Capítulo 46: O Doutor
Com gotas de suor frio na testa, Charles tomou um gole de água. Ele voltou seu olhar para o tripulante:
“Obrigado, James.”
O homem corpulento, James, exibiu seu sorriso bondoso de sempre.
“É o mínimo que eu poderia fazer. Você é nosso capitão, afinal.”
“Por favor, reúna os outros. Precisamos discutir nossos próximos passos.”
“Está bem,” James respondeu e saiu do quarto.
Finalmente estamos em Sottom… Charles deitou-se lentamente na cama. Um traço de alívio apareceu em seu rosto exausto. Considerando o processo, ele estava um passo mais perto de casa.
Tosse!
Um som repentino de tosse fez Charles instintivamente alcançar o coldre de seu revólver.
Apoiando-se na cama, ele virou-se e viu um homem velho na porta. Ele vestia um casaco branco manchado de sujeira e segurava um copo de madeira em seu braço metálico prostético.
Mas, comparado ao seu rosto, o resto de sua aparência excêntrica parecia normal.
Uma miríade de cicatrizes marcava profundamente seu rosto já enrugado. Parecia que um espelho havia sido quebrado e remendado. Nessa visão de pesadelo, dois olhos amarelados se moviam incessantemente. Seu olhar também parecia excêntrico.
O velho parecia alheio ao movimento de Charles em direção à arma. Ele mancou em direção à cama com um som rítmico de cliques. Foi então que Charles percebeu que até sua perna esquerda era uma prótese metálica.
“Beba, não mastigue,” o velho instruiu brevemente, com uma voz que combinava com sua aparência, enquanto colocava o copo na mesa de cabeceira.
Charles pegou o copo e olhou para o conteúdo. Parecia haver alguma criatura viva se contorcendo no líquido preto.
“Foi você quem me salvou? Obrigado. Eu pensei que ia morrer daquele ferimento grave,” Charles expressou sua gratidão antes de levar o copo aos lábios, inclinar a cabeça e engolir o conteúdo de uma vez.
Imediatamente, um gosto amargo, ainda mais intenso que a famosa erva chinesa goldthread 1 , inundou a boca de Charles. As criaturas vivas na mistura pareciam ter uma superfície espinhosa. Elas arranharam sua garganta, deixando uma sensação áspera ao descerem. Ele sentiu como se tivesse engolido uma pedra envolta em lixa.
“Seus ferimentos físicos não são nada comparados ao dano em sua cabeça,” o velho virou-se e agachou. Usando sua mão metálica, ele parecia procurar algo nos frascos ao redor.
“Você está se referindo às alucinações auditivas?”
“Hah! Alucinações auditivas? Se fosse apenas isso, eu cortaria minha outra mão agora mesmo!” A voz do velho estava carregada de zombaria.
Charles teve que admitir que o velho estava certo. Suas alucinações auditivas haviam piorado, tornando-se visuais, com tudo ao seu redor se transformando em monstros grotescos. Ele não sabia o que aconteceria se sua condição piorasse ainda mais, mas tinha certeza de que não seria nada agradável.
O velho não economizou palavras, mas Charles entendeu o significado por trás delas.
“Você tem uma cura? Dinheiro não é problema.”
O velho virou-se e se aproximou de Charles. Olhando para ele com seus olhos trêmulos, perguntou:
“Qual é o seu nome?”
“Charles.”
“Sobrenome?”
Charles recuou para aumentar a distância entre ele e o velho.
“Pode me chamar de Charles.”
O velho estendeu o braço metálico e disse:
“Laesto Hermann. Não gosto que pessoas mais jovens me chamem de Laesto. Pode me chamar de Doutor.”
Charles estendeu a mão direita e apertou a mão metálica fria.
“Obrigado. Sobre minhas alucinações auditivas—”
Antes que Charles pudesse terminar a frase, o Doutor o interrompeu:
“Posso tratar sua condição. Em toda Sottom, meus métodos de cura são os mais eficazes. Quanto à compensação, não preciso de Echo. Quero aquele espelho preto no seu bolso.”
Charles entendeu imediatamente o que ele queria dizer. Ele tirou o smartphone descarregado do bolso.
“É isso?” Charles perguntou.
No momento em que Laesto viu o smartphone, seu olhar brilhou com desejo indiscreto.
“Sim. Isso mesmo. Um item tão bem preservado é uma raridade. Eu quero!”
Charles olhou para o dispositivo e para seu próprio reflexo na tela escura.
“Por que você quer isso? Sabe o que é?”
“Não, não sei. Mas minha intuição me diz que é especial. Meu sexto sentido geralmente é preciso.”
Charles hesitou. Esse era o único item que ele trouxe consigo ao ser transportado para este mundo. Ele continha fotos de seus familiares.
Ele não era particularmente apegado ao smartphone, mas ouvira rumores de que os arcanistas podiam amaldiçoar alguém através de seus pertences. Quem sabia o que o velho faria com seu telefone?
Enquanto Charles estava imerso em pensamentos, a porta do quarto foi aberta. A tripulação do Narval entrou no quarto animada. Lily até pulou diretamente em Charles.
“Capitão! Você finalmente acordou!”
“Sr. Charles!”
“Capitão, é ótimo ver que você está bem.”
O olhar de Charles caiu sobre Laesto Hermann, que lentamente se afastava pela multidão.
“Doutor, deixe-me pensar sobre isso. Eu aviso quando decidir,” disse Charles, guardando o smartphone de volta no bolso.
Laesto olhou ao redor do quarto antes de mancar em direção à porta.
“Decida logo. Eu não me importo muito, mas sua mente não vai aguentar por muito mais tempo.”
Charles então voltou seu olhar para Bandagens, no canto do quarto.
“Primeiro Imediato, informe as baixas,” Charles disse.
“Dois marinheiros mortos… Um… sacrificado. O Segundo Engenheiro perdeu um membro. Outros… vários graus de ferimentos. Capitão quase morto…”
A situação era melhor do que Charles esperava. Ele pensou que teria que substituir metade da tripulação após aquela batalha.
Olhando ao redor do quarto, Charles perguntou com dúvida:
“Onde está aquele garoto, Dipp? Ele não morreu, né?”
Os olhares da tripulação voltaram-se para a porta de madeira à distância. Uma silhueta estava parada do lado de fora.
“Dipp, venha aqui.”
Dipp entrou pela porta. Seu rosto estava machucado e cheio de hematomas, e ele também estava enfaixado.
“O que aconteceu com seu rosto?” Charles perguntou.
“Eu o espancuei. O garoto mereceu,” o Chef Frey cuspiu, levantando o braço como se quisesse bater em Dipp novamente.
Com os olhos vermelhos, Dipp ajoelhou-se no chão. Remorso estava estampado em seu rosto.
Para Dipp, Charles era quase como um pai. E, no entanto, ele quase matara essa figura paterna. Tristeza e culpa pesavam em seu coração. Se Charles tivesse morrido por sua causa, ele nunca seria capaz de se perdoar.
“Você não será pago por esta missão. Caso encerrado.”
Dipp olhou para cima, surpreso. Ele pensou que seria expulso do Narval e teria que voltar a vagar pelas ruas. O Capitão decidiu deixá-lo sair tão fácil assim?
“Lembre-se desta lição. Não deixe ninguém se aproveitar de você novamente.”
Charles tinha seus próprios planos. Dipp podia ser um tanto ingênuo, mas, afinal, ele havia ensinado o garoto desde o primeiro dia em que ele embarcou na vida marítima. Dipp tinha lealdade absoluta a ele. Além disso, a morte era comum entre marinheiros, então era crucial ter leais.
Não ter uma tripulação leal era um pensamento extremamente aterrorizante. Se sua tripulação fosse desleal, eles teriam jogado o capitão moribundo ao mar na mesma situação. Depois, poderiam vender o navio e dividir os ganhos.
Lágrimas escorreram pelas bochechas de Dipp enquanto ele acenava vigorosamente. Ele fez um voto silencioso de nunca permitir que algo assim acontecesse novamente.
O olhar de Charles voltou-se de Dipp para Conor.
“Você moveu o ouro do navio de madeira?”
“Sim. Há um lugar em Sottom que compra navios destruídos. Eu vendi o navio de madeira também. Depois de resolver tudo, conseguimos 1,54 milhão de Echo. Aquele velho levou trezentos mil pelo custo do tratamento. Além disso, encontramos algo mais no navio além do ouro.”
- Nota: Coptis Chinensis, conhecido como Huang Lian Su ou Goldthread[↩]
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