Capítulo 91: A proposta do Ethan

25 de fevereiro de 2024, domingo. 

Pequenos raios solares passavam pela fresta da cortina e batiam bem no rosto de Victor, que abriu os olhos lentamente. Era cedo e viu que Aki ainda dormia profundamente. Então, levantou-se e foi até o quarto de hóspedes e viu que Natsu e Fuyu também dormiam. 

Ele deu um suspiro, aliviado: “Bom, pelo menos não perceberam que eu não estava aqui…” 

A família de Aki, principalmente por parte de sua mãe, tinha um costume conservador em relação ao relacionamento. Quando a garota parava para pensar em tudo que sua mãe já tinha lhe falado e aconselhado sobre relacionamentos, talvez não gostasse da ideia de que ela estava dormindo junto com Victor — embora ainda não tivessem tido relações. 

Mas explicar para alguém que eles dormiam juntos e que não tinham nada desse tipo, se limitando a beijos e carinhos, poderia soar um tanto quanto mentiroso. Então, não queria que Natsu e Fuyu vissem que estavam dormindo juntos, mesmo que, talvez, na cabeça deles, eles tenham imaginado isso. 

Aki, apesar desse costume, tinha muito contato com diferentes culturas, e era até um passatempo que ela achava divertido: descobrir sobre outros costumes. Sempre estudava os hábitos de um determinado local, quando o evento em si, trazia a demanda desse conhecimento. Por esse motivo, tinha uma mente mais flexível — e isso incluía a parte de relacionamentos. Essa era uma das causas por achar os romances que sempre lia como algo inalcançável. Tudo parecia muito perfeito e quando se olhava estatísticas de relacionamentos diversos, era bem diferente.

Victor sabia de alguma parte disso e, geralmente, dava razão para a garota quando ela estava receosa de “avançar”. Além da inexperiência, percebia que ela ficava um pouco perdida sobre algumas decisões. Isso foi um dos motivos que o deixou com medo de se declarar — e o motivo de ter demorado tanto em tomar a atitude sobre o relacionamento, o que levou com que ela agisse primeiro. Isso foi uma surpresa indescritível. 

Quando percebeu que os irmãos dela ainda dormiam como pedras, ele se dirigiu à cozinha e decidiu fazer o café da manhã. Estava frio e pensou em acordar a Aki somente após estar tudo preparado, para que ela pudesse aproveitar ao máximo o aconchego da cama naquela manhã, já que os irmãos dela também estavam apagados e não havia necessidade dela levantar tão cedo.

Victor ouviu algumas músicas de sua playlist enquanto fazia um aquecimento matinal. Quando acabou, guardou os fones e começou a preparar a refeição. Já estava finalizando as porções, nesse momento, ouviu passos leves vindo da sala. Percebeu que Aki estava chegando. Ela estava penteando seus cabelos com uma escova e o rosto denunciava que acordou a pouco tempo.

— Bom dia! — Victor a cumprimentou, caminhando até próximo dela. 

— Bom dia… — Murmurou, bocejando, e em seguida enterrou o rosto no peito de Victor. — Que preguiça. Queria ficar mais tempo na cama. 

— E por que não ficou mais um pouco? Não temos nada para fazer hoje. — Victor comentou, após dar-lhe um beijo no topo da cabeça. 

— Natsu e Fuyu estão aqui. É melhor eu ser uma boa anfitriã. — Disse, com tom de brincadeira. 

Aki sentou-se no sofá, enquanto continuava penteando o cabelo. 

— Já estou terminando o café da manhã. Que tal você ir acordá-los? 

A garota concordou e se dirigiu até o quarto onde os dois dormiam. Natsu estava com uma das pernas fora do futon e os braços abertos, completamente jogados. Fuyu ainda dormia abraçado com o travesseiro e a coberta parcialmente fora de seu corpo. 

Aki foi até o irmão mais velho e o cutucou; — Levanta, preguiçoso! O lanche já está pronto! 

Natsu resmungou alguma coisa indecifrável e abriu os olhos: — Mais cinco minutos…

Aki deu outro cutucão nele e fez o mesmo com Fuyu. Ela voltou para a sala, enquanto os dois se arrumavam. Victor estava terminando de preparar algo na cozinha e chamou sua namorada. Os dois conversaram brevemente, quando os irmãos chegaram. 

Natsu ainda estava com os cabelos desgrenhados e Fuyu coçava os olhos, reclamando de estar com sono. Os quatro se reuniram e comeram juntos. 

— Eu acabei esquecendo de perguntar: Que horas vão pegar o trem? — Aki perguntou, em certo momento. 

— O trem vai sair às onze. Vamos ter que abandonar nossa irmãzinha de novo. O mundo é tão cruel. — Natsu dramatizou. 

— Não se preocupe, “cunhado”. Eu prometo que vou cuidar muito bem dela! — Victor enfatizou o substantivo, deixando todos ali em choque. 

“O Victor está falando desse jeito? O que eu perdi?” — Aki se perguntou, mas estava rindo da reação dos irmãos. 

— Você está roubando! Não é justo! Perdemos essa luta, Fuyu. 

— Não sejam tão dramáticos. Eu amo vocês também. — Ela se levantou, fazendo um sinal de coração para eles. 

Depois de mais alguma algazarra com as brincadeiras, Natsu e Fuyu foram embora para a estação, com Victor e Aki os acompanhando. Quando embarcaram no trem para Nagano, o casal voltou para casa, de mãos dadas pelas ruas de Tóquio. 

…

29 de fevereiro de 2024, quinta-feira. 

Os dias passaram conforme já se estava acostumado com os funcionários da Elegance Affairs. Alguns imprevistos eram resolvidos, outros surgiam, mas nada fora de controle. 

Nessa altura, as fofocas, aparentemente, tinham cessado, ou pelo menos, diminuído bastante. Era por volta das quatorze horas, quando Aki estava no departamento financeiro conversando com Sayuri. O assunto era um investimento interno no setor de parcerias. 

Enquanto conversavam descontraídas, embora o assunto fosse sério, com a amizade das duas suavizando a situação, um toque de celular chamou a atenção delas. Era o telefone da Aki, que notificou de um e-mail recebido. Ao pegar o aparelho e ler o remetente, revirou os olhos, com desgosto. 

— Não acredito que é um e-mail do Ethan… — Murmurou. — “Assunto: Uma nova parceria” — Ela leu em voz alta. 

— Esse não é aquele cara que te seguiu aquele dia? — Sayuri indagou, quase indignada pela audácia dele em entrar em contato após o ocorrido. 

— Ele mesmo, mas ele também é um possível parceiro importante para a Elegance Affairs. Deixa eu ver o que ele tem a dizer.

Então, abriu o e-mail e leu em voz alta, a seguinte mensagem:

[Olá, Aki! Boa tarde! 

Espero que esteja bem. 

Primeiramente, gostaria de adiantar que esse é um convite estritamente profissional. Consegui uma proposta que acredito ser benéfica tanto para a Elegance Affairs quanto para a TechGenix. 

Eu sei que, conforme já me disse antes, não depende exclusivamente de você, entretanto, gostaria que fosse a primeira pessoa a ouvir o que temos a oferecer. 

Claro, será em um ambiente mais descontraído, mas o foco é o trabalho! Creio que é uma oportunidade ímpar que pode abrir as portas para ambos os lados. 

Que tal amanhã, sexta-feira, às 20:00? Naquele mesmo restaurante da outra vez. Aguardo sua resposta. 

Atenciosamente,

ETHAN REED

Diretor de Inovação da TechGenix.]

— Ele chega a ser meio irritante… — Sayuri comentou com desdém e riu. 

— Bom, se ele realmente tiver uma proposta boa, não tem porque negar o convite. Mas vou falar com o Victor primeiro. Da outra vez, eu senti que ele iria voar no pescoço dele. 

As duas riram e Aki saiu, indo até a sala onde trabalhava. Chegando lá, encontrou Victor focado em suas tarefas, completamente concentrado num relatório, ao ponto que nem percebeu a sua chegada. 

Ela se aproximou e o chamou, fazendo com que ele olhasse rapidamente para ela, quase um susto. 

— O Ethan me mandou um e-mail… — Ela começou e Victor arqueou a sobrancelha, respondendo, a interrompendo: 

— Ele de novo? O que ele quer dessa vez? 

— Veja você mesmo. — Ela virou o celular com a mensagem. 

— Cínico… — Ele murmurou, ao terminar de ler a mensagem. — Você vai? 

— O que você acha? Se ele tiver uma boa proposta, vale a pena. Com o crescimento que a Elegance Affairs está tendo, talvez ele tenha algo, de verdade. 

— Não gosto dele… — Victor comentou, quase sussurrando. — Mas, acho que você deveria ir. Porém, assim como da outra vez, se ele tentar qualquer coisa, você me liga! 

Com tudo combinado, ela aceitou o convite e eles marcaram de se encontrar no mesmo restaurante da outra vez. 

…

01 de março de 2024, sexta-feira.

Aki chegou no local e percebeu o mesmo ar de requinte da outra vez. Foi recebida na porta por uma atendente, que, ao ser informada sobre Ethan, a guiou até a mesa reservada. Ethan, vestido com pompa e elegância, mantinha uma expressão acolhedora. 

— Aki! — Ethan se levantou com um sorriso polido, puxando a cadeira para ela. — É sempre um prazer imenso vê-la.

— Obrigada. — Aki manteve sua postura firme, educada e profissional.

Assim que ela se sentou, Ethan retornou ao seu lugar, ajustando os punhos da camisa como quem não perde a chance de se mostrar.

— Você está muito bonita hoje, tanto quanto da última vez que a vi. — O sorriso no rosto de Ethan era quase reluzente.

Aki sentiu uma pontada na barriga. Não era a mesma sensação de quando Victor a elogiava, não chegava nem perto. Foi quase um medo. 

— Obrigada. — Ela manteve o tom profissional. — Mas, não vamos ficar somente nos elogios, não é? Como estão indo as coisas com a TechGenix?

Ele riu, pedindo desculpas e, discretamente, para o garçom trazer o vinho que já havia reservado. 

— Mas você tem razão, vamos ao que importa…

Ele começou falando um pouco da visão inicial da TechGenix, e como começaram os investimentos nas áreas de atuação atual. Explicou as maiores dificuldades dos projetos e suas conquistas. 

Apesar de estar com um pé atrás com Ethan, Aki sabia que ele era um possível importante parceiro de negócios, então, manteve a postura profissional ali…

— Você já deve imaginar que a TechGenix está mirando novos horizontes… — Ele mexia na taça de vinho sem pressa, os olhos fixos nela. — E nesses planos, seu nome… o nome da Elegance Affairs, na verdade, surgiu mais de uma vez em nossas reuniões.

— E por quê? — Aki perguntou, curiosa.

— Porque precisamos de alguém que saiba lidar com impacto. Com experiências. Com estética. E quem melhor do que você? Afinal, conseguiu me impressionar… mais de uma vez. — Ele sorriu de lado.

Ela ignorou o comentário e manteve o foco:

— Continue.

“Eu preciso manter a calma. É só ignorar esses comentários…” — Ela pensou.

— Estamos organizando um evento internacional, um gala beneficente, que irá consolidar a imagem da TechGenix como referência mundial em inovação sustentável. Vai unir tecnologia de ponta e causas sociais. A Hope for Tomorrow será nossa “vitrine humanitária”.

Ele se inclinou levemente, colocando as costas da mão do lado da boca, como se estivesse contando um segredo:

— Mas, diferente de eventos tradicionais, queremos algo memorável, com estética, impacto e personalidade. Algo que tenha sua assinatura. — falou em um tom mais baixo.

Aki refletiu por um instante, balançando a cabeça enquanto processava: 

— Isso soa… grandioso… — comentou, como se falasse consigo mesmo. 

— E é. — Ethan apoiou o cotovelo na mesa, o rosto levemente inclinado, mais próximo. — Queremos você como responsável por toda a experiência do evento. Cenário, decoração, a atmosfera, tudo sendo planejado através de estudos de relatórios. Não um simples fornecedor, mas uma colaboradora criativa. Eu soube que você tem pesquisas impressionantes na área de eventos. Estou certo?

Aki engoliu em seco e pensou uns instantes antes de responder:

— Sim, é verdade. Mas eu não trabalho dessa forma. Quero dizer, eu pensei que seria uma proposta para a Elegance Affairs…

— E de certa forma, é uma proposta para a Elegance Affairs. — A frase saiu com naturalidade demais, como se já tivesse sido ponderada anteriormente. — Profissionalmente, claro… Assim como você… — Ele deu um sorriso enviesado.

Ela desviou o olhar, desconfortável, mas não respondeu, pois ele continuou falando:

— A Elegance Affairs está em ascensão, isso já é de conhecimento comum na área dos negócios. A parceria certa pode abrir portas para eventos internacionais, talvez até fora da Ásia. — Ele girou a taça com um movimento preguiçoso. — Você não gostaria de ver seu nome ecoando em outros países? 

O que mais assustava a Aki, de certa forma, era como ele colocava as palavras. Sua persuasão era incrível e ela carregava o medo de acabar caindo em um papinho e fazer algum acordo maluco. Por isso, pensava bem antes de responder. Ela ponderou, tentando se concentrar no lado profissional e ignorar as investidas veladas.

— Eu entendi a sua proposta. Mas ainda preciso conversar com o meu chefe, como você já sabe.

Aki tentava manter o tom profissional, mas sua voz deu uma leve tremida. O peso daquela proposta havia acabado de lhe atingir, quando seu cérebro terminava de processar tudo. 

Um evento desse nível, com sua “assinatura”? Era algo grande. Sentiu um arrepio em seu braço ao digerir a informação. Mas a resposta de Ethan a fez sentir outro arrepio…

— O seu chefe… — Ethan deu um sorriso malicioso. — E o seu namorado?

Ela o encarou, um pouco séria demais.

— Os dois. — respondeu ríspida. 

Apesar do conhecimento público do relacionamento deles, sabia que aquele homem à sua frente não era completamente uma pessoa boa, embora um bom profissional. 

— Claro… os dois. — Ele se recostou na cadeira, cruzando os braços com um ar quase divertido. — De qualquer forma, meu interesse é genuinamente profissional… 

Em seguida, murmurou, inaudível para a garota: — Por enquanto…

Aki suspirou.

— Mande os detalhes por e-mail. Vou conversar com o chefe Akashi e com o Victor.

— Fechado. — Ethan levantou a taça, como quem brindasse. — Ao futuro da Elegance Affairs e da TechGenix.

— Às empresas… — Aki respondeu, seca, brindando apenas por educação.

Ele riu, satisfeito com o resultado parcial. 

Após o brinde, ela se despediu, e Ethan, novamente, insistiu em dar uma carona até sua casa. Dessa vez, Aki respondeu que Victor estava indo buscá-la e não precisava, agradecendo a proposta, unicamente por educação e profissionalismo. Ethan não conseguiu evitar uma contração unilateral na boca. “Claro, o Victor…” — Pensou. 

Em poucos minutos, Victor chegou até o restaurante e Aki o esperava na recepção. Na rua estava ventando e estava muito frio. Victor cruzou olhar com Ethan, rapidamente, dando um aceno de mão como se o cumprimentasse. Ethan deu um meio sorriso, retribuindo o gesto. 

Apesar das discordâncias e divergências, o brasileiro era esperto e experto na área de negociações, sabendo que manter as aparências era importante. Preferia jogar pelo lado profissional. Então, passou um dos braços pelos ombros de Aki e o casal seguiu adiante. 

— E então, o que ele queria? — Victor comentou, casualmente, enquanto caminhavam. 

— Algo grande… e impactante… — Respondeu, logo, começando a contar os pontos expostos durante a reunião.