Capítulo 30: Divindade
Charles ficou paralisado por três segundos antes de ser despertado pelos fervorosos murmúrios de Bandagens.
Ele baixou o olhar e viu que seu imediato, de alguma forma, havia aparecido ao seu lado, ajoelhado diante do colossal olho enquanto murmurava orações.
Cerrando os dentes, Charles agarrou Bandagens e tropeçou para dentro da casa do leme.
Pálido de raiva, ele não disse uma única palavra ao bater a porta com força. Rapidamente, operou os instrumentos e controles, e as luzes sobre o Narval se apagaram. A embarcação imediatamente se misturou à escuridão.
Nesse momento, a voz do Segundo Imediato, Conor, soou pelo tubo de comunicação.
“Capitão, aconteceu algo aí em cima? Por que ativou o—”
No segundo seguinte, o tom de Conor transbordou horror.
“Meu Deus! Encontramos o deus da escuridão? Estamos ferrados, acabou tudo!!”
“Segundo Imediato! Cale a boca!” Charles rugiu no tubo de comunicação, as veias em seu rosto visivelmente pulsando.
Ao seu lado, Bandagens tremia incontrolavelmente. Enrolado em bandagens, ele se encolheu no chão, murmurando orações incoerentes.
Charles correu até ele e cobriu sua boca com a mão. Sussurrou:
“Esse não é seu deus Fhtagn! Você não consegue ver essa coisa no ar?”
A escuridão engoliu a cabine e uma tensão densa pairou no ar. Além da respiração acelerada, nenhum outro som podia ser ouvido.
Depois de alguns minutos, a voz baixa de Dipp soou ao lado de Charles. Ele parecia conter suas emoções.
“Capitão, que tipo de divindade você viu agora há pouco? Por que não oramos para ela? Ouvi dizer que, se oferecermos preces sinceras a essas ‘divindades’, elas nos deixarão em paz.”
Charles permaneceu calado. Ele não sabia que diabos era aquilo, e nem queria saber. Agora, só desejava que aquela coisa fosse embora o mais rápido possível.
‘Hum…’
Uma vibração baixa reverberou pelo vasto espaço acima.
O som fez com que todos a bordo sentissem um calafrio na espinha e uma sensação de formigamento no couro cabeludo. Assim que a ressonância cessou, um ruído estranho começou a ecoar no convés. O som aumentava de intensidade a cada segundo.
“Maldição! Algo subiu a bordo.”
O coração de Charles apertou imediatamente. Ele sabia que não podiam mais ficar parados. Se continuassem assim, todos no navio morreriam.
Tomando sua decisão, ele correu para os controles e ligou todas as luzes do Narval.
Além da janela, massas de carne vermelha contorciam-se pelo convés, devorando a “neve” amarela brilhante. Ele não fazia ideia de onde aquelas coisas haviam surgido.
“Chefe Engenheiro! Sobrecarregue as turbinas! Saia deste maldito lugar agora!!”
O Narval, que estava silencioso, emitiu um zumbido baixo enquanto sua velocidade aumentava rapidamente.
Charles observou as abominações no convés pulando no mar, mas não sentiu alívio algum. A verdadeira ameaça ainda estava lá em cima. Ele não ousava olhar para ver se a criatura ainda estava ali. Se um único olho já cobria metade do céu subterrâneo, ele não queria nem imaginar o tamanho do resto dela. Tudo o que podia fazer agora era fugir.
De repente, o Narval sacudiu violentamente. Bandagens e Dipp foram arremessados contra a parede. Logo depois, um grito estridente e ruídos caóticos vieram pelo tubo de comunicação da câmara das turbinas.
“Capitão! Algo penetrou na câmara das turbinas! O Terceiro Engenheiro está morto!”
Um som metálico estridente reverberou quando enormes pilares, semelhantes a dedos, desceram do alto e agarraram o casco da embarcação.
Na mesma hora, Charles percebeu que o Narval não conseguia mais se mover e que, pior ainda, estava sendo lentamente içado para cima. Algo o havia capturado!
“Merda! Essa é minha única passagem para casa! Você não vai levá-la a menos que passe por cima do meu cadáver!”
Furioso, Charles não hesitou. Ele girou os holofotes para cima e correu para o convés.
Ao chegar, ergueu os olhos e finalmente viu a criatura por inteiro.
Era uma borboleta monstruosa, várias vezes maior que o Narval.
Seus apêndices semelhantes a pernas de inseto seguravam firmemente o navio, e o “olho” que Charles havia visto antes era, na verdade, uma marca em suas asas. Enquanto batia as asas, ela espalhava escamas amarelas brilhantes pelo ar.
Apesar da aura opressora da criatura, um sorriso se formou no rosto de Charles.
Que papo furado de divindade. Ele quase havia caído nessa besteira. No fim das contas, um monstro, não importava o quão grande fosse, ainda era apenas um monstro.
O zumbido grave ressoou novamente quando a gigantesca borboleta avançou com suas pernas para destruir os holofotes. Parecia odiar a luz.
Charles correu até o canhão do convés e gritou:
“Lily! Carregue os projéteis!”
Quando o carregamento foi concluído, o Narval já estava suspenso a sete ou oito metros acima do mar.
“Eu não posso deixar que segure o navio por mais tempo!”
Ele mirou no apêndice que estava cravado no casco e disparou.
Com um estrondo ensurdecedor, a perna do inseto, coberta por uma carapaça negra, explodiu. Suco viscoso vermelho e verde jorrou pelo ar.
O Narval despencou com força na superfície da água, levantando ondas gigantescas. Se fosse um navio de madeira, teria partido ao meio.
Ignorando o sangue escorrendo pelo queixo, Charles gritou em direção à ponte:
“ENCHAM A CALDEIRA! VAMOS SAIR DAQUI!”
“Capitão! Atrás de você!” Dipp gritava freneticamente atrás do vidro.
Charles se virou e viu a borboleta gigante pairando diante da proa. Suas duas antenas vibravam e emitiam um som baixo e crescente. Parecia furiosa com o ataque.
“Então você quer mais, hein? Ótimo! Vamos resolver isso!”
Com um olhar insano, Charles reposicionou o canhão para disparar contra a cabeça da criatura.
Mas, no momento em que a tensão atingiu seu ápice, um pilar d’água três vezes maior que a borboleta emergiu entre eles.
A coluna de água se despedaçou, revelando uma mão translúcida colossal adornada com padrões sinistros. Ela era tão grande quanto uma montanha.
Ao vê-la, Charles imediatamente ouviu sussurros ensurdecedores em sua mente. Tudo ao seu redor começou a distorcer, e sua consciência desmoronava.
Com um rugido de vento, a mão desceu sobre a borboleta. Ao tocar a água, uma onda titânica se ergueu e varreu o Narval.
“Capitão! Acorde! Capitão!!”
Charles abriu os olhos e se viu na cabine do capitão.
Todos suspiraram de alívio. Lily até começou a chorar.
Ignorando a dor na cabeça, Charles olhou para Conor e perguntou:
“Estamos seguros? Onde estamos?”
Com um sorriso amargo, Conor respondeu:
“Estamos seguros… por enquanto. Mas quanto a onde estamos… isso eu não sei.”
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