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    Não havia uma resposta definitiva sobre como resistência física e mente se relacionam. Era impossível medi-las em números, e variavam muito de pessoa para pessoa. Mas todos que tinham uma profissão que exigia treinamento físico, como cavaleiros ou espadachins, diriam a mesma coisa:

    “Uma mente saudável vem de um corpo saudável.”

    A maioria dos espadachins acreditava que resistência e mente estavam conectadas. O crescimento físico normalmente vinha primeiro, seguido pelo mental. Isso era óbvio. Não havia como uma criança, que ainda não passou por dificuldades na vida, ter uma mentalidade superior à de um cavaleiro que superou todas as adversidades e tédio e treinou com a espada por dez anos.

    Até mercenários sem educação sabiam disso, e o Instrutor Ahmed acreditava nisso há muito tempo. A mente humana crescia à medida que se continuava diligentemente no treinamento, suportando um fardo pesado e dores que levavam o corpo ao limite. Assim como as fibras musculares se fortalecem ao se recuperarem, a mente humana crescia desse processo. Pelo menos, era assim que geralmente funcionava.

    — A mente dele tomou controle do corpo — disse Ian, pensando sobre o garoto, Airen Farreira, enquanto tomava chá no escritório do diretor. Ele parecia ter chegado a uma conclusão diferente sobre Airen.

    Claro, Ahmed sabia que o inimaginável podia acontecer, e ele já ouvira falar de casos assim, como a história de uma mãe que liberou força sobrenatural para salvar seu filho preso sob uma pedra enorme. No entanto, ele não achava que esse fosse o caso, mas também não se opôs ao que Ian disse.

    O diretor tampouco se importava com os pensamentos de Ahmed. Ele apenas observava a xícara de chá que já estava morna havia algum tempo e continuou.

    — É estranho. Muito estranho. Claro, não é impossível, já que existem casos onde uma mente extraordinária domina o corpo para realizar o impossível. Eu mesmo já superei um risco de vida com esse fenômeno. E vocês? — perguntou Ian.

    — Eu também já tive uma experiência assim, senhor — respondeu Ahmed.

    — Eu também — disse Karaka.

    Ian assentiu e continuou. — Mas isso aconteceu quando a situação se tornou crítica. Nunca na minha vida vi uma força de vontade tão firme mantida por tanto tempo. — Ian então fechou os olhos e pensou no garoto. Ele tinha uma mente mais forte comparada ao seu corpo frágil. Seu corpo estava sendo forçado a alcançar a mente. O diretor estava chocado ao ver suas crenças e padrões desmoronarem diante de um aprendiz que continuava a treinar além de seus limites.

    — Tenho certeza de que ele não está usando magia… Não, é mais como feitiçaria.

    A mente do garoto parecia manter seus músculos, ligamentos e ossos, que já haviam superado seus limites, sem falhar, e rapidamente se recuperava absorvendo energia da natureza ao redor. Então, o garoto repetia seu treinamento intenso mais uma vez.

    O diretor fechou os olhos e soltou um suspiro de antecipação e excitação. Pensou no futuro do garoto e abriu os olhos.

    — Como disse antes, deixem-no continuar — afirmou ele.

    — Sim, senhor.

    — Sim, senhor.

    Ahmed e Karaka responderam de imediato. Eles não estavam mais preocupados com Airen, pois o diretor, em quem confiavam, parecia confiante. Mas não esperavam o que ele diria a seguir.

    — E o que faremos com Judith… hmm? — perguntou Ian.

    — Er… —

    — Hmm…

    Eles teriam que parar Airen se quisessem parar Judith, mas isso era impossível. As rugas de Ian ficaram mais profundas.

    — Com certeza temos aprendizes únicos este ano. Quatro deles, quando geralmente não temos nenhum.

    O diretor da Academia de Esgrima Krono riu.


    Agora faltava apenas um dia para o exame intermediário, que decidiria quem ficaria ou sairia da academia. A maioria dos aprendizes, incluindo Illia Lindsay, Brett Lloyd e outros de alto escalão, se concentrava em manter sua melhor condição. Alguns estavam correndo na pista para aliviar o nervosismo extremo.

    Mas Judith, a aprendiz que sempre ficava em segundo lugar na academia, e Airen Farreira, o Nobre Preguiçoso, eram diferentes. Eles continuavam treinando intensamente, como se tivessem esquecido que o exame era no dia seguinte.

    — Idiotas.

    — Eles são loucos! O que estão pensando?

    — Vão acabar ficando doentes antes de amanhã.

    — É uma pena que o exame não seja avaliado em curva. Acho que consigo vencê-los agora.

    Os outros aprendizes balançavam a cabeça, incrédulos com a loucura dos dois. Brett e seus seguidores estalaram a língua, enquanto Illia os observava brevemente com uma expressão confusa antes de voltar para seu quarto. Mas Airen e Judith não pararam até tarde da noite.

    — Hah! Hah!

    Judith desabou no chão ao lado do percurso, e então olhou para a sala de musculação. A luz de uma lâmpada mágica ainda estava acesa e visível do lado de fora. Ela tinha certeza de que Airen ainda estava treinando.

    Judith estava atônita, com arrepios subindo por sua pele. Ela nunca tinha sentido que havia perdido, nem mesmo para Illia, mas não conseguia evitar o sentimento de derrota.

    — Droga! Ele sequer sabe que temos o exame amanhã? Idiota! Imbecil! Bastardo! — ela xingou.

    Após ficar sentada ali por um tempo, a garota finalmente se levantou e voltou para o quarto.

    “Não vou desistir agora. Só preciso de uma boa noite de sono para o exame de amanhã.”

    Judith tentava se convencer, mas isso não a fazia se sentir melhor. O que a trouxe para a academia foi sua paixão ardente pela competição, mais do que qualquer pensamento racional. Mas ela não tinha escolha. Ela estava, realmente, realmente cansada.

    “Eu vou esmagá-lo no exame amanhã”, pensou a garota de cabelos vermelhos enquanto se lavava e se deitava na cama. A maioria dos aprendizes preliminares já estava em suas camas, com a exceção de Airen.

    — Hah! Hah!

    Seus músculos tremiam levemente.

    — Hah! Hah!

    O sangue de Airen corria por suas veias, enviando nutrientes, oxigênio e uma energia misteriosa por todo o corpo, acelerando seu ritmo. Seu corpo cansado se recuperava rapidamente, permitindo que ele continuasse se movendo.

    — Argh… argh… ugh…

    Mas isso não significava que era fácil. Recuperar um corpo fatigado normalmente levava dias, então fazer isso instantaneamente trazia uma dor extrema, suficiente para fazer qualquer um desistir e cair no chão em lágrimas. Mas ele não fazia isso. O garoto havia rompido sua casca e não era mais um frágil menino.

    “Eu posso fazer mais. Só um pouco mais!”

    A dor intensa, ainda maior do que a que ele sentiu no primeiro teste físico, tomou conta dele. Mas o Nobre Preguiçoso suportou e continuou. Ele avançou, e seguiu em frente. Ele esqueceu o tempo, a tristeza, os olhares silenciosos, as más lembranças e todas as outras coisas insignificantes que o irritavam, movendo-se com um único propósito, exatamente como o homem no sonho.

    Foi só então que Airen Farreira percebeu que o limite que o impedia de avançar havia sido completamente destruído.

    Airen parou e olhou para seu corpo. Estava tão encharcado de suor que parecia ter caminhado sob a chuva. Suas roupas tinham marcas brancas do suor, e um fedor forte o cobria. Mas aquilo não parecia ruim. Pelo contrário, era revigorante.

    Ele tirou a camisa e saiu da sala de musculação. Uma brisa fresca e agradável da manhã o envolveu. Ele abriu o sorriso mais brilhante que já havia dado desde que entrou na academia e continuou.

    Pow, pow!

    Seu soco era muito mais rápido.

    Chute!

    E seu chute o impulsionou para um ponto muito mais alto do que antes. Todos os outros movimentos tiveram resultados semelhantes. Ele estava animado, curioso e um pouco preocupado com o fato de seu corpo estar se movendo muito melhor, como se tivesse renascido.

    “O que aconteceu?” Ele havia se forçado instintivamente nos últimos dez dias. Não era porque ele tinha uma convicção firme. Era como quando empunhou uma espada pela primeira vez, aquele forte desejo de correr, se mover e se forçar ao limite o dominava, mas dessa vez era muito mais intenso. O resultado foi espetacular, superando suas expectativas, mas algo não parecia certo.

    “Então, foi tudo devido ao sonho de novo.”

    Ele se sentiu confuso, mas apenas por um instante. Fechou os olhos por um segundo e afastou esses pensamentos.

    “Não vou pensar em algo para o qual não tenho respostas. Vou pensar no que devo fazer primeiro.”

    Isso foi o que ele aprendeu com o sonho que teve dez dias atrás. Após organizar seus pensamentos, ele se virou e viu pessoas saindo da sala de musculação. Eles o haviam observado treinar a noite toda. Eram o Instrutor Ahmed, Karaka, Rune Tarhall e um homem mais velho que ele não conhecia.

    O Nobre Preguiçoso, olhando para os rostos sérios deles, perguntou:

    — Quanto tempo me resta para o exame intermediário, senhor?

    — Você tem… quinze minutos. Está quase sem tempo.

    — Mas ainda não estou atrasado, certo?

    — O quê? Haha… Hahaha! — o homem mais velho explodiu em gargalhadas com o tom casual de Airen. Então, após um momento, ele parou de rir e falou de maneira digna.

    — Todos os outros aprendizes estão em excelente condição. Estão bem descansados e alongados. Mas você. Você se forçou tanto logo antes do exame, como um tolo.

    Airen ficou em silêncio.

    — Mas tenho certeza de que você não usará isso como desculpa. Não é verdade?

    — Isso é verdade, senhor.

    — Ótimo. Vamos fazer o exame, então.

    Ian, o homem mais velho, começou a andar na frente. Airen, confuso, o seguiu, junto com os outros três instrutores, que pareciam sérios.

    Finalmente, o exame intermediário que decidiria o destino dos aprendizes preliminares estava prestes a começar.

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