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    Ignet Crecensia. Embora o continente a conhecesse como a espadachim mais talentosa, ela não usava uma espada até um ano atrás. Em vez disso, empunhava uma lâmina de um único gume1. No entanto, isso não se devia à incapacidade de manejar uma espada de dois gumes, mas porque a lâmina de um único gume era a melhor arma que possuía à sua disposição.

    Claro, as coisas haviam mudado. Por mais grandiosa que fosse a espada de Vulcanus, ela não se comparava à espada sagrada que Ignet recebeu do rei sagrado. Adaptando-se rapidamente à nova arma, ela surpreendeu a todos com sua imensa habilidade.

    Agora, Ignet desferia seu golpe mais poderoso contra Joshua Lindsay no campo de treinamento deserto de Lavaat.

    Swish!

    Ignet tinha um estilo particular. Ela investia. Mas não investia diretamente contra seu oponente. Em vez disso, sua espada curvava-se e estocava no último momento. Ela também não manejava sua espada de maneira comum. Sua técnica sofisticada dificultava para os oponentes saberem se ela estava estocando ou cortando. Além disso, Ignet era incrivelmente rápida e poderosa. Airen nem conseguia imaginar copiar tais movimentos.

    Thud!

    No entanto, Joshua Lindsay não se deixava ser pego de surpresa. Reunindo sua aura e convocando o vento, ele avançou como a própria encarnação do tufão. Com uma expressão grave, desviava e bloqueava os ataques de Ignet. O embate continuava por um tempo. Surpreendentemente, Ignet parecia ganhar impulso.

    Crash!

    Boom!

    Craaack!

    Ela atacava implacavelmente, movendo seus pés com agilidade para reunir ainda mais força e pressionar Joshua como uma horda de águias bombardeando uma tartaruga. Seus olhos brilhavam intensamente. Airen engoliu em seco.

    Então, Joshua, que até então estava na defensiva, emitiu uma explosão de energia.

    Crack…

    Boom!

    O sorriso de Ignet desapareceu. Seus ataques implacáveis e movimentos ágeis cessaram. Com uma expressão tensa, ela recuou mais rápido do que nunca. Foi então que a espada de Joshua desferiu seu golpe.

    Grrrrrr!

    Como uma bola quicando de volta e como um vento que irrompe pelas fendas, a espada do mestre varreu tudo ao seu redor, deixando nada intocado.

    Os ataques de Ignet, sua energia flamejante, tudo dissipou-se diante do vento.

    — Haaah!

    Mas Joshua não havia terminado. Com uma sequência de cinco golpes, ele avançou como uma flecha. Ignet brandiu sua espada ferozmente enquanto o chefe da Casa Lindsay avançava com o vento. Ela quase parecia um fogo selvagem enfrentando a tempestade.

    Airen acenou com a cabeça enquanto observava Ignet revidar. Era o confronto de duas forças colossais.

    As espadas dos dois se chocavam, destruindo tudo nas proximidades. O campo de treinamento rachou. Fragmentos de pedras voaram, e um som estrondoso ecoou pelo ar. O embate entre os dois titãs deixou tudo em ruínas.

    Airen Farreira observava atentamente.

    “Me pergunto o que está acontecendo…?” ele pensou.

    Normalmente, assistir a outros espadachins, especialmente os mais fortes, ajudava-o muito. Ele aprendia inúmeras coisas, desde técnicas de espada, movimentos, respiração e uso de aura, até muito mais. Com certeza, centenas de espadachins pagariam para assistir ao chefe da Casa Lindsay enfrentando a Capitã dos Cavaleiros Negros.

    Mas o que capturava a atenção de Airen não eram as espadas. Por alguma razão, nem a tempestade furiosa de Joshua nem o sol flamejante de Ignet o fascinavam. Airen os observava com o coração, sentindo que algo estava acontecendo.

    Mas sua observação foi breve.

    Crash!

    Com um estrondo ensurdecedor, o confronto terminou. Joshua Lindsay reivindicou uma vitória incontestável. Quando a poeira baixou, Ignet estava deitada de costas no campo de treinamento destruído.

    Airen observava as consequências quando Joshua Lindsay, com sua habitual frieza, falou.

    — Aprendeu algo? — perguntou.

    — Haa… haa… Infelizmente, não… Mas obrigada, mesmo assim — respondeu Ignet.

    — Se está agradecida, levante-se. Quero espancá-la um pouco mais.

    — Se é o que deseja… Haa… Não me importo que me derrote o quanto quiser.

    Airen assentiu. A breve conversa sugeria que Ignet pedira um treinamento a Joshua, que aceitara.

    “Me pergunto o que Joshua está pensando?” Airen se perguntava.

    O ar entre os dois era claramente estranho. Embora Airen soubesse melhor do que ninguém o que aconteceu entre a Casa Lindsay e Ignet, ele não conseguia imaginar o que o pai de Illia sentia sobre tudo aquilo. Para ser honesto, nem entendia por que Joshua aceitou o pedido de Ignet. Ele simplesmente não queria fugir? Ou realmente queria derrotá-la? Airen sentia-se confuso. Ninguém estava errado ali. Mas a tragédia aconteceu, e essa era uma realidade que ninguém podia negar.

    Como mero observador, Airen não podia fazer nada. Então, permaneceu em silêncio. Joshua lançou-lhe um olhar antes de se aproximar de Ignet.

    “Ele realmente planeja espancá-la?” pensou Airen, chocado.

    O Joshua que ele conhecia era sério em tudo. Ele também era um pai amoroso que talvez não percebesse que Ignet estava brincando.

    Felizmente, o chefe da Casa Lindsay não feriu ainda mais a exausta Ignet, nem a encarou exigindo saber o que ela pensava sobre o incidente. Em vez disso, sentou-se ao lado dela e olhou para o céu enquanto começava a contar sua história.

    Sua história não era como a de outros pais que perderam seus filhos. No entanto, Airen podia sentir o peso de suas emoções, apesar de suas palavras mundanas e descrições simples.

    — Engraçado como eu não conseguia pensar em ninguém além de você para compartilhar essa história — disse Joshua, com seus lábios habitualmente inexpressivos formando um leve sorriso.

    Seus olhos, porém, permaneciam os mesmos enquanto olhava silenciosamente para Ignet Crecensia, ou apenas Ignet. Ele parecia ver a jovem que ainda não havia se juntado ao Reino Sagrado de Arvilius.

    — Tem algo a dizer? — ele perguntou.

    Um silêncio caiu, mas não por muito tempo. Ignet recuperou o fôlego. Embora tivesse sido menos de um minuto, Airen sentiu como se esperasse uma eternidade, imaginando o que Ignet poderia dizer. Ele não fazia ideia. Achava que talvez ela não tivesse nada a dizer. Afinal, Ignet era assim, desinteressada em qualquer coisa que não fosse seu próprio caminho. Então, não havia como ela lembrar alguém sobre quem passou por cima mais de dez anos atrás.

    Ele estava certo. Ignet não falou nada, deitada silenciosamente no chão, olhando para o céu. As unhas de Joshua Lindsay cravaram-se em suas palmas.

    Por isso foi surpreendente quando Ignet rompeu a pesada e sombria atmosfera para contar uma história sobre seu próprio passado, em vez de Karl Lindsay.

    — Houve uma época em que vivi com meus amigos e crianças mais novas em um barraco abandonado — ela falou.

    Tanto Airen quanto Joshua a encararam surpresos. Afinal, a história que ela contava não era a que todos falavam, mas algo que ela mesma viveu. Nenhum dos dois questionou por quê enquanto ouviam em silêncio à história de Ignet, suas experiências e seus sonhos.

    Mais meia hora se passou. Embora Ignet tivesse falado bastante, ela não mencionou Karl Lindsay nem uma vez.

    Quando Airen se perguntava por que Ignet se deu ao trabalho de contar essa história, ela falou:

    — Para ser honesta, nunca pensei muito no seu filho, Karl Lindsay. E isso provavelmente não mudará no futuro — admitiu ela.

    — Mas achei que devia contar que tipo de rival ele teve… O que ele pensava e pelo que viveu…

    Sentando-se, Ignet encarou Joshua Lindsay. Mas ela não era apenas Ignet, a plebeia de dezessete anos. Era Ignet Crecensia, que havia crescido e melhorado ao longo de doze anos.

    Reconhecendo quem estava diante dele, Joshua apertou o punho ainda mais. Sangue escorreu de sua palma, mas ele não fez mais nada.

    Ele cedeu e suspirou. Ficou pensativo por um tempo antes de se virar abruptamente para Airen.

    — Diga algo, se quiser — exigiu.

    — Perdão? — perguntou Airen.

    — Você nos assistiu lutar e ouviu nossas histórias de graça. É justo que diga algo em troca.

    Airen assentiu de forma desajeitada, não porque concordasse com Joshua, mas porque sentiu vontade de compartilhar sua própria história.

    Foi então que percebeu por que não conseguia se concentrar nas técnicas de espada de Joshua e Ignet. Ele queria interagir com esses dois titãs, em vez de analisar suas técnicas e auras.

    “Pensando bem, as coisas sempre foram assim”, refletiu Airen, relembrando tudo o que havia acontecido até então.

    Treinar e assistir a combates ajudaram-no, sim. No entanto, ele fez mais progresso ao mergulhar nos corações das pessoas. Aprendeu sobre ambição ao ouvir os objetivos de Illia como aprendiz.

    Um ano e meio atrás, compreendeu o significado da rivalidade ao ver as metas de Ignet. Seus dilemas e epifanias de sua vida passada também contribuíram. Sem aquele encontro com Karin Winker, provavelmente teria vagado muito mais tempo antes de se encontrar.

    “Foi o mesmo com Brett e Judith. Eu… cresci interagindo com os outros”, pensou Airen Farreira, enquanto olhava para Joshua Lindsay e Ignet Crecensia.

    Sentia como se pudesse compreender os pensamentos e emoções desses titãs insondáveis. Tinha certeza de que, com o tempo, eles o inspirariam a crescer ainda mais.

    — O que está esperando? Fale logo — exigiu Joshua.

    Ignet o encarava enquanto Joshua o pressionava. Airen precisou lutar para conter o riso. Sentia-se feliz. Sabia que contar sua história não seria difícil, pois já a havia contado inúmeras vezes para seus amigos. A única diferença era que agora seus ouvintes eram espadachins muito superiores a ele e que ele mal conhecia. Mas isso o animava ainda mais. O fato de dois titãs quererem ouvir sua história o satisfazia profundamente.

    Sentindo-se animado, começou a contar sua história, ponto por ponto.

    — Eu… — começou ele.

    É claro que as histórias envolviam não apenas ele, mas também seus amigos. Quando Airen terminou de contar sobre sua jornada com Lulu, Karakhum, Illia, Judith e Brett, ouviu um som.

    Csssh!

    Joshua e Airen se viraram surpresos para ver o corpo inteiro de Ignet Crecensia envolto em uma aura flamejante.

    — Isso é… — murmurou Airen.

    Ignet parecia quase sagrada enquanto fechava os olhos, envolta em chamas. Embora Airen nunca tivesse presenciado algo assim, percebeu que ela devia ter alcançado uma epifania. Ele a observava, atônito, antes de recompor sua expressão.

    Dois sentimentos conflitantes despedaçaram seu coração. Sentia-se satisfeito por sua própria história ter afetado tanto Ignet. Ao mesmo tempo, ficava ansioso ao perceber que ela havia avançado ainda mais. Seu coração queimava como as chamas de Ignet, enquanto Joshua Lindsay o observava com um olhar misterioso.

    1. Algo como um facão, cimitarra, sabre, katana, kopesh, alfange…[]
    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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