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    A Propriedade Farreira, localizada na parte sul do Reino Heyle, é conhecida como um ponto de comércio, conectando viajantes e produtos de dois países vizinhos. Mas era mais famosa pelos filhos do Barão Farreira.

    — Haha, você quer dizer a Senhorita Kiril? — um guarda veterano com cinco anos de experiência disse com uma risada. — Ela é incrível! Ela realmente é! Ela só tem onze anos, mas já recebeu oficialmente o título de feiticeira!

    — Is-isso é incrível! Não me diga que ela foi nomeada pela família real?! — perguntou um jovem guarda, com uma expressão de surpresa no rosto.

    — Pode apostar! Você sabe o quão valiosas são os feiticeiros, certo?

    Um novo recruta acenou com a cabeça, ingenuamente, à pergunta do veterano.

    — C-claro que sei. Ouvi dizer que são mais raros que grandes magos!

    — Isso mesmo. Feiticeiros são incomparáveis a esses magos que correm pela Torre Mágica. Mas ela já despertou como uma feiticeira, o que significa que o futuro da propriedade Farreira está em boas mãos!

    O guarda veterano parecia orgulhoso ao falar sobre Kiril Farreira, a filha do Barão Farreira. Ele havia vivido ali e sido leal à família por toda a sua vida, então a Casa de Farreira era seu orgulho e alegria.

    — E daí? Não importa o quão incrível a moça seja, o Lorde Airen é o primogênito, de qualquer forma — disse um guarda de nariz grande, interrompendo-o. O guarda veterano o encarou em silêncio enquanto ele continuava. — Não consigo ver como o nosso futuro está em boas mãos quando tudo o que ele faz é dormir o dia todo em sua cama. Será sorte se ele sobreviver entre esses tolos que parecem hienas…

    — Seu idiota! Cuidado com o que diz! — disse o guarda veterano ameaçadoramente, enquanto o encarava. Mas o homem de nariz grande não parou de resmungar.

    — Como ousa falar assim com seu superior! — disse o guarda veterano. — Só estou dizendo a verdade. O novo recruta deveria saber essas coisas, já que ele não é daqui…

    — Eu disse, pare!

    Os dois guardas ficaram enfurecidos e começaram a discutir. O novo recruta pensou para si mesmo: — Na verdade, eu já sabia disso…

    Não era estranho que ele soubesse. Embora a Senhorita Kiril fosse bastante famosa, havia outro que a superava em fama. Era o Nobre Preguiçoso, Airen Farreira. Mas ele não era reconhecido de forma positiva; era zombado e ridicularizado por não fazer nada além de dormir em seu quarto o dia inteiro, mesmo aos quinze anos. Isso lhe rendeu tal apelido.

    — Eu até ouvi que um nobre de uma propriedade vizinha insultou o Lorde Airen em público, mas ele não reagiu nem nada…

    O novo recruta estava atento aos rumores, então tais informações não eram novidade para ele. Ele até sabia que Airen Farreira começou a dormir o dia inteiro após perder sua mãe em um acidente quando ele era jovem, ou pelo menos era o que tinha ouvido.

    — Bem, acho que é compreensível, já que ele perdeu a mãe bem diante de seus olhos. Mas…

    Nesse momento, ele ouviu uma voz aguda que interrompeu sua linha de pensamento.

    — O que está acontecendo aqui? — perguntou alguém com uma voz afeminada.

    Os dois guardas que estavam discutindo pararam. Kiril Farreira e sua mãe, a Baronesa Amélia, a segunda esposa do Barão Farreira, estavam paradas bem à frente deles. Seus olhos azuis encaravam os guardas, enquanto os três se ajoelhavam rapidamente e se curvavam.

    — Por favor, tenham misericórdia! — gritou o guarda veterano.

    — Quem disse que vocês têm permissão para fazer tanta confusão durante o serviço? — Kiril rebateu.

    — Por favor, por favor, tenham misericórdia!

    — Vocês não deviam ter feito coisas das quais iriam se arrepender.

    — Isso nunca mais vai acontecer!

    — É só isso? O que deveríamos fazer com essa transgressão atual?

    — É-é q…

    Kiril Farreira falou de maneira ameaçadora, como se estivesse acostumada a falar assim com os guardas.

    — Já chega, Kiril — disse Amélia gentilmente, enquanto intervinha para acalmar a filha.

    — Mas esses homens… — disse Kiril.

    — Você já deixou claro seu ponto. Tenho certeza de que eles já perceberam o erro que cometeram. Não é verdade? — Amélia se voltou para os guardas enquanto os encarava.

    — S-sim, claro, minha senhora! — gritou o guarda veterano.

    — Muito bem. Não sei sobre o que vocês estavam falando, mas podem ter essa conversa em particular quando estiverem fora de serviço. Agora é hora de focar no trabalho de vocês.

    Amélia tinha uma autoridade em sua voz, mesmo com seu sorriso benevolente. O guarda veterano permaneceu nervoso, enquanto Kiril e a baronesa se afastavam.

    O novo recruta observou em silêncio, pensando: “Devo ter cuidado com elas a partir de agora.”

    Nem a baronesa bondosa, nem Senhorita Kiril pareciam ser flexíveis.


    Ao mesmo tempo, Airen, o primogênito da família Farreira, estava deitado em sua cama como de costume. Após testemunhar o acidente de sua mãe, aos quatro anos, ele passou a maior parte do tempo em sua cama.

    Ele dormia pela manhã enquanto todos saíam de suas camas e, ao meio-dia, quando todos estavam trabalhando. E o que dizer da hora em que todos estavam dormindo? Ele dormia também. Tentava dormir, mesmo quando não conseguia pegar no sono. Sentia menos dor quando estava dormindo, por isso raramente deixava sua cama.

    Mas, estranhamente… Airen não conseguia dormir hoje.

    Isso era muito estranho. Airen geralmente não sonhava. E, mesmo quando sonhava, seus sonhos costumavam ser uma sensação vaga de estar dentro de água morna, como se ainda estivesse no ventre de sua mãe. Mas os sonhos que vinha tendo nos últimos dias eram completamente diferentes.

    “Treinando com uma espada…?”

    Cortes, golpes, estocadas. Ele continuava sonhando com um garoto que empunhava uma pesada espada de aço, treinando sem descanso. No sonho, ele não se sentia como um observador. Airen não era ele mesmo. O garoto se transformava em um homem de meia-idade, empunhando sua espada. Ele derramava muito sangue, suor e lágrimas até seus músculos queimarem.

    Era por isso que Airen não conseguia dormir. Ele costumava dormir para escapar da dor, mas o sonho só trazia mais dor.

    “O que esses sonhos significam, afinal?”

    Ele não conseguia entender nada sobre os sonhos ou sobre o homem. Mesmo que quisesse descobrir, ele não se lembrava de muito quando acordava. E o homem que treinava esgrima em um pátio comum de uma casa modesta não era motivo suficiente para que ele se preocupasse. Além disso, havia um problema maior.

    Airen Farreira jogou fora seus cobertores macios e saiu da cama. Então começou a fazer agachamentos, abaixando e levantando, repetindo dez vezes. Ele já estava sem fôlego, já que nunca tinha se exercitado antes. Ele se moveu muito mais do que costumava em um dia. Mas… ele não conseguia parar.

    Ansiedade. Ele sentia cada fibra de seus músculos se contorcendo de ansiedade. Seu corpo queria se mexer. Algo o impulsionava a acordar de seu sono e alongar-se. A dor que ele sentia no sonho havia desaparecido, mas a satisfação do treino que fazia seu corpo se mexer continuava presente.

    — Haa… Haa… — Airen ofegava após terminar seus agachamentos.

    Mas sua agitação não passava. Seu coração batia acelerado, mais rápido do que o normal. Ele tentou deitar na cama de novo, mas não adiantou.

    — Tem alguém aí? — Airen gritou.

    Ele não falava muito fazia tempo, então sua voz estava fraca. Mas a resposta veio rapidamente. Um servo bem vestido abriu a porta em silêncio, entrou no quarto e se curvou.

    — Sim, meu senhor. Há algo de que precisa?

    — Umm…

    Airen pigarreou, hesitando em falar. O servo ficou curioso. “O que ele está tentando dizer?”

    Airen não era do tipo que pedia muitas coisas. Ele geralmente só queria água, comida e qualquer outra coisa essencial para sua sobrevivência. Não precisava de mais nada, além disso. Mas agora, Airen parecia estar hesitando bastante.

    O servo olhou para Airen com expectativa, e a resposta do Nobre Preguiçoso veio com uma surpresa inesperada.

    — Eu… Eu gostaria de… empunhar uma espada — murmurou Airen. O servo ficou em silêncio, chocado, e Airen continuou. — Você pode providenciar isso? Não tenho certeza do que preciso.

    — M-meu senhor, perdão…

    O servo estava incrédulo. Ele não esperava ouvir algo assim de Airen, então precisou ter certeza de que havia entendido corretamente.

    — Eu entendi direito…? O senhor deseja descer ao salão de treinamento para treinar com uma espada e quer que eu o guie até lá e prepare uma espada de madeira ou algo assim… Estou certo?

    — Sim… está certo.

    Depois de uma breve pausa, o servo se curvou e saiu para se preparar.

    E alguns momentos depois, o Nobre Preguiçoso, Airen Farreira, estava no salão de treinamento pela primeira vez em sua vida.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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