Charles jogou as cobertas para o lado e tentou se levantar. No instante em que seus pés tocaram o chão, um zumbido ensurdecedor soou em seus ouvidos. Os sussurros o dominaram como uma onda avassaladora.

    Dessa vez, suas alucinações auditivas estavam muito mais intensas do que antes. Ele até começou a ter visões: via os corpos de seus tripulantes apodrecendo, brotando tentáculos deformados enquanto se transformavam em aberrações monstruosas.

    Ignorando qualquer possível consequência, Charles pegou rapidamente a caixa que Elizabeth lhe dera e engoliu um grande pedaço da geleia verde dentro dela.

    Os sussurros em seus ouvidos foram diminuindo até desaparecerem. Ao mesmo tempo, os tripulantes distorcidos voltaram ao normal.

    Encharcado de suor frio, Charles se afastou dos demais e respirou pesadamente.

    Sem se importar com sua própria condição, ordenou entre suspiros:

    “Notifiquem todos para se reunirem na cabine do capitão.”

    Pouco depois, todos a bordo do Narval estavam reunidos para uma reunião de emergência.

    “Qual é nossa localização exata agora?”

    “Bem… ainda não conseguimos confirmar. A onda gigante parece ter nos arremessado bem longe da rota. Felizmente, não viramos graças à experiência do Primeiro Imediato.”

    “E quanto às baixas e perdas materiais?”

    “Perdemos dois marinheiros, provavelmente arrastados pela água. Nosso Terceiro Engenheiro foi perfurado pela garra da borboleta e morreu. O braço esquerdo do Chef Frey está deslocado”, relatou o Segundo Imediato, Conor.

    Assim que terminou seu relato, o Chefe de Engenharia, James, acrescentou:

    “Capitão, a perna da criatura perfurou diretamente a câmara das turbinas. Selamos o buraco por enquanto, mas a potência da turbina foi severamente comprometida. O Narval agora só consegue atingir um quinto de sua velocidade anterior.”

    Ouvindo uma má notícia atrás da outra, Charles sentiu o peso da responsabilidade crescer sobre seus ombros.

    Ele respirou fundo e se dirigiu à tripulação:

    “Primeiro Imediato, reorganize os turnos para cobrir as vagas. Abortem a missão original. Seguiremos para o sul, onde há mais assentamentos humanos. Assim teremos mais chances de encontrar ilhas seguras.”

    Os tripulantes responderam afirmativamente, e o Narval, antes paralisado, voltou a se mover.

    Após a reunião, Charles pegou uma garrafa de licor do armário e tomou um grande gole. Sua compostura anterior desapareceu, dando lugar a um medo extremo.

    Um braço colossal maior que uma montanha—seria o mesmo do gigante de seus sonhos? O que diabos era aquilo?

    Ele já ouvira histórias sobre a divindade do mar subterrâneo. Mas, independentemente de serem verdadeiras ou não, nunca lhes deu importância. No entanto, hoje, ao ver a divindade com seus próprios olhos, pela primeira vez na vida, percebeu o quão insignificante a humanidade era.

    “Esse lugar ainda é a Terra? Não há como a Terra abrigar criaturas tão colossais! A própria gravidade as esmagaria!”

    Por um breve momento, Charles pensou em vender o navio e passar o resto de seus dias em uma ilha. No entanto, imagens vagas de sua família cruzaram sua mente, e seu olhar se tornou firme.

    “Eu não posso desistir! Nem mesmo um deus pode ficar no meu caminho!” Charles proclamou.

    Tomando outro gole da garrafa, ele a guardou, recobrou sua postura fria e saiu da cabine.

    Com o passar do tempo, a atmosfera no Narval voltou a se acalmar sob o comando de Charles. Embora ainda não estivessem fora de perigo, pelo menos o moral da tripulação se estabilizou. Alguns até tiveram tempo de coletar a “neve” amarela para se exibirem quando retornassem ao Arquipélago dos Corais.

    Contudo, todos pareciam ter um acordo silencioso para não mencionar a mão gigante que emergira do mar. Tratavam isso como um assunto proibido.

    “Sr. Charles, Dipp me provocou!!”

    Na cantina, a ratinha branca Lily correu furiosa até Charles, interrompendo sua refeição.

    “Aquele cara disse que, se ficarmos sem comida, ele vai comer meus amigos!”

    Ouvindo a queixa do rato, Dipp tentou segurar o riso e ergueu o olhar para o Capitão.

    “Capitão, eu só estava brincando. Além disso, ratos nem são saborosos.”

    “Pare de agir como uma criança, ainda nem saímos do perigo.” Charles repreendeu o contramestre antes de olhar para Lily, que estava no chão.

    “Temos comida suficiente. E mesmo que não tivéssemos, poderíamos lançar redes e pescar. Não precisaríamos comer seus amigos.”

    Ouvindo isso, Lily se tranquilizou e saltou diante de Dipp para confrontá-lo novamente.

    Embora Charles não demonstrasse preocupação em seu rosto, por dentro estava ansioso. Eles tinham comida suficiente, mas a água doce estava acabando.

    Se não encontrassem um lugar para atracar antes que a água acabasse, todos a bordo morreriam de sede.

    Como se percebesse seus pensamentos, o Primeiro Imediato, Bandagens, aproximou-se mastigando um pedaço de pão.

    “Capitão… eu tenho uma solução…”

    Charles se interessou e perguntou:

    “Qual é a solução?”

    “Sacrifício… apenas três… almas. O Deus Fhtagn nos guiará…”

    Um traço de nojo apareceu no rosto de Charles, e ele repreendeu:

    “Tire essas ideias nojentas da cabeça.”

    Bandagens ficou em silêncio por um instante antes de olhar para os marinheiros à distância e comentar:

    “A água potável a bordo pode durar mais um mês. Se tirarmos a sorte para os sacrifícios… os sobreviventes poderão beber o sangue deles… No pior dos casos, três de nós podem resistir por até meio ano…”

    Charles virou-se abruptamente para Bandagens, seus olhos se estreitando. Sentia que estava conhecendo seu imediato pela primeira vez. O homem estava longe de ser inofensivo, apesar da aparência frágil.

    “Desculpe… É apenas um plano de contingência… Já passei por algo parecido antes… Eu comi meu capitão…”

    “Chega!! Apenas coma!” Charles rugiu. Sua voz repentina assustou todos ao redor.

    No dia seguinte, a tripulação percebeu que a água potável estava sendo racionada. Ninguém contestou a decisão, mas os sorrisos diminuíram perceptivelmente.

    À medida que os dias passavam e o suprimento de água diminuía, Charles chegou ao ponto de racionar até mesmo seu próprio álcool.

    Quando o dia chegou em que cada tripulante só podia beber um copo de água por dia, alguém finalmente sucumbiu ao desespero. Sentindo-se sem esperança, tentou pular no mar, mas foi contido pelos companheiros.

    Bandagens mais uma vez sugeriu o sacrifício humano. Justo quando Charles começava a vacilar, um feixe de luz branca varreu a escuridão acima. Era a luz de um farol.

    Cercado pelos gritos de alegria da tripulação, Charles soltou um suspiro de alívio. O cenário infernal que temia havia sido evitado.

    À medida que o Narval se aproximava da fonte de luz, uma ilha estranha apareceu à frente. Enquanto outras ilhas eram planas como panquecas, essa parecia um ovo.

    Na base do ovo, havia uma fenda por onde vários navios a vapor, adornados com bandeiras vermelhas, entravam e saíam.

    Sem coordenadas precisas, Charles não sabia o nome daquela ilha. De sua memória, ela não estava marcada em nenhum mapa náutico.

    Mas, sendo um assentamento humano, ao menos poderiam se comunicar. O Narval seguiu os outros navios e entrou no gigantesco “ovo”.

    Dentro dele, uma enorme cidade gótica se estendia. Devido à sua estrutura cavernosa, morcegos frequentemente voavam pelo alto.

    “Contramestre, veja com os locais se há um estaleiro. O Narval precisa substituir suas turbinas.”

    “Sim, senhor!” Dipp pegou duas pequenas bandeiras verdes e fez sinais na proa do navio.

    Pouco depois, voltou com uma expressão constrangida.

    “Capitão, eles parecem usar uma linguagem de bandeiras diferente. Não consegui entender.”

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