em perfeita sincronia de espanto e admiração.
— Eu ganhei a aposta… — exclamou Arian, batendo na mesa.
— Eu sempre soube. — murmurou Helsing, como se fosse óbvio.
— Parabéns. Vocês são fofos juntos. — Koda sorriu.
“Eles não entenderam a parte que eu disse segunda-feira?” — Victor estava quase indignado pela manipulação que os colegas pareciam fazer. Mas feliz por estar se dando bem com eles, após anos sem um ciclo de amizades.
— Façam uma cerimônia íntima, mas convidem a gente pro casamento. — disse Kazuya, digitando algo no celular com velocidade suspeita.
Aki, ainda vermelha, murmurou:
— Isso vai se espalhar, né…?
Victor olhou para ela.
— Provavelmente. Mas… tudo bem. Não temos mais motivo pra esconder. Né?
Yumi, então, se aproximou, com o brilho nos olhos típico de alguém prestes a fazer perguntas perigosas:
— Tá, tá. Agora a gente quer saber: quem se declarou primeiro? Quem pediu em namoro? Já pensaram em morar juntos? Dormem de conchinha?! — Em seguida, cochichou algo que somente a Aki ouviu: — Já fizeram “aquilo”?
— Yumi! — Aki soltou, totalmente envergonhada, tapando o rosto, agora completamente avermelhado.
Victor riu, mesmo não ouvindo, sabia que era algo de tom maldoso. Ele se levantou, tentando controlar a situação.
— Querem marcar uma hora na agenda pra isso tudo ou vão usar a hora do almoço pra continuar esse interrogatório? Temos muito serviço aqui…
Sayuri ergueu o celular e tirou uma selfie com todos no escritório.
— Isso vai pro nosso grupo da empresa. Com certeza, vai! Boa sorte pra lidar com isso, chefia.
Eles riram. Até mesmo Victor achou graça em tudo que aconteceu, da forma que ocorreu e sentindo um alívio por não terem percebido o teor da manchete. Mas uma leve incerteza cutucava seu coração, sabendo que cedo ou tarde, alguém perceberia.
Depois de toda a algazarra, risadas e brincadeiras sobre o namoro, o grupo começa a se dispersar aos poucos. O casal continuou seus afazeres, até que deu a hora do almoço e todos estavam reunidos na área onde almoçavam. Havia poucos funcionários ali, naquele dia. Sayuri, Yumi e Arian se aproximaram de Aki, como quem fosse ser interrogada. Kazuya continuou fazendo piadas sobre a foto viral, conversando com outros colegas, acompanhado por Helsing.
Então, com um tom mais calmo, Koda quebra o clima com uma pergunta inesperada, onde as garotas também ouviram:
— Mas… saindo da parte da brincadeira — ele disse, olhando diretamente para Victor com um olhar mais sério — Você é mesmo o Victor Pacca?
Todos pararam.
Victor congelou. O silêncio foi imediato, como se o ar tivesse sido sugado do ambiente. Aki ergueu os olhos, assustada. Os demais funcionários lentamente voltaram sua atenção para eles.
— Como é? — perguntou Sayuri, franzindo a testa.
— O quê? — Yumi inclinou o corpo na cadeira.
— Eu estava conferindo algumas informações do mundo de negócios ontem, quando me deparei com essa manchete. Mandei o link para a Sayuri poder conferir, mas eles ficaram demais na imagem e, aparentemente, não perceberam seu nome, que me era familiar. Fui conferir no site da Pacca Consortium e seu nome está lá, como um dos atuais diretores desse grupo, nossa maior parceira.
Victor respirou fundo, abaixando um pouco os ombros. Aki olhou para ele, com um semblante tenso. Os demais ainda estavam processando a informação.
— Bom, acho que isso explica o porquê de você sempre usar apenas “Victor P” em suas assinaturas, certo?
— Você é muito perspicaz, Koda… — Victor elogiou. — Realmente sou eu. Mas, não foi algo que eu queria esconder apenas por esconder…
— Mas… por quê? — Sayuri perguntou, claramente confusa. — Você fingiu ser um funcionário comum esse tempo todo?
— Eu nunca menti — Victor respondeu, firme, mas sereno. — Só… omiti. Eu não queria que o meu sobrenome me definisse. Eu não queria privilégios, bajulação ou desconfiança. Eu só queria tentar recomeçar…
O silêncio se manteve por alguns segundos.
— Como assim “recomeçar”? Aconteceu algo? — Helsing perguntou, curioso.
— Sim. Mas não quero falar disso agora… — disse Victor, com um tom melancólico e todos sentiram um peso no ar.
Sayuri cruzou os braços.
— E você ia contar quando pra gente, sobre você ser o Victor Pacca?
Victor coçou a cabeça, procurando palavras.
— Eu… estava pensando nisso. Mas honestamente? Não tinha certeza de quando ou como contar.
Mas Koda ainda estava sério:
— Eu entendo que você tenha sua motivação. Mas… você entende por que isso nos deixa meio… desconcertados, né? A gente está trabalhando esse tempo todo com um dos nomes mais influentes da nossa área.
Victor assentiu.
— Eu entendo. E vocês têm todo o direito de se sentirem assim. Resumidamente, aconteceu algumas coisas na minha vida, enquanto estava no Brasil… — Ele engoliu em seco e continuou: — Eu quis tentar viver uma vida fora dos holofotes, como alguém desconhecido… porém, eu também não podia abandonar minha posição completamente… É verdade, eu devo algumas explicações, e numa hora mais oportuna, eu esclareço melhor. Apenas de um tempo para cá que eu consegui “voltar ao normal”. Eu quero continuar trabalhando com vocês como “Victor P”.
Eles continuaram conversando, evitando tocar no assunto.
…
A notícia se espalhou como fogo em palha seca.
Começou com uma mensagem no grupo da empresa, que se espalhou entre grupos relacionados à Elegance Affairs. Em menos de uma hora, todos os funcionários já sabiam que o Victor da empresa era o Victor Pacca.
— É sério isso? — sussurrou uma funcionária do escritório de advocacia da empresa, que trabalhava como empresa terceirizada, empurrando o celular na direção de uma colega. — Olha essa reportagem de três anos atrás… “CEO desaparece após tragédia familiar”… É ele. É o mesmo rosto.
Na tela, uma imagem antiga, tirada num evento de gala, mostrava um Victor mais jovem, de terno, ao lado de uma mulher sorridente — Fernanda — e uma garotinha de macacão rosa-claro — Ayla, no colo de sua mãe. O título abaixo causava arrepios:
“Victor Pacca, um dos diretores da Pacca Consortium, se afasta do público após acidente fatal envolvendo esposa, filha e seus pais — donos da multinacional. Seria o fim do grupo Pacca Consortium?”
Alguns ficaram em choque. Outros, emocionados. E alguns, infelizmente, começaram a tratar o assunto como uma fofoca qualquer.
— Meu Deus… ele perdeu a esposa, a filha e os pais no mesmo acidente? — murmurou uma funcionária de outra empresa terceirizada, que trabalhava diretamente com o setor interno de marketing, olhando em volta. — E a gente aqui sempre chamando ele de apático e antissocial.
Entre todas as empresas que tinham alguma relação mais próxima com a Elegance Affairs, o clima estava alterado, com o nome mais citado sendo o de Victor e várias fofocas se espalhando. Alguns mais ousados até acessaram perfis arquivados em redes sociais antigas, buscando rastros dele antes do sumiço. Quase todos os perfis haviam sido desativados no mesmo dia do acidente, como se ele tivesse apagado a própria existência digital.
— Agora tudo faz sentido… ele nunca participava das festas, evitava eventos, era super reservado… — Alguém comentou em um refeitório.
— Dizem que ele morava sozinho. Tipo… completamente sozinho. E agora tá namorando a Aki, do setor de parcerias e supervisão. Imagina a pressão. — Um outro respondeu.
Victor, por outro lado, mantinha a postura calma, mas por dentro, sentia o velho peso da exposição. Uma parte dele temia exatamente aquilo: o retorno indesejado à luz dos holofotes.
“Eu também devo explicações e desculpas para a Aki…” — Pensou, imaginando como ela estava se sentindo com essa exposição repentina.
No meio da tarde, o chefe da Elegance Affairs, senhor Akashi, convocou uma pequena reunião com Victor. A conversa foi reservada, mas rumores diziam que era sobre o assunto do momento.
…
As cadeiras da sala estavam todas ocupadas. A empresa era pequena e todos estavam lá. E o clima era sério, mas sem agressividade. Era como se todos soubessem que algo importante viria — e aguardavam com respeito.
No centro do pequeno palco, de pé, Victor ajeitou a postura, olhou ao redor, respirou fundo e começou a falar:
— Bom dia a todos. Primeiro… obrigado por terem vindo tão prontamente. Eu pedi ao Chefe Akashi que convocasse essa reunião porque acredito que vocês merecem isso: uma explicação. Não apenas sobre mim… mas sobre a minha confiança em vocês.
Um silêncio respeitoso se instalou.
— Imagino que, desde cedo, muitos tenham ouvido ou visto notícias que… até então, estavam completamente fora do nosso contexto aqui dentro da Elegance.
Victor engoliu em seco, encarando os rostos dos colegas, agora, misturados com surpresa e curiosidade.
— Meu nome completo é Victor Pacca e sou um dos diretores da Pacca Consortium, empresa que é a nossa maior parceira da Elegance Affairs. — Um burburinho se instalou, mas logo se falaram quando ele continuou: — Mas eu quero esclarecer algo: não foi para me esconder ou enganar ninguém que eu omiti meu sobrenome ou meu passado. Foi uma necessidade… pessoal.
Aki, sentada próxima, mantinha o olhar firme nele. Alguns, como Koda, que já havia pesquisado e sabia o que tinha acontecido, acenou com a cabeça, como se o motivasse a continuar, quando seus olhares se cruzaram.
Victor continuou, explicativo:
— Há cerca de três anos, eu perdi minha esposa, minha filha e os meus pais em um acidente. Um acidente que mudou completamente quem eu era, o que eu acreditava, e como eu vivia.
“Ele era casado?”, “Ele é viúvo?”, “Ele tinha uma filha?”, várias perguntas desse tipo surgiram nos presentes, enquanto Victor continuava:
— Muitos rumores sobre o destino da “Pacca Consortium” foram criados e espalhados, já que, na época, meus pais eram os mais altos da hierarquia dela. Eu me afastei de tudo. Da empresa, doss eventos, da vida pública. Desativei redes sociais, me desliguei de tudo… porque não fazia mais sentido. Eu precisava reaprender a respirar. Eu nem via sentido em continuar vivendo.
Uma ou duas pessoas engoliram em seco. Algumas mãos se uniram sobre as pernas. Não sabiam, até ali, sobre tudo isso.
— Quando vim ao Japão, minha ideia não era trabalhar exatamente. Eu só queria existir em silêncio… Longe de qualquer mídia, longe dos holofotes, tentar viver uma vida simples e tranquila. Eu queria simplesmente esquecer todo problema. Quando cheguei, eu tinha uma armadura em volta de mim, uma armadura antissocial, contra qualquer relacionamento. O chefe Akashi me deu a oportunidade de trabalhar aqui e pude conhecer vocês, mesmo que sempre mantive essa postura fechada.
Alguns, mais emotivos, como Sayuri, deixou uma lágrima escapar, enquanto ele continuou:
— Por isso sempre fui tão apático, não conseguia sorrir. Eu não conseguia sequer achar graça em piadinhas e ciclos de amizade. Eu estava num poço escuro, sendo uma casca vazia. E mesmo sem saber, todos aqui me ajudaram a voltar à vida. Principalmente a Aki… — Ele a olhou, com um brilho que Aki pensou nunca ter visto em seu olhar. Seu coração disparou. — Ela me mostrou que eu ainda podia confiar. Pouco a pouco ela foi quebrando aquele meu escudo contra o mundo e foi a minha luz no fim do túnel. E cada um de vocês contribuiu com isso, com o clima incrível que construíram aqui.
Victor fez uma pausa, encarando o Chefe Akashi, que assentiu discretamente com um sorriso discreto nos olhos.
— Eu sei que pareço alguém que guarda muito para si. Mas… não queria que meu nome ou minha história afetassem o modo como trabalhamos. Queria ser só “Victor”. Aquele que colabora, se dedica, respeita a equipe. Eu só queria ser mais um funcionário comum.
Ele passou o olho em todos os presentes, quando finalizou:
— Me desculpem pela omissão. Não foi por falta de confiança em vocês. Foi só por medo. Medo de reviver. Medo de ser visto como alguém que usa de benefícios pessoais para sobressair. Eu queria recomeçar do zero. E aqui eu achei esse lugar.
Uma pausa longa se seguiu. Então Sayuri, uma das mais brincalhonas da equipe, ergueu a mão e falou alto:
— Tá bom… mas e se agora a gente quiser te chamar de “chefinho”? Pode?
Algumas pessoas riram, e o clima pesado se dissolveu rapidamente em um sorriso geral.
Koda foi o primeiro a falar de maneira mais direta:
— Victor… obrigado por confiar na gente. A verdade é que… você sempre foi parte da equipe, mesmo quando não participava dos momentos mais descontraídos. Sempre foi extremamente profissional. Saber do seu passado só nos mostra o quanto você é forte por estar aqui com a gente agora. Isso não muda quem você é, pelo contrário, só aumenta nossa admiração. Não é, pessoal? — Ele olhou em volta.
Yumi completou:
— A empresa cresceu muito com você aqui. E se alguma coisa mudou… foi pra melhor. Não precisa se preocupar. Só não vá fugir com a Aki e abandonar a gente.
Risos surgiram, junto a um clima tranquilo e acolhedor no ambiente. Victor riu, pela primeira vez naquele dia, sinceramente. Ficou se sentindo mais leve após ver que seus colegas entenderam seu lado.
O Chefe Akashi, que estava sentado ao fundo, se levantou calmamente:
— Muito bem…
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