Índice de Capítulo

    Quando Airen Farreira se sentiu mais em paz durante os dois anos de sua jornada? Sem dúvida, ele diria que foi enquanto viajava de Drukali para o continente central. Ao partir, estava muito nervoso. Após se juntar a Judith e Brett, sentiu-se sobrecarregado, mesmo com Khubaru cuidando dele, embora tivesse se divertido bastante. Em contraste, quando estava apenas com Illia e Lulu, sentiu-se mais tranquilo. Não só a viagem foi sem incidentes, como também, naquela altura, ele já tinha bastante experiência acumulada.

    Por que Airen estava subitamente refletindo sobre suas companhias?

    “Bem…”

    Ele olhou para o lado e viu uma figura misteriosa caminhando ao seu lado com um leve sorriso.

    “Estou meio nervoso”, pensou ele enquanto sorria para sua irmã.

    Era estranho. Não era assim quando estava com Illia. Illia podia estar lidando com sua luta pessoal contra Ignet, mas Airen se sentia muito mais à vontade ao seu lado.

    Mesmo percorrendo a mesma estrada, a sensação era diferente com Kiril. Ele sentia que precisava começar uma conversa e confortá-la.

    Até Lulu, que normalmente animava a todos, seguia em silêncio. Claro, isso era compreensível. Considerando a personalidade de Kiril e o que aconteceu dentro da barreira, era sábio de Lulu manter-se discreta. Infelizmente, isso significava que era completamente responsabilidade de Airen levantar o ânimo do grupo…

    — Airen — chamou Kiril.

    — Hã? — reagiu Airen, surpreso.

    — Você trocou seu colar.

    — C-Colar? Ah!

    Airen apressadamente tirou um colar de sua mochila. Kiril havia dado a ele antes de ele enfrentar o diabo. Infelizmente, o colar não estava em bom estado, tendo se quebrado em pedaços sob a intensa pressão da energia demoníaca quando ele enfrentou o diabo bufão. Atualmente, Airen usava um colar da Arte dos Cinco que recebera de Tarakhan.

    — Hmm, entendi — murmurou Kiril.

    — Desculpe. Acho que fui descuidado com algo que foi um presente seu… — desculpou-se Airen.

    — De jeito nenhum. Afinal, você acabou de enfrentar um diabo. Na verdade, fico aliviada que esteja bem e saudável.

    — Obrigado, Kiril.

    — Mas é uma pena. Eu gostaria que você tivesse me contado antes.

    — Na verdade, eu queria perguntar assim que cheguei a Lavaat, mas esperei, esperando que você dissesse algo primeiro.

    Airen olhou para ela enquanto tentava desfazer o colar atual. Ele sentiu que deveria. Mas Kiril balançou a cabeça.

    — Não, ele fica bem em você. Está tudo bem — disse ela.

    — Hã? Ah… — respondeu Airen.

    — Não estou brincando. O visual único combina com você, e sinto que isso vai te ajudar de alguma forma.

    — S-Sério?

    — Sim, sério.

    — Entendi.

    Airen assentiu. Não só Lulu, mas também Kiril, haviam dito que aquele colar o ajudaria um dia. Se duas feiticeiras pensavam assim, devia haver algo. Ele ficou curioso sobre o colar novamente.

    No entanto, seus pensamentos foram interrompidos.

    Woosh!

    Roarrr!

    — Kiril?

    — Hã? Um grifo? Por quê?

    Airen e Lulu olharam surpresos enquanto Kiril de repente invocava um grifo. Ontem mesmo, ela disse que queria ir devagar, e estavam prestes a entrar em uma cidade. Não havia necessidade de invocar uma montaria agora, a menos que quisessem chamar atenção desnecessária.

    Mas o que Kiril disse a seguir deixou Airen surpreso.

    — Podemos viajar em um ritmo tranquilo, mas quando entrarmos em qualquer cidade, devemos fazer uma entrada triunfal — declarou Kiril.

    — Hã? Por quê? — perguntou Airen.

    — Precisamos mostrar às pessoas que somos poderosos, ou podem nos tratar mal. Assim evitaremos conflitos desnecessários.

    — Por quê? Você não concorda?

    — E-Eu… Kiril… — implorou Airen.

    Ele prometeu que faria o seu melhor, explicando que agora era um mercenário experiente e um viajante. Disse que encontraria um lugar para ficarem e bons restaurantes. Se surgisse algum conflito, ele o resolveria.

    — Hmm, é mesmo? — murmurou Kiril.

    Woosh!

    Após examinar Airen por um momento, ela mandou embora o grifo.

    Enquanto se afastava, dizendo que confiaria nele, Airen suspirou. Lulu o consolou.

    “Ela realmente não é como eu”, pensou Airen.

    Mas ele apreciava esse lado de Kiril. Viajar com ela era bem diferente de acompanhar seus colegas da academia. Ainda assim, era empolgante.

    Pegando Lulu, ele rapidamente correu atrás de Kiril.


    “Eu não gosto disso.”

    Kiril Farreira, aluna de Skeena Kitten, a grande Feiticeira, e uma das prodígios renomadas do Principado de Cezar, estava inquieta. A fonte de sua ansiedade era, é claro, seu irmão.

    Até agora, nada demais havia acontecido. Airen não estava mentindo quando disse que era um viajante experiente, pois liderava o grupo sem cometer erros.

    No entanto, certas coisas que aconteciam ocasionalmente a irritavam. Airen pedia desculpas para alguém que esbarrava nele primeiro ou deixava passar o erro de um restaurante ao trazer o prato errado.

    Claro, Kiril sabia que seu irmão estava apenas sendo gentil. Mas, como alguém que viu seu irmão ser prejudicado durante toda a vida, ela não conseguia aceitar a situação.

    “Sou eu quem está sendo idiota?”, pensou incrédula.

    Ela não queria que seu irmão abusasse de seu poder para intimidar os outros. Só queria que ele se impusesse para que as pessoas não se aproveitassem dele. Disse isso a ele quando ele estava começando sua jornada e repetiu ao entrarem na cidade.

    Ver o filho mais velho da Casa Farreira agindo da mesma forma despertava uma raiva familiar em Kiril.

    “Vamos lá, paciência.”, pensou ela, enquanto forçava-se a manter a expressão neutra.

    Ela sabia que não era fácil mudar uma tendência natural e que seu irmão estava tentando. Airen realmente estava se esforçando para atender às suas expectativas, então ela não podia demonstrar descontentamento. Afinal, agora era adulta.

    Mas…

    — Posso me juntar a vocês?

    Quando um homem sem noção sentou-se à mesa sem ser convidado, algo dentro de Kiril se rompeu.

    — Eu não te convidei para se sentar — retrucou ela.

    — Haha, desculpe. Mas não vejo outro lugar… — disse o homem, casualmente.

    — Eu tenho companhia. Eles estão no banheiro.

    — Mas você deve poder ceder um lugar, certo?

    — Então procure outro lugar.

    — Hã? Você está começando a soar irritada. Mas isso só a torna mais encantadora. Posso perguntar seu nome, minha senhorita? O meu é…

    O homem pálido então se apresentou, ou melhor, anunciou o nome de sua família, com um sorriso.

    Kiril o encarou com um olhar vazio.

    “Eu deveria ter montado um grifo”, pensou ela, lembrando-se de quando estava no Principado de Cezar. Se Airen havia sido desprezado por seu trauma passado, ela fora intimidada por vir de um pequeno país sem patrocínio. Apesar de estudar com uma grande professora, teve que suportar inúmeros insultos. Kiril ignorou todos eles e focou na feitiçaria. Se quisesse salvar Airen da barreira, não podia se dar ao luxo de se preocupar com tolos.

    “Mas agora, a situação era diferente.”

    Dois anos atrás, Airen atravessou a barreira sozinho, tornando-se mais poderoso do que se esperava. Ele agora conseguia derrotar um demônio facilmente com sua espada. Embora Kiril sentisse um leve desapontamento por não ter podido fazer nada por ele, ficou imensamente feliz. E essa alegria também a ajudou a crescer. Depois disso, ela não tinha mais motivos para se conter.

    Sem se importar se seria expulsa e jurando retaliar em dobro, ela voltou ao Principado de Cezar para enfrentar todos os prodígios que a insultaram. Skeena Kitten ficou encantada e a protegeu de qualquer crítica.

    Passou-se mais tempo. Agora, ninguém, ao menos em Cezar, ousaria mexer com Kiril, que agora era uma adulta.

    “Dei tantas chances a ele e ainda está me incomodando?”, pensou Kiril.

    O canto da cadeira de madeira estalou sob sua mão fortalecida por feitiçaria. Após passar o dia inteiro fervendo em silêncio, Kiril sentiu uma onda de poder percorrer seu corpo. Os olhos de Lulu tremeram violentamente.

    — Ei! Rápido! Corra! — alertou a gata desesperadamente.

    — Hã? A gata fala…? — respondeu o homem surpreso.

    Infelizmente, ele era lerdo demais para reconhecer o aviso de Lulu. Na verdade, achou a gata falante divertida e a loira irritada encantadora.

    “Ela deve estar chocada com o nome de minha família”, pensou.

    O homem saboreava seu poder financeiro e político.

    Ele estava prestes a levantar a mão e pedir uma bebida quando…

    Clutch!

    — Hã?

    Um jovem loiro surgiu do nada e agarrou suas mãos. Rapidamente, puxou o homem para fora do local como um raio.

    — Hã?

    — Aquele desgraçado! Ele levou nosso jovem mestre embora!

    O guarda, que estava esperando no canto, franziu a testa e deixou o local. Aqueles que conheciam a família do homem balançaram a cabeça, murmurando sobre como ele sempre causava problemas.

    Mas o que o homem disse ao retornar ao local surpreendeu a todos.

    — Me desculpe! — ele se desculpou.

    — Não vou incomodá-la novamente. Vou embora.

    — Minhas desculpas!

    — Perdão!

    Com isso, o homem pálido e seus guardas desapareceram.

    Airen voltou em silêncio e olhou para Kiril.

    — Desculpe. Eu poderia ter resolvido isso muito antes, mas… — ele se desculpou.

    — Mas deixei claro para ele, então ele não… Hã? Kiril?

    — Só um momento…

    — Eu, hum…

    — Não vou atrás deles, então não se preocupe. Só vou tomar um pouco de ar — disse Kiril, friamente, antes de deixar o local.

    Airen observou antes de perguntar a Lulu:

    — Fiz algo errado? Você acha que eu deveria ter intervindo antes?

    — Não sei… — respondeu a gata preta, balançando a cabeça.

    Por mais talentosa que fosse, Lulu não conseguia ler a mente de Kiril.

    Airen suspirou, sabendo bem como sua irmã era.

    Por outro lado, ele pensava que tinha sido bem firme com o homem, pois não gostava de como ele estava tratando sua irmã. Mas talvez aquilo não fosse suficiente para Kiril.

    Airen estava prestes a se levantar quando Lulu o deteve.

    — E-Eu vou atrás dela primeiro — ofereceu.

    — Você vai ficar bem? — perguntou Airen.

    — Sim. Eu gosto de Airen. Gosto de Kiril. Não quero que vocês dois briguem. Então vou lá animar Kiril — disse Lulu antes de deixar o local orgulhosamente.

    A gata rapidamente seguiu pelo beco, rastreando o cheiro de Kiril. Contudo, foi hesitante ao se aproximar. Lulu temia Kiril tanto quanto a adorava. Antes de virar a esquina, colocou a pata sobre o peito e respirou fundo.

    “Certo, lá vou eu”, disse para si mesma quando…

    Grab!

    Kiril envolveu os braços ao redor de Lulu como se fosse uma gata de pelúcia.

    — Lulu — chamou Kiril.

    — Hã? Ah? Hm? — gaguejou Lulu.

    — Por que você não me contou?

    — C-Contar o quê?

    — Airen!

    Kiril respirou fundo antes de dar uma gargalhada.

    — Por que você não me contou que ele ficou tão carismático? — disse ela, radiante.

    — Hã? Tipo, sério! Por que não me contou, Lulu?

    A boca de Lulu ficou aberta. Embora o rosto da gata raramente mostrasse emoções, qualquer um podia dizer que ela estava bastante chocada agora.

    Kiril não ligou. Lembrando-se do que Airen fez momentos atrás, começou a revisitar memórias do passado.

    “Eu nunca imaginei que ele seria assim”, pensou.

    Em suas memórias, Airen era gentil e suave. Contudo, ele também era deprimido e perdido. Era alguém que ela precisava proteger. Embora ele tenha mudado bastante quando voltou da academia e ao romper a barreira, essa foi a primeira vez que ela viu uma mudança tão marcante.

    Ela suspirou novamente e apertou Lulu mais forte.

    — Lulu, Lulu, Lulu! Me conte tudo sobre suas viagens hoje à noite! — exclamou.

    — Ach, ugh… Alivia um pouco o aperto, Kiril… — gemeu Lulu.

    — Ok. Mas me conte tudo hoje à noite!

    — N-Não te contei da última vez?

    — Conte de novo. Deve ter muita coisa que eu não ouvi. Não pule nada, ok?!

    — T-Tá bom.

    Lulu assentiu freneticamente, aliviada por Kiril não estar chateada, mas nervosa sobre o que estava por vir naquela noite.


    — Ufa…

    Depois de jantar com sua irmã, que parecia mais fria do que nunca, Airen deu uma caminhada e retornou aos seus aposentos.

    Ele não estava preocupado com Kiril. Afinal, Lulu havia dito que ela estava bem. Apesar de parecer estar escondendo algo, ele não achava que fosse algo com o que devesse se preocupar.

    — Ufa…

    Airen fechou os olhos e relembrou as palavras de despedida de Joshua Lindsay.

    “Não se deixe consumir pelas chamas de Ignet.”

    Ele tinha razão. Airen recordou os rumores sobre Ignet. Diziam que Ignet Crecensia era como o sol. Aqueles que estavam sob sua influência curvavam-se diante dela, enquanto aqueles que ousavam enfrentá-la queimavam em rivalidade.

    E então, percebiam que o fogo os havia consumido e que estavam presos em uma dor insuportável.

    “Em outras palavras, diziam que não havia ninguém como Ignet.”

    Airen não concordava. Não só ele, mas também Illia, Brett e Judith tinham tanto talento quanto Ignet.

    Mas ele entendia o que Joshua queria dizer. Afinal, havia visto Illia, que um dia perseguiu Ignet de maneira tão obsessiva que quase se destruiu devido à ansiedade e à impaciência.

    “Talvez algo semelhante tenha acontecido ao irmão dela, Karl Lindsay…”, pensou Airen amargamente, antes de balançar a cabeça e focar novamente em si mesmo.

    “Como estou agora?”

    Ele estava queimando mais intensamente do que antes. Sua crença e desejo de crescer faziam seu coração arder. Ele não diria que isso era algo negativo, especialmente em comparação aos seus dias como aprendiz, quando empunhava sua espada como uma marionete.

    “Mas ele está certo… estou perdendo o controle.”

    Airen se lembrou das pessoas que havia encontrado: Charlotte, Victor, Grayson…

    Tinha certeza de que nenhum deles havia começado com a postura errada. Eles poderiam ser competitivos, mas não em excesso. Porém, em algum momento, perderam-se, sendo consumidos pela ansiedade e pela impaciência. Então, deixaram a raiva e a culpa tomarem conta.

    O fogo, por si só, não era algo ruim. Mas, assim como o excesso de metal causava problemas, muito fogo também representava uma ameaça. Em outras palavras, a prioridade de Airen era controlar seu fogo para que ele não saísse do controle.

    “Eu preciso controlá-lo.”

    Mas como poderia controlar o fogo? Como poderia evitar que ele o consumisse? Como poderia nutri-lo de forma saudável?

    Embora antes não soubesse como responder a essas perguntas, agora ele sabia.

    — Água… — murmurou Airen, ao se lembrar da Arte dos Cinco.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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