Índice de Capítulo

    A dupla de aprendizes incomuns certamente atrairia atenção.

    Apesar de ter quinze anos, mais velho que a média dos aprendizes, Airen Farreira se mostrou medíocre. Em outras palavras, era o maior fracassado da academia. Ninguém se dava ao trabalho de falar com ele, pois todos acreditavam que ele falharia antes das provas intermediárias. Assim, a súbita disposição do gênio da família Lindsay em conversar com ele foi inacreditável, especialmente porque ela nunca demonstrara interesse em ninguém, incluindo o aprendiz que ficou em segundo lugar.

    “Que diabos? Eles se conheciam?”

    “De jeito nenhum. Não há conexão entre eles.”

    “O que está acontecendo?”

    Os aprendizes ficaram curiosos. Todos pararam o que estavam fazendo para ver o que acontecia. Judith e Brett até os observavam chocados. Infelizmente, ninguém conseguia ouvir a conversa deles, pois falavam quase sussurrando.

    De qualquer forma, eles continuaram conversando. O aprendiz que estava em primeiro lugar falava principalmente, enquanto o último apenas acenava com a cabeça. Às vezes, ele fazia algumas perguntas, mas Illia na maior parte apenas falava com ele.

    E, após um tempo, a garota de cabelos prateados voltou ao seu treinamento intenso e intimidador como se nada tivesse acontecido.

    — Hah! — exclamou Airen.

    Ele também voltou ao seu treinamento. Parecia mais sério que qualquer um, embora, comparado a Illia, seus levantamentos de peso fossem constrangedores. Ele se concentrou em seu treino, mas não durou muito, pois outra aprendiz se aproximou dele.

    — Ei.

    Airen levantou a cabeça.

    — Ei! Estou te chamando aqui!

    A garota de cabelos vermelhos, Judith, se aproximou de Airen. Apesar de ter uma origem humilde, ela havia ficado em segundo lugar no teste físico. Airen estava tão focado em seu treino que só a notou quando ouviu sua voz desagradável.

    — Sim, desculpe. O que foi? Precisa de alguma coisa…

    — Por que eu precisaria de algo seu? — ela o interrompeu. A garota então forçou a voz para que ele a ouvisse, aproximou-se e sussurrou em seu ouvido com um olhar descontente. — Sobre o que vocês estavam falando agora mesmo?

    Airen se calou.

    — Que segredo vocês estavam compartilhando tão quietos? Vocês se conhecem? Apenas me diga do que estavam falando do início ao fim. Vamos lá!

    Airen estava um pouco frustrado com a insistência de Judith, como uma criança, mas essa emoção não durou muito. Ele sabia que ela era do tipo que se irritava facilmente, e já estava acostumado com pessoas assim. Ela era como sua irmã, Kiril. Além disso, o pedido dela era bastante simples.

    Ele assentiu.

    — Não era nada. É só…

    — Shhh. Fica quieto. Não deixa ninguém ouvir — Judith o interrompeu.

    — Na verdade, não era nada demais… Ela apenas me ensinou a postura correta para usar o equipamento e me deu algumas dicas sobre como treinar.

    — Mentira!

    Ela se irritou, notável pelo seu hálito quente no ouvido de Airen. Ele sabia que ela não acreditava nele, mas, como não tinha nada a esconder, repetiu a si mesmo com calma.

    — Bem… Ela provavelmente pensou que eu estava usando o equipamento errado, então me ensinou. É a primeira vez que uso, então foi uma grande ajuda…

    — Sério? É só isso?

    — Sim. Não estou mentindo.

    Judith parou de sussurrar e então deu um passo para trás para encarar Airen como se estivesse interrogando um criminoso. No entanto, Judith não tinha escolha a não ser segurar a língua e se afastar, pois ele não estava mentindo.

    — Ufa — suspirou Airen.

    Ele entendeu por que Judith estava tão alterada. A aprendiz, Illia, que estava no topo da classe, nunca se interessou por ninguém até hoje. Era óbvio que a posição dela em segundo lugar havia aumentado a curiosidade.

    Mas ele não sabia o que Illia Lindsay estava pensando ou por que ela o ajudou, então não podia dizer nada.

    “Por que ela me ajudou, afinal? Foi caridade? Ou pena?” Ele pensou por um segundo, depois balançou a cabeça. Não havia como descobrir o porquê, nem importava. Ele tinha que focar em usar esse tempo precioso, já que tinha que se esforçar mais que os outros para acompanhar.

    Então ele tentou voltar ao seu treinamento, mas foi interrompido novamente. Era Brett Lloyd, o terceiro colocado, parado bem à sua frente.

    — Ei — disse Brett.

    — Sim…?

    — Deixe-me perguntar uma coisa… você pode me dizer o que conversou com a Srta. Illia Lindsay? Ah, e se não se importar, me fale também o que aconteceu com a Judith.

    Airen suspirou ao ver Brett se inclinar e fazer a mesma pergunta que Judith.


    Já faziam dez dias desde que os aprendizes preliminares chegaram à Academia de Esgrima Krono. A rotina diária deles permanecia a mesma; treino físico infindável seguido de uma breve aula de artes liberais.

    Os aprendizes naturalmente ficavam cada dia mais miseráveis.

    — Droga, não esperava que fosse tão difícil…

    — Sei que o treinamento físico é importante, mas não é demais que nem nos deixem pegar uma espada?

    — É verdade, né?

    Mas os aprendizes também encontravam seu conforto. A academia era um local solitário e severo, então isso os aproximava. Não havia cumprimentos estranhos por não conhecerem os nomes uns dos outros. Era comum vê-los comendo e conversando em grupos.

    Mas havia exceções.

    — Hmph, hmph!

    Judith corria na pista, encharcada de suor. Seus cabelos vermelhos estavam todos emaranhados e seu rosto estava franzido de exaustão, mas ela não parava. Continuava seu treinamento sozinha enquanto outros se agrupavam como desculpa para descansar.

    Brett Lloyd, que descansava em um banco de areia próximo à pista, parou e resmungou.

    — Tola obstinada.

    Brett acreditava estar mentalmente preparado para qualquer coisa, tal era o seu orgulho de nobre. Ele conhecia o peso de seu nascimento e seu destino como governante, então fazia questão de aproveitar seu tempo de maneira significativa. Mas Judith estava treinando além de seu nível.

    “Perdi para aquela plebeia.” Ele não queria aceitar isso, mas não tinha escolha. Seu orgulho como nobre era construído sobre seu próprio julgamento. Mentir para si mesmo só iria destruir sua dignidade e autoconfiança.

    — Droga… — murmurou Brett.

    — O que houve, Lorde Lloyd?

    — Há algo te incomodando…?

    — Essa plebeia Judith te incomodou?

    Os aprendizes ao redor reagiram ao seu xingamento discreto. Esses garotos tolos se ofereciam voluntariamente para servi-lo, mesmo que a academia não reconhecesse a nobreza. Mas eles eram talentosos o suficiente para serem melhores que a média quando necessário.

    “Não posso parecer fraco quando dependem de mim”, pensou o primogênito da família Lloyd ao responder. — Não é nada. Vamos voltar a correr.

    — Hah. Já…?

    — Você pode seguir devagar se for difícil demais. Mas se conseguir, corra como se sua vida dependesse disso.

    “Não vou perder. Como o primogênito da família Lloyd, farei meu melhor para superá-lo.” Brett prometeu a si mesmo e começou a correr pelo percurso de areia.

    Foi então que ouviu vozes atrás de si.

    — Endireite suas costas — disse uma garota.

    — Argh! Aah! — um garoto ofegava.

    — Tente respirar pelo nariz em vez de pela boca. Tenha cuidado para não torcer o tornozelo.

    — Argh, hah, argh!

    Era a voz desinteressada de uma garota linda e o ofegar desagradável de um garoto como se ele estivesse prestes a desabar. Brett sabia a quem essas vozes pertenciam.

    “Illia Lindsay e Airen Farreira…”

    Era uma estranha combinação do melhor gênio do Reino Adan e do pior preguiçoso do Reino Heyle. Talvez não fosse certo chamá-los de pares, já que a filha da família Lindsay mal se referia ao Nobre Preguiçoso. Ela passava a maior parte do seu tempo de treinamento sozinha, como Judith. Mas ainda assim, era interessante vê-los juntos, mesmo que por um breve momento.

    Até agora, os seguidores de Brett não conseguiam desviar os olhos deles.

    “Não preciso me preocupar com esses dois.” Brett não estava interessado neles. Embora ele estivesse curioso sobre o relacionamento deles, isso não significava que ele tinha algo a ver com isso.

    No início, Brett acreditava que tinha uma chance e não precisava temer a reputação da família Lindsay. Mas agora ele sabia. Aquela genialidade estava além do nível em que ele poderia competir, não importa o quanto tentasse.

    E quanto a Airen Farreira…

    “Não preciso me preocupar com ele pelo motivo completamente oposto.”

    Ele acreditava que Airen havia subornado seu caminho até ali sem fazer esforço algum e que, definitivamente, fracassaria. Não havia chance de Airen chegar ao seu nível. Era óbvio que ele logo desistiria. Mesmo o encorajamento de Illia Lindsay e as constantes provocações dos outros aprendizes serviam apenas como estímulo…

    “Você vai voltar aos seus velhos hábitos assim que se acostumar.”

    Havia um motivo para ele ser chamado de Nobre Preguiçoso. Todos os boatos tinham suas razões. Brett virou-se após esse pensamento, então começou a correr no percurso.

    “Meu objetivo é chegar ao segundo lugar.”

    — Hah, hah!

    — Não nos deixe, Lorde Lloyd!

    Os seguidores de Brett pareciam exaustos, mas não ficavam para trás. Embora não fossem tão habilidosos quanto os aprendizes de alto escalão, todos eles tinham talento ou se esforçavam para estar ali. Airen não era como eles, o que era a segunda razão pela qual Brett não estava preocupado com ele. Até mesmo os aprendizes de classificação muito inferior a Brett tinham o mesmo pensamento.

    De qualquer forma, Airen só se concentrava em fazer o melhor que podia.


    O tempo passou.

    Dez dias, depois mais dez dias. Já se passava um mês desde que os aprendizes começaram. Eles estavam começando a se adaptar à dura rotina diária da Academia de Esgrima Krono. A academia tinha um sistema de avaliação absoluto, então não havia necessidade de competir por uma nota mais alta. Alguns aprendizes até acreditavam que todos passariam nos exames se trabalhassem juntos.

    Mas isso não importava para o Nobre Preguiçoso. Airen Farreira não dava atenção a nada disso. Ele ainda se concentrava em treinar tanto quanto podia.


    O tempo passou novamente.

    Agora era o segundo mês. Os dias estavam ficando mais longos, e alguns aprendizes tinham até desistido de acompanhar a programação diária. A rotina permanecia a mesma, mas o treinamento se tornava cada vez mais intenso. Exceto por alguns aprendizes de alto escalão, a maioria já tinha atingido seu limite físico.

    Exaustão ou lesão não eram raridades. A sala de recuperação da academia era excepcional, e o instrutor Rune Tarhall trabalhava duro para colocar os aprendizes de volta em forma. Eles tinham tempo suficiente para treinar se quisessem, mas apenas se estivessem mentalmente preparados. Isso impedia alguns de treinarem depois do horário.

    No entanto, isso não se aplicava a Airen Farreira. Ele ainda treinava ao máximo de sua capacidade.


    E o tempo passou mais uma vez.

    Já era o terceiro mês. O clima estava escaldante, e até os instrutores estavam exaustos. Agora, a maioria dos aprendizes havia desistido de treinar. Após terminarem a rotina diária, que estava cada vez mais severa, eles mal tinham energia para levantar um dedo. Teriam pulado o jantar para dormir se não fosse pelos instrutores quase os ameaçando para comerem.

    Mas havia exceções.

    Illia Lindsay, Judith e Brett Lloyd, os três aprendizes de maior classificação, treinavam diligentemente. Embora cada um deles fosse talentoso o suficiente para aliviar um pouco o treino, nenhum deles parava. Alguns seguidores de Brett e outros continuavam se exercitando também.

    Os aprendizes preliminares continuavam sua prática. Airen Farreira, claro, era um deles. Ele ainda treinava tanto quanto podia.

    Agora, os aprendizes preliminares da Academia de Esgrima Krono não o chamavam mais de Nobre Preguiçoso.

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