Índice de Capítulo

    As manhãs e as noites ainda eram frias em meados de março.

    Julius Hule e os Inquisidores deixaram o castelo com poucas pessoas para se despedir deles. Pouquíssimos sabiam de sua existência, e ainda menos sobre sua missão. Assim, apenas alguns oficiais de alta patente da equipe de expedição a masmorra, Joshua Lindsay, Airen, e seus poucos amigos estavam presentes.

    “Que incrível…”, pensou Perry Martinez, o mago real de Lavaat, silenciosamente.

    Embora soubesse que o Reino Sagrado era muito mais poderoso do que aparentava, ele nunca imaginou que fosse tão impressionante. Não apenas contavam com Quincy Meyers, o antigo Capitão dos Cavaleiros Vermelhos, mas também com diversos outros guerreiros da geração anterior. Não havia dúvidas em sua mente de que eles derrotariam facilmente aquele terrível diabo bufão. Nenhum diabo poderia detê-los. Aliviado, ele voltou sua atenção para a mais jovem integrante do grupo de incursão, a renomada Capitã dos Cavaleiros Negros, Ignet Crecensia.

    Diante dela estavam Airen Farreira, Lulu e Illia Lindsay. Perry se emocionou.

    “Todos esses jovens deixarão sua marca na história”, pensou.

    Ele não tinha dúvidas sobre Ignet Crecensia. Afinal, ela havia vencido Sevion Brooks, seu rival, antes mesmo de completar trinta anos. E agora, parecia ainda mais impressionante do que quando enfrentou o diabo bufão. Era evidente que ela havia alcançado algum tipo de epifania.

    Airen e Lulu também pareciam diferentes. Perry ainda se lembrava de seus feitos, coragem e compostura na masmorra. Enquanto ele, mesmo sendo um mago experiente, tremia de medo diante da energia demoníaca, eles fizeram o melhor que puderam. Sem eles, a equipe de expedição teria sofrido ainda mais.

    “Mas o que realmente me surpreende é…”

    Quem mais surpreendeu Perry foi Illia Lindsay. Claro, ela também teve um desempenho notável na masmorra, sendo uma das três que quebraram a segunda barreira do diabo bufão e a que aprendeu habilmente a espada do herói. No entanto, comparada aos outros, ela parecia ansiosa e tensa.

    Mas isso não era mais verdade. Embora a jovem não emanasse energia como Ignet, o senso apurado de Perry como grande mago lhe dizia que ela havia crescido muito.

    “Até o modo como ela olha para Ignet exala confiança… O que será que aconteceu…?”, pensou Perry.

    Ele não fazia ideia. O que estava claro, no entanto, era que a jovem talentosa da Casa Lindsay estava pronta para seguir em frente, apesar de sua derrota na Terra da Provação.

    Desejando encontrar jovens tão talentosos em Lavaat, Perry Martinez lambeu os lábios e virou-se para ver Joshua Lindsay observando sua filha com uma expressão um tanto irritada.

    “O que há com ele, quando sua filha está de pé, orgulhosa, diante de Ignet?”, perguntou-se Perry.

    Ou talvez Joshua estivesse olhando para Airen.

    Perry não sabia, nem queria saber. Então, descartou o incidente como mais uma peculiaridade de Joshua.

    Infelizmente, Airen não podia se dar ao luxo de ser tão ignorante.

    — Airen, Airen — chamou Lulu.

    — Sim — respondeu Airen.

    — O pai da Illia está te encarando como se quisesse te matar.

    — Eu sei.

    — Você fez algo errado? Roubou comida ou algo assim?

    — Não, eu não…

    Airen suspirou. Ele já tinha uma suspeita antes, mas agora tinha certeza de que Joshua Lindsay havia tirado alguma conclusão errada sobre ele. E ele não sabia como resolver isso. Claro, aquele não era o momento para lidar com esse problema.

    Ignet deu um passo à frente e chamou:

    — Airen Farreira.

    — Pode falar — respondeu Airen.

    — Como eu disse antes, você tem três anos. Certifique-se de melhorar até lá.

    — Como eu disse antes, me juntarei a você em um ano, não importa o que aconteça.

    — Você está sendo muito convencido. Khun não é alguém para ser subestimado.

    — Você já o conheceu?

    — Não, não conheci. Mas já ouvi o suficiente sobre ele. Deixe-me dizer uma coisa — murmurou Ignet enquanto se aproximava.

    Seu nariz quase roçou o de Airen enquanto ela inclinava o rosto. Sussurrando algo em seu ouvido, ela recuou rapidamente, sentindo um olhar assassino sobre ela.

    Ela sorriu e se virou para Illia, que a encarava ferozmente.

    — Tem algo que gostaria de dizer? — perguntou.

    Illia Lindsay permaneceu em silêncio por um momento, como se tentasse se acalmar ou escolher as palavras.

    Após cerca de trinta segundos, abriu a boca.

    — Da próxima vez… — disse ela.

    — Da próxima vez? — ecoou Ignet.

    — Vamos treinar juntas, que tal? — perguntou Illia, mais respeitosa do que antes.

    Porém, apesar da cortesia, parecia muito mais confiante do que antes.

    Ligeiramente surpresa, Ignet riu. Ela assentiu e estendeu a mão.

    — Certo. Até a próxima — ofereceu.

    — Acho que não consigo apertar sua mão — murmurou Illia.

    — Tudo bem.

    — Então me dê a mão! — interrompeu Lulu.

    — Achei que você não gostava de mim — disse Ignet.

    — Eu não te odeio tanto assim agora. Consigo apertar sua mão, pelo menos — respondeu Lulu, estendendo a pata. Ignet apertou a pata gentilmente com os dedos.

    “Tão macia”, pensou ela, sorrindo amplamente.

    Alguns velhos cavaleiros a observaram com inveja.

    “Muito encorajador, de fato”, pensou Julius Hule ao observar Airen, Illia, Lulu e Ignet.

    Claro, sua atenção estava voltada para algo maior, um futuro brilhante.

    “Que eles influenciem uns aos outros de forma positiva por muito tempo”, refletiu.

    O cavaleiro sagrado, que dedicou sua vida ao bem-estar do continente, fechou os olhos e orou para que os jovens crescessem fortes e virtuosos.

    Na mesma hora, uma força maligna disparava em direção ao jovem herói, vinda do centro da grande floresta ao sul.


    História Paralela – Joshua Lindsay

    — Emma, quanto tempo ainda temos?

    — Na velocidade atual, levaria mais uma semana.

    — Entendo.

    — Devemos acelerar?

    — Não. Não se esforce demais. Não acho que isso resolverá nada.

    Joshua Lindsay fechou os olhos com um suspiro. Desde o desaparecimento de seu filho, Karl Lindsay, ele se via obcecado em garantir a segurança de Illia Lindsay. Por isso, impediu que sua filha continuasse treinando, mesmo ela sendo uma especialista. Claro, Illia insistiu até o fim, e ele ficou com um mapa de feitiçaria em mãos. O mapa permitia rastrear uma pessoa usando sangue e brilhava em vermelho intenso caso o alvo fosse ferido fisicamente ou psicologicamente. Era resistente à maioria das interferências de mana e custava mais caro que a maioria dos equipamentos mágicos.

    No entanto, foi nesse momento que o mapa apresentou um problema. O ponto no mapa, que deveria ser verde, havia ficado preto, e não vermelho.

    — O mapa está funcionando bem — garantiu o fabricante.

    — Então…? — perguntou Joshua.

    — Tenho algumas suposições… Mas é altamente provável que ela tenha entrado em um espaço repleto de uma energia mais potente que a mana, por exemplo, um lugar cheio de energia demoníaca.

    Joshua Lindsay cerrou os dentes, torcendo para que nada estivesse errado, até duas semanas atrás.

    Nem mesmo o covil do demônio mais terrível deveria representar perigo para sua filha, que era uma mestre espadachim. Além disso, de acordo com Emma Garcia, os três companheiros de Illia também eram habilidosos.

    “Um deles até venceu minha filha. E tem um é feiticeiro… embora seja um gato…”

    Isso deveria ter confortado um pai preocupado como Joshua. Mas, quando o ponto preto no mapa não voltou ao normal, ele começou a considerar outras possibilidades.

    Talvez… sua filha estivesse enfrentando algo pior do que demônios, um demônio antigo que, supostamente, havia desaparecido há 150 anos.

    Foi então que…

    Pop!

    — E-Está de volta. Podemos ver a luz de novo!

    — O quê?

    Joshua Lindsay abriu os olhos e olhou para o mapa em sua mão, vendo que, de fato, a luz estava acesa e era verde. Sua filha estava viva e saudável!

    Ele suspirou aliviado e puxou sua cavaleira e o fabricante do mapa para um abraço. Enquanto Emma estava bem, o fabricante, que era apenas um feiticeiro, lutava contra o aperto doloroso do espadachim.

    — M-Meu senhor! Me… solte — ele gemeu.

    — Ah, certo! Pode verificar o estado da minha filha imediatamente? — perguntou Joshua.

    — O que houve?

    — Nada. Nada mesmo. Entendido — respondeu o feiticeiro idoso com um aceno de cabeça.

    É claro que Joshua não notou o desconforto dele. Estava preocupado com sua amada filha. Apesar de estar exausto, o feiticeiro cumpriu sua tarefa. Sua habilidade permitia verificar o alvo e o ambiente ao redor consumindo partes do corpo do alvo. Ele colocou um fio de cabelo de Illia Lindsay e fechou os olhos com gravidade. Joshua Lindsay e Emma Garcia esperaram pacientemente.

    Momentos depois, o feiticeiro começou a falar.

    — Antes de mais nada… A jovem está bem. Parece saudável — começou.

    — Ufa… Entendi! Vê mais alguma coisa? — perguntou Joshua, aliviado.

    Ele estava verdadeiramente aliviado. O que quer que tivesse acontecido, sua filha estava ilesa. E isso era o mais importante. Mas ele precisava saber mais. O feiticeiro começou a descrever o que via enquanto Joshua o incentivava.

    Havia muitos guerreiros no deserto. Um grupo de cavaleiros idosos em armaduras brancas, em nítido contraste com os exploradores desgastados, estava diante das ruínas de uma masmorra.

    — Algo grande deve ter acontecido… — murmurou Joshua.

    — De fato — respondeu Emma com seriedade.

    Pelo que parecia, isso estava relacionado a algo maligno, um verdadeiro diabo, talvez. Imaginar sua filha envolvida em um evento tão terrível! Joshua cerrou o punho, se perguntando o que ela e seus amigos estavam fazendo…

    Foi então que o feiticeiro fez outra observação.

    — Além disso… Vejo duas figuras próximas à sua filha — começou.

    — Duas? — perguntou Joshua.

    — Sim. Uma é um gato que age como se entendesse a fala humana. Também pode voar…

    — Espere, você está dizendo que essas duas incluem o gato?

    — Hã? Sim, senhor — respondeu o feiticeiro nervosamente, sem entender por que Joshua estava tão preocupado com o número de pessoas.

    No entanto, Joshua tinha toda razão em se importar.

    “Será que os quatro se separaram…? Ela está viajando com apenas mais uma pessoa…?” pensou Joshua, sombrio.

    Ele sabia que algo estava estranho quando recebeu o relatório de Emma. Afinal, havia homens no grupo! Mas o grupo também incluía outra jovem, e ele concordara em deixar Illia ir, de qualquer forma. Assim, ele cedeu e assentiu corajosamente. No entanto, se Illia estava viajando com apenas mais uma pessoa, as coisas eram diferentes.

    Engolindo em seco, ele perguntou ao feiticeiro com a voz trêmula:

    — E-Então quem é a outra pessoa? É uma mulher de cabelos vermelhos…?

    — Não, senhor — respondeu o feiticeiro.

    — O quê?

    — É um homem. Loiro e bem bonito…

    — Cocheiro! Acelere! — gritou Joshua.

    — Hã?

    — Senhor?

    Emma olhou para Joshua surpresa. O feiticeiro também perdeu o foco. Com a cabeça latejando, ele encarou Joshua em choque.

    — Depressa! Não dá para ir mais rápido? — gritou o chefe da Casa Lindsay, ignorando as reações de Emma e do feiticeiro.

    Insatisfeito apenas com ordens, ele parou a carruagem e conseguiu dois cavalos de outro subordinado.

    — Isso não vai funcionar. Vamos por conta própria. Assim seremos mais rápidos — disse a Emma.

    — O que foi, algo errado?

    — De forma alguma Senhor. Entendido — respondeu Emma, rapidamente ajeitando a expressão.

    Os dois cavalgaram rapidamente para Lavaat, chegando dois dias antes da data prevista.

    Infelizmente…

    “Minha menina parece já ter se apaixonado pelo rapaz”, pensou Joshua com um suspiro, enquanto recordava sua viagem.

    Claro, ele não podia culpá-la. Airen Farreira era um bom sujeito, alto, justo e habilidoso com a espada. Afinal, não ficava atrás de nenhum outro jovem espadachim além de Ignet. Era mais talentoso do que Joshua em sua juventude, e gentil também. Nunca faltava aos treinos, nem desprezava os outros. E era muito atencioso com Illia.

    Infelizmente, nenhum bom rapaz poderia satisfazer esse pai.

    — Isso não vai dar certo. Devo apertar as rédeas amanhã — murmurou Joshua.

    Emma permaneceu em silêncio. Embora tivesse se juntado ao frustrado lorde para beber, ela… honestamente estava tendo dificuldades. Por mais que se importasse com Illia, achava o amor de Joshua excessivo. Mas não era ousada o suficiente para apontar isso.

    — Está certo, senhor — respondeu após um momento.

    — Sim, sim! Vamos tomar mais uma bebida, pode ser? — gritou Joshua.

    Depois de algumas taças de uísque forte, ele adormeceu, ansioso.

    “Boa sorte, Airen Farreira”, pensou Emma enquanto deixava o quarto.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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