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    Fazia três dias desde que Brett e Judith haviam se juntado ao grupo de Airen. Todos se davam muito bem, como se estivessem viajando juntos desde o início. Claro, Airen já esperava que Khubaru, com sua habilidade de fazer amigos, e Lulu, que parecia gostar de Judith, acabassem se aproximando dos dois rapidamente, mas não imaginava que seria tão rápido. Ainda mais surpreendente foi o relacionamento entre Khubaru e Brett.

    — Um Bourbon? Já ouvi falar, mas nunca provei… Posso experimentar? — perguntou Brett.

    — Claro. Aqui está — respondeu Khubaru.

    — Hmm… É melhor do que eu esperava. É mais doce e profundo que o uísque comum…

    — Haha. Isso é Bourbon. É feito de milho, e o barril de carvalho usado no processo é diferente do uísque, o que dá esse sabor. Sabia que o Bourbon que você acabou de beber tem apenas três anos de envelhecimento?

    — O quê…? Só três anos, e já tem esse sabor?

    — Haha. Ouvi dizer que a região onde produzem Bourbon é quente, então eles não podem envelhecê-lo por muito tempo. Mas não é bom?

    — Sem dúvida… Não é nada ruim.

    Airen não sabia quando Brett começou a se interessar por bebidas, mas ele parecia entender bastante do assunto. Ainda assim, não se comparava ao conhecimento de Khubaru, o verdadeiro especialista. Brett fazia muitas perguntas, tentando aprender mais sobre o vasto mundo das bebidas alcoólicas, e Khubaru parecia feliz em compartilhar seu conhecimento. O orc, que antes bebia sozinho enquanto Airen e Lulu se mantinham longe do álcool, agora tinha um companheiro de copo, e era evidente sua alegria com isso.

    Airen não precisou fazer nada para que os dois se tornassem amigos rapidamente. A cena de um nobre escutando atentamente um orc errante enquanto este conduzia a carroça parecia surreal, mas ambos pareciam amigos de longa data.

    Claro, a amizade de Khubaru não se limitava apenas a Brett. Ele também se aproximou de Judith, e o motivo para isso foi… adivinhação.

    — Você não tinha uma árvore de caqui no seu bairro quando era criança? — perguntou Khubaru a Judith.

    — Como… você sabe?

    — E havia muitos gatos na área.

    — Não tinha uma placa com um marlim azul desenhado?

    — C-como você sabe disso?!

    No início, não parecia nada especial. Como outros adivinhos comuns, Khubaru começou mencionando coisas genéricas, que poderiam ser verdade para muitas pessoas. Havia muitos bairros com árvores de caqui e gatos. Judith até comentou, enquanto estava bêbada, que haviam gatos pretos onde ela morava, mas sua memória parecia pouco confiável. A única coisa que poderia parecer impressionante era ele mencionar a placa com o marlim azul, mas isso também era fácil de adivinhar, considerando que ela vinha da Costa Pavarre, nas terras orientais, famosa por ser um ponto de pesca de marlins azuis.

    Por isso, Judith passou a acreditar nas habilidades de adivinhação de Khubaru. Até parecia grata por ele oferecer o serviço de graça.

    — Sua tola. Já disse antes, mas você confia nessas coisas facilmente demais. É por isso que você cometeu aquele erro com a Lulu da última vez… — provocou Brett.

    — Vou garantir que você não viva para dizer mais uma palavra se repetir isso, é sério — gritou Judith.

    — De qualquer forma… não confie tanto assim. Você nunca acredita no que eu digo, mas agora…

    — Você está insultando o Khubaru?

    — Ugh, ele é meu amigo agora, então por que eu faria isso? Só estou dizendo…

    — A adivinhação é feita por meio de uma análise cuidadosa do que acontece no céu para prever o que ocorrerá aqui embaixo. É um dos estudos mais importantes. É preciso observar o sol, a lua, as constelações e as estrelas cadentes e usar esse conhecimento para desvendar o destino humano de maneira lógica…

    Brett não conseguiu dizer mais nada enquanto Judith estava completamente encantada com a ideia da adivinhação. Assim, ela e Khubaru se tornaram rapidamente amigos.

    Quanto a Lulu, ele não interagia tanto com eles, mas isso não era um problema. Estava ocupada treinando sua feitiçaria, o que lhe deixava menos tempo para socializar. Ela meditava em posição sentada enquanto a carroça seguia viagem e voltava a meditar logo após as refeições, sem tempo para conversar.

    — Judith. Broto Lloyd. Vocês querem experimentar isso? — perguntou Lulu.

    — É Brett… Não Broto.

    — Ah, certo. Desculpa. Querem? É salmão cru com um molho especial. Ouvi dizer que humanos gostam disso. Não é verdade, Airen?

    — Sim. Eu gostei — respondeu Airen.

    — É mesmo? Nunca provei peixe cru… Hmm! Uau, é melhor do que eu imaginava — disse Judith.

    — É… certamente não é ruim — comentou Brett.

    Mesmo assim, Lulu interagia com eles durante as refeições e antes de dormir, o que deixou Airen aliviado.

    “Eu estava preocupado porque ela parecia tensa depois do que aconteceu em Derinku…”

    O ataque de Charlot e Victor foi a primeira vez que se sentiram realmente ameaçados de morte. E Ignet havia deixado uma impressão ainda maior. Desde então, Lulu parecia agitada e nervosa, como se estivesse sendo perseguida, mas relaxou um pouco depois que Brett e Judith se juntaram ao grupo.

    — Airen, você já terminou de comer?

    Ele estava perdido em seus pensamentos quando Judith o chamou, depois de terminar o almoço.

    — Sim. Por quê? — respondeu.

    — O que quer dizer com por quê? Não é óbvio o que fazemos depois do almoço? Levante-se e pegue sua espada. — Judith sacou sua espada e sorriu, enquanto seus cabelos vermelhos esvoaçavam. — Vamos duelar.

    — Ta bom…!

    O duelo após o almoço era uma das muitas mudanças desde que eles se juntaram ao grupo.


    Airen e Judith não duelavam com esforço total, pois precisavam ter cuidado para não se ferirem gravemente com espadas reais. Não havia como tratar ferimentos tão longe de cidades. Ainda assim, eles se esforçavam bastante, usando cerca de 80 a 90% de suas habilidades, o que era suficiente para determinar quem estava em vantagem. Para Airen, os duelos eram uma oportunidade de entender melhor sua posição em termos de esgrima.

    “Sou o mais fraco aqui”, pensou Airen.

    Ele já esperava isso. Quando duelaram na casa de férias de Korah Murrey, percebeu que ambos tinham uma esgrima mais completa que a sua.

    “É óbvio. Nunca os venci em duelos quando éramos aprendizes…”

    A única razão pela qual ficou em segundo lugar no exame final foi devido ao seu golpe poderoso. Mas, em uma luta real, ele carecia de muitos aspectos em comparação aos dois. O fato de conseguir duelar de igual para igual com os melhores gênios de Krono já era uma conquista incrível, mas ele não estava satisfeito. Pelo contrário, via isso como uma oportunidade para alcançá-los com esforço.

    Quanto a Judith… Ela havia incorporado movimentos ágeis e livres em sua esgrima, antes marcada por violência bruta. Talvez sua esgrima parecesse com fogo: ela atacava com força, para depois desaparecer como um fantasma, algo que Airen nem ousava tentar imitar.

    Brett era parecido. Seus movimentos, agora, eram muito mais suaves e harmoniosos do que Airen lembrava. Sua defesa fluía como um rio sereno, diferente da defesa rígida de Airen. Além disso, havia algo que diferenciava ainda mais Judith e Brett de Airen: o uso frequente da ‘aura’.

    Judith continuava usando ataques poderosos, como sempre. Mas não era só isso, cada vez que suas espadas colidiam, sua aura explodia, forçando Airen a resistir com dificuldade. Claro, aquilo não era nada comparado à Aura da Espada de um mestre espadachim, nem mesmo ao esforço excessivo que Charlot e Victor faziam para canalizar aura em suas lâminas. Era seguro dizer que a aura de Judith não tinha energia suficiente para causar danos sérios. Mas, mesmo em pequena quantidade, somada à sua paixão ardente, mudava completamente a dinâmica do combate. A energia, fervendo como lava, criava uma pressão agressiva que quase fazia Airen querer fugir.

    — Ufa, perdi — disse Airen.

    — Haha! Agora está oito a um pra mim.

    Judith comemorou a vitória enquanto mantinha a vantagem durante todo o tempo. Airen sorriu amargamente. Antes, ele não se importava tanto com derrotas, mas isso mudou. Depois de encontrar Ignet, ele despertou um espírito competitivo, e perder agora doía. Contudo, ele sabia que não podia recuar ou fugir disso.

    Brett, que aguardava sua vez, aproximou-se e disse a Airen:

    — Você ainda não está cansado, certo? Vamos começar agora?

    — Claro.

    — É, acho que foi tolice minha perguntar se você está cansado. Vamos lá.

    Então o segundo duelo começou. Diferente do resultado devastador contra Judith, o histórico de Airen contra Brett era de quatro empates e duas derrotas. Parecia que estavam no mesmo nível, mas essa não era a verdade. Enquanto Airen não tinha como vencer Brett, este não tinha como perder para Airen. Os empates aconteciam porque Brett era excelente na defesa, não porque Airen era bom. E o uso único de aura por parte de Brett aumentava ainda mais essa diferença.

    Durante o duelo, a aura de Brett fluía constantemente. Era uma energia que lembrava o frescor de caminhar ao lado de um rio ao amanhecer. Contudo, Airen sentia essa energia desconfortável o envolvendo lentamente e tornando-se pesada.

    A aura de Brett era como uma névoa. Uma quantidade quase imperceptível saía a cada golpe de sua espada. Não era ameaçadora como os ataques poderosos de Judith, mas, com o tempo, a aura se acumulava, cobrindo o campo de batalha e fazendo Airen sentir-se lento e exausto.

    “Só consigo resistir tanto tempo por causa da minha estâmina. Se não fosse por isso, já teria perdido”, pensou Airen.

    Mesmo com esse pensamento, a aura de Brett continuava limitando seus movimentos. Airen não conseguia evitar franzir a testa enquanto o duelo se prolongava por mais de vinte minutos.

    Mas ninguém reivindicou a vitória, o que fez Judith, entediada, gritar:

    — Argh, que tédio! Parem com isso!

    — Eu não estou entediado — respondeu Brett.

    — Quanto tempo mais vocês vão me deixar de lado?

    — O que você quer dizer? Você já duelou uma vez, agora é minha vez. Qual o problema?

    — Eu demorei cinco minutos, enquanto você já está nisso há uma hora! Sai. Quero outro duelo com Airen.

    Brett balançou a cabeça e se voltou para Airen. Este sorriu e assentiu. No final, Brett terminou o duelo com um empate, e Judith tomou o seu lugar.

    Enquanto observava Judith e Airen trocando golpes de forma ainda mais intensa, Brett refletiu consigo mesmo. “Parece que Judith também foi influenciada.”

    Brett assentiu. Airen parecia influenciado por ele e Judith, mas eles também pensavam muito em Airen. E isso era evidente. Brett desviou o olhar para o céu, mas sua mente estava no golpe que Airen desferiu na casa de férias de Murrey.

    Chamar a aura e concentrá-la era o talento mais importante para se tornar um mestre, e Airen tinha esse talento. Isso indicava que ele tinha a maior chance de se tornar um mestre espadachim entre os três.

    Brett então riu.

    Airen só havia treinado esgrima por seis anos, não, apenas um ano com real dedicação, e já havia aberto o caminho para se tornar um mestre. Não existia espadachim que não se sentisse influenciado por um gênio como ele.

    “Mesmo que o homem do sonho o tenha ajudado… É incrível que ele tenha conseguido copiar aquela esgrima desde o início.”

    — Argh… — Airen caiu no chão.

    — Yay! Agora está nove a um! Noventa por cento de taxa de vitória!

    Brett clicou a língua enquanto assistia Judith vibrar após derrotar Airen novamente.

    “Por que ela precisa provocar o oponente assim?” era algo que ele costumava pensar, mas agora não se importava mais. Sabia que Judith sempre seria assim. Ele suspirou e se aproximou.

    — O que foi? Por que essa cara? Vem cá, vou acabar com você num duelo dessa vez! — rosnou Judith.

    — Considerando que meu recorde contra você é de duas vitórias e nenhuma derrota, isso é risível. Vou esmagar você agora. Mas… — Brett virou-se para Airen, que ainda tentava recuperar o fôlego, e disse: — Vamos encerrar os duelos físicos e mudar para um duelo de palavras.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

    Nota