Capítulo 217: Somos Todos Velhos (2/2)
Khun atacou ferozmente. Ian riu, exasperado. Tinha certeza de que seu amigo devia ter ouvido sobre o ressurgimento dos demônios e a possibilidade de que os 150 anos de paz chegassem ao fim. O continente precisava de sua ajuda. Mas, é claro, Khun nunca se importou com esse tipo de coisa.
Ao vê-lo avançar como na primeira vez em que o desafiou, Ian pensou: “Que bastardo.”
No começo, Ian não entendia por que Khun era tão obcecado por ele. Ele precisava mesmo dedicar a maior parte da sua vida para perseguir um único homem? Por que teve que abrir mão de sua fortuna e de uma bela esposa como Keira Finn para se concentrar em treinar e desafiá-lo?
Dez anos se passaram. Vinte anos se passaram… então trinta… Agora, Ian estava perto dos cem anos.
“O motivo?”
Ian bufou, seus lábios se curvando em um sorriso. Sentiu uma onda de adrenalina ao empunhar sua espada.
“Não me importo mais com isso!”
Crash!
As espadas colidiram. A onda de choque se espalhou, despedaçando pedras, árvores e tudo ao redor. No entanto, Ian permaneceu firme no centro da destruição. Vendo Khun recuar, reuniu ainda mais força.
Woosh!
A aura de Ian explodiu, atingindo quase dez metros e ultrapassando os limites de uma Aura da Espada comum. Então, lentamente, começou a se comprimir. Nenhum especialista, nem mesmo mestres regulares, seriam capazes de imitar aquilo. O próprio ar parecia tremer de medo.
No entanto, Khun não vacilou. Com sua expressão impassível de sempre, ergueu sua modesta Aura da Espada, que não se comparava à de Ian, deu um passo e…
Zap!
Desapareceu.
— Ufa… — Ian soltou um leve suspiro.
O diretor de Krono aumentou sua percepção, aguçando os olhos, ouvidos e todos os seus sentidos para escanear a área. O cérebro de Ian começou a processar uma quantidade imensa de informações, algo que Khun jamais poderia igualar.
E isso não era tudo. Em termos de quantidade de aura ou habilidade com a espada, Ian não ficava atrás de ninguém. Tinha certeza de que poderia se provar contra qualquer espadachim do mundo, até mesmo contra o renomado Julius Hule do Reino Sagrado. Talvez ainda enfrentasse dificuldades contra os heróis do passado, mas no continente atual, não havia quem pudesse superá-lo. Pelo menos, era nisso que Ian acreditava.
No entanto, havia uma área em que Ian reconhecia a superioridade de Khun, velocidade.
Boom!
Clash!
Crash!
Com estrondos semelhantes a trovões, pegadas se espalharam por todo o terreno. Era Khun. Seus músculos enormes, sua aura impressionante, e tudo mais que o compunha trabalhava em prol de um único propósito: velocidade.
Com sua obsessão e esforço, Khun superou seus próprios limites naturais. Sua falta de destreza com aura ou manejo de espada não importava. Suas deficiências não importavam. A espada de Khun havia evoluído para cumprir um único objetivo: derrotar Ian. E se Ian quisesse afastá-lo, teria que dar o seu melhor.
Crack…
Crack…
Ian se virou, respirando pesadamente. O fato de ser mais lento significava que Khun tomava a iniciativa. Isso o obrigava a reagir em vez de agir, perdendo um tempo precioso para tomar decisões. Apesar de estar um passo à frente de Khun em todas as outras áreas, a simples diferença de velocidade o colocava em desvantagem.
Um erro ou uma decisão equivocada poderia levar à derrota.
Crash!
Boom!
Craaack!
Apesar da situação desfavorável, Ian conseguiu bloquear todos os ataques de Khun, mesmo quando vinham de todas as direções. Mas como não conseguiria? Com seus sentidos superiores e raciocínio rápido, ele tomava decisões instantâneas, apoiadas por seu corpo, seus anos de experiência e seu talento. Executando cada movimento com perfeição, Ian demonstrava a mais bela técnica de espada da história de Krono. Em algumas ocasiões, chegou a se mover mais rápido que Khun, antecipando seus ataques. Claro, esse era o seu limite. Embora pudesse se defender impecavelmente, sua falta de velocidade não lhe dava nenhuma chance de contra-atacar.
No entanto, Ian teve uma ideia.
“A lâmina.”
Exceto em velocidade, ele superava Khun em todas as áreas. Em outras palavras, sua quantidade de aura e a densidade de sua Aura da Espada eram muito superiores. Talvez a sorte estivesse a seu favor naquele dia. Ian percebeu que havia acertado a espada de Khun no mesmo ponto várias vezes. É claro que isso foi pura coincidência. Khun era um oponente formidável demais para que Ian tentasse truques diferentes. Mas, naquele momento, Ian decidiu que era hora de correr riscos e tentar algo fora do comum.
Swish!
Khun atacou assim que Ian terminou seu pensamento. Ian focou seus sentidos. Conseguia sentir cada fibra de seus músculos, tendões, articulações e até mesmo cada célula de seu corpo. O tempo parecia se estender à medida que sua espada encontrava seu alvo.
Clash!
“Consegui!”, pensou Ian ao saltar para trás, mantendo-se sério.
Mais dois golpes, ou talvez apenas um, se usasse aura suficiente, e ele conseguiria quebrar a espada de Khun. Mantendo a compostura, esperou pela oportunidade. Ele e Khun colidiram mais sete vezes. Bloqueio, bloqueio, postura. Esquiva, bloqueio, bloqueio… Os olhos de Ian se arregalaram ao reconhecer o movimento familiar. Era a técnica característica de Khun, que Ian já vira inúmeras vezes, mesmo que o próprio Khun não estivesse ciente disso. Buscando uma vitória perfeita, Ian fingiu ignorância.
Boom!
Mas agora, ele avançou, um contra-ataque perfeitamente cronometrado. O tempo parecia desacelerar mais uma vez enquanto um leve sorriso surgia em seus lábios. Após três empates, ele venceria novamente. Uma rara empolgação percorreu seu corpo inteiro. Seus olhos passaram além de sua lâmina, focando-se em Khun.
Foi então que Ian percebeu que algo estava errado.
Khun sabia. Khun sabia que Ian estava tentando quebrar sua espada. Tendo duelado com o homem por toda a sua vida, Ian imediatamente entendeu seu pensamento.
Então por quê? Por que Khun seguiu o jogo se sabia o que Ian estava tramando? Os olhos de Ian se arregalaram ao pensar em uma possibilidade.
“Se ele avançar assim que sua espada quebrar…”
Se Khun estivesse disposto a sacrificar seu braço, ou até mesmo o ombro… poderia ser capaz de perfurar o coração de Ian com sua espada quebrada.
Então…
“Eu perderia!”
Ian sorriu. Sua dúvida rapidamente se transformou em convicção. Enquanto os segundos passavam arrastados, Ian quase quis fazer um sinal de positivo para Khun. Normalmente, não seria encurralado assim. Se não estivesse tão preocupado com Airen… se tivesse mais tempo para acalmar suas inquietações… o resultado poderia ter sido diferente.
É claro, ele sabia que estava apenas inventando desculpas. Observando sua própria espada avançar enquanto olhava nos olhos de seu oponente, Ian sorriu, seus olhos quase se estreitando.
Um segundo depois, tudo acabou.
Clang!
A espada de Khun quebrou, como esperado. Mas o que aconteceu em seguida surpreendeu Ian. Khun não avançou nem sacrificou seu próprio braço. Apenas ficou parado, segurando sua espada quebrada em silêncio.
Olhando para ele, Ian falou.
— Por quê?
“Por que não me matou?”
Conhecendo Khun e sabendo o que aquela luta e a possível vitória significavam para ele… Ian precisava perguntar.
Mas Khun não respondeu. Em vez disso, perguntou:
— Está preocupado com seu aluno?
— Bom, acho que essa é a única possibilidade. Seu desgraçado, como pode pensar em outra pessoa enquanto luta comigo?
Ian não tinha nada a dizer. Permaneceu em silêncio. A culpa por seu rival, a vergonha de si mesmo e o medo por seu aluno o consumiram quando Khun jogou fora sua espada quebrada e estalou a língua.
— Fale sobre isso — disse ele.
— Hã? — Ian reagiu, confuso.
— Fale sobre isso. Diga-me o que tanto te preocupa.
— Você está me oferecendo conselhos de vida…?
“Sobre meu aluno?”, Ian pensou, murmurando, incrédulo.
Imaginar que ele, diretor da Academia de Esgrima Krono por mais de quarenta anos, receberia conselhos de alguém que só agora tinha aceitado um discípulo…!
— Ha… hahaha.
Era absurdo. Ian riu alto, mas não se sentiu ofendido. Pelo contrário, ver seu rival demonstrando um lado diferente o confortou de alguma forma.
— Hehe — Khun riu junto.
Afinal, ele também não entendia completamente.
Momentos depois, os dois velhos começaram a discutir sobre seus respectivos alunos. Para aqueles que tinham acabado de destruir tudo ao redor, pareciam até amigos.
— Hmph.
Khun coçou a cabeça, tendo acabado de jogar fora a chance de alcançar uma vitória definitiva após inúmeras derrotas. Nem ele mesmo podia acreditar nisso. Afinal…
Cough!
Splat!
Ele estava gravemente doente. Esse devia ser o seu auge, pois sua condição só pioraria com o tempo. Em outras palavras, ele acabara de desperdiçar sua única oportunidade de derrotar Ian. Mas por quê? Porque seu velho rival não estava em boas condições? Ou será que temia morrer se sofresse um ferimento adicional à sua doença…?
“Besteira.”
Sim, era isso. Ele ficaria mais do que feliz em morrer depois de perfurar o coração de Ian. E não estava brincando. Considerou essa possibilidade o tempo todo enquanto empunhava sua espada.
— Hmph.
Khun inclinou a cabeça para os lados, pensativo.
O grandalhão refletiu sobre isso por dias até finalmente retornar para sua residência, onde foi recebido por uma espadachim ruiva.
— Por que demorou tanto, velho? — ela o cumprimentou. — O quê? Por que está tão mal-humorado?
— Bastardinha. É assim que fala com seu mestre? — bufou Khun.
— Quero dizer, você estava tentando me ensinar algo quando saiu correndo, gritando: ‘Agora! Agora é a hora!’ E depois de duas semanas você volta com cara de quem tem problemas — retrucou Judith.
— Haha… Droga…
Khun praguejou. Agora ele sabia. Ou talvez sempre soubesse. Diante dele estava uma espadachim que era exatamente como ele, sofrendo do mesmo mal. Se queria ensiná-la, alguém mais feroz e obstinada do que ele próprio…
“Preciso viver um pouco mais”, pensou Khun, inclinando a cabeça outra vez, curioso.
Desde que viu Judith pela primeira vez, soube que ela era como ele. Embora muitos tivessem enfrentado dores semelhantes às suas, ela provavelmente era a única que entendia exatamente o que aquilo significava.
Mas isso não explicava completamente suas ações. Não havia como Judith, apesar de ser sua primeira discípula, ser mais importante do que seu objetivo de vida.
— Por que está xingando sua amada aluna? — reclamou Judith.
— Ei, ei!
— É porque não te chamei de ‘mestre’?
— Mestre? Professor? Senhor? — Judith provocou.
Khun franziu a testa, mas não porque ela o incomodava. Em vez disso, sentia-se frustrado com suas próprias ações inexplicáveis.
No fim, decidiu, de maneira despreocupada e precipitada, mas quase corretamente, que era por isso:
— Talvez a velhice realmente nos mude — murmurou.
— Do que está falando, do nada? — perguntou Judith.
— Não sei, sua pirralha. Cala a boca. Quer levar uma surra?
— Ei, que tipo de mestre é você?!
Soando mais como amigos do que como mestre e discípula, Judith e Khun trocaram insultos.
Mas, é claro, isso não durou muito. Logo, Khun observava Judith manejando sua espada com mais paixão do que ele jamais teve, e assentiu.
“No fim das contas, não foi uma má decisão…”
— Também estou ficando velho também — murmurou Ian ao se despedir de Khun e caminhar de volta para o lago. Não sabia explicar de outra forma. Ele realmente havia envelhecido, e isso o fez esquecer o que mais importava.
“Eu não confiei no meu aluno quando ele confiou em mim.”
Isso estava errado. Ele deveria confiar em seus discípulos, mesmo quando ninguém mais no mundo confiasse. Especialmente quando esse discípulo era um dos mais talentosos do continente.
Ian assentiu.
“Airen ficará bem.”
No fim, ele terá sua epifania. Pode levar tempo, ele pode se perder um pouco, mas chegará lá de alguma forma. Seu papel como mestre era apoiar Airen para que ele não sofresse.
“Ouvir isso logo de Khun…”
Ian riu, balançando a cabeça. Talvez ele não fosse o único envelhecendo.
Tendo tomado sua decisão, disparou rapidamente.
Swoosh!
Swoosh!
Sentia-se mais leve, como se um peso tivesse sido retirado de seus ombros. Movendo-se com mais velocidade do que antes, retornou para Airen… ou pelo menos tentou.
Ian parou antes de alcançar o lago.
Uma imensa sombra negra cobria a área. Seu rosto se fechou ao sentir a energia demoníaca envolvendo o lago.
— Como isso é possível…
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