Índice de Capítulo

    — Como isso é possível…?! — exclamou Ian, o Diretor de Krono, com a voz trêmula.

    Como o maior espadachim do continente, ele conhecia os seis princípios da aura de cor, especialmente, aprimoramento.

    Embora não ativasse seus sentidos o tempo todo, considerava-se mais astuto do que qualquer pessoa comum. Além disso, estava particularmente atento desde que o Reino Sagrado o notificara sobre o ressurgimento dos demônios.

    Então…

    “Um mal desse nível surgiu sem que eu percebesse?”, Ian se perguntou.

    A entidade capaz de engolir um grande lago na escuridão não poderia ser um mero demônio. Era um diabo. Sua experiência e conhecimento histórico diziam isso. No entanto, ele não conseguia entender como não havia notado essa presença poderosa até poucos minutos atrás.

    Isso não podia ser verdade. Mas também precisava admitir que já era tarde demais. Cerrando e abrindo os punhos suados, Ian voltou a se mover, tentando se aproximar da densa sombra para ver o que estava acontecendo.

    “Não há nada de errado com meus sentidos. Ainda consigo sentir tudo claramente.”

    “Como isso aconteceu? Demônios podem se esgueirar sorrateiramente, mas diabos vêm de outra dimensão. Como é possível que eu não tenha percebido essa entidade emergindo de seu covil…?”

    “Eu imaginava que enfrentaria um diabo em breve. Mas pensar que as coisas chegariam a esse ponto antes mesmo de Arvilius pedir ajuda…!”

    “Meus alunos estarão bem, não estarão?”

    Muitos pensamentos passaram pela mente de Ian, mas nenhum permaneceu tanto quanto sua última preocupação. Imaginar que sua breve ausência resultaria nisso…!

    “Calma. Nada está claro ainda”, pensou Ian, regulando sua respiração, tensionando e relaxando seus músculos para preparar seu corpo e sua aura.

    Recuperando a imponência do espadachim mais forte do continente, Ian fitou a sombra, ou melhor, a barreira. Ele reuniu toda a sua força.

    Woooosh!

    Uma quantidade absurda de aura fluiu para sua espada, disparando para o céu e se condensando em uma lâmina de quase dois metros. O diretor de Krono assumiu uma postura como se estivesse pronto para destruir montanhas.

    Sem um grito, sem sequer o som de sua lâmina cortando o ar, Ian desceu sua espada. Então olhou para a barreira e soltou um gemido de desespero.

    — Oh…

    — Não podemos fazer isso sozinhos — disse uma voz.

    Ian se virou e viu Kiril Farreira e Lulu. Relaxou momentaneamente, mas logo ficou tenso novamente. Embora as duas parecessem ilesas, ele não via Airen.

    — Expliquem o que está acontecendo — exigiu Ian.

    — Não podemos dizer exatamente. Nem Lulu nem eu vimos algo assim antes… Mas acreditamos que isso seja algum tipo de feitiçaria — respondeu Kiril.

    — Feitiçaria? — repetiu Ian.

    — Sim. É uma barreira criada pelo meu irmão… Ninguém pode entrar, e ninguém pode quebrá-la — explicou Kiril.

    — Isso é o mesmo que a barreira mágica que apareceu alguns anos atrás…? — perguntou Ian, sombrio.

    Kiril balançou a cabeça antes de continuar.

    — Não exatamente. Como pode ver… essa barreira não consiste apenas de feitiçaria. Há uma energia demoníaca muito forte… possivelmente pertencente a algum diabo ancestral.

    — Acalme-se — disse Ian, aproximando-se rapidamente e segurando a mão dela para infundir sua aura.

    Swoosh!

    O poder do fogo que ele aprendera com os orcs de Drukali em sua juventude dissipou o medo de Kiril.

    — Obrigada. Ufa… Ah, não se preocupe com os outros visitantes. Nós os levamos para um local seguro, bem distante… — explicou Kiril.

    — Bom trabalho — elogiou Ian.

    — Como eu dizia… Airen desejava algo com muita intensidade… e um diabo se aproveitou disso para bagunçar com ele. Assim, surgiu esse espaço estranho que não é resultado puro de feitiçaria nem de um pacto demoníaco… — continuou Kiril.

    — Isso é o que Lulu e eu acreditamos sobre essa escuridão.

    — Você está mais calma do que eu esperava… Ah, não estou zombando de você — disse Ian apressadamente, temendo que pudesse ter ferido os sentimentos da jovem. Afinal, Kiril poderia estar se segurando para não desabar em lágrimas.

    Felizmente, ela realmente estava tranquila.

    — De forma alguma — respondeu ela, balançando a cabeça.

    — Que bom ouvir isso. Mas por quê…

    — Porque não há como meu irmão perder para um diabo — declarou Kiril, destemida.

    Embora não tivesse passado muitos anos ao lado de Airen, ela vira, vez ou outra, como ele superava dificuldades. Ele venceu seu trauma e se ergueu com orgulho diante daqueles que o desprezavam. Depois, realizou feitos grandiosos ao derrotar demônios e exterminar um terrível diabo. E não foi só isso. Recentemente, ele se tornara tão confiável que até ela se surpreendia.

    Sorrindo ao recordar o quanto seu irmão cresceu, Kiril disse: — Airen vai voltar. Ele vai romper essa barreira com seu próprio poder, como se nada tivesse acontecido.

    — Claro, estou um pouco preocupada, mas…

    — Hmm.

    Ian murmurou, compreendendo o que Kiril queria dizer. Ela temia que levasse um tempo até Airen atravessar. Ainda assim, não parecia abatida. Logo, Ian percebeu o motivo.

    Notando o olhar de Ian, Kiril ergueu os olhos para Lulu.

    Poof!

    A gata alçou voo e olhou para a escuridão, uma verdadeira escuridão que cobria tudo. No entanto, seus olhos brilharam afiados, como se enxergassem tudo.

    — Eu posso senti-lo — disse Lulu.

    — Você consegue ver Airen…? — perguntou Ian.

    — Não. Não consigo vê-lo. Mas consigo senti-lo. Para ser exata… — respondeu Lulu, fazendo uma pausa antes de acrescentar: — Eu sinto o colar de Airen, o colar da Arte dos Cinco.

    — Por algum motivo, sempre que penso no colar, sinto que não temos nada com o que nos preocupar. É só uma intuição minha — declarou Lulu.

    Alguns poderiam acusar a gata de estar sendo ingênua, mas nem Ian nem Kiril questionaram suas palavras. Eles apenas acreditaram e esperaram. Os três encararam a escuridão com esperança.


    Escuridão.

    Airen, que estava meditando, de repente olhou ao redor. Quando ergueu os olhos, viu apenas escuridão total. Não havia estrelas, nem lua. Sentindo que algo estava errado, ele inspecionou a área, mas não encontrou nada. Nem sua irmã, que estivera ali até algumas horas atrás, nem Lulu, que se acomodara sobre uma árvore depois de se cansar de brincar na água. Todos haviam desaparecido.

    Enquanto Airen tentava entender o que havia acontecido, gotas de água começaram a cair do céu.

    Drip, drip.

    Wooosh…

    A chuva fina logo se tornou um dilúvio. Airen abaixou o olhar e percebeu que o lago estava avançando na direção dele.

    “Não posso ficar aqui”, pensou, alarmado.

    Sacudiu a cabeça e se virou para correr, decidido a se afastar. Mas, por mais que corresse, a escuridão persistia, assim como a chuva. Mais estranho ainda, ele não conseguia se afastar do lago.

    — Certo… — murmurou Airen, invocando sua espada larga.

    Fechando os olhos, concentrou-se e visualizou a si mesmo cortando o impossível, algo mais resistente que rochas, aço ou montanhas.

    Ele cortaria a água! Os olhos de Airen se abriram enquanto ele descia sua espada.

    Crash!

    A lâmina de aura dourada rasgou a superfície da água. Um jato d’água disparou para o alto e se espalhou no ar, misturando-se à chuva. Foi incrível.

    Mas só isso. Airen falhou novamente. Suspirando, ergueu a espada mais uma vez.

    — Está tudo bem. Só preciso continuar tentando até conseguir — disse a si mesmo, relembrando seu passado.

    Ele já enfrentara inúmeras dificuldades e desafios, mas os superara. Nunca desistiu, e essas provações apenas o fortaleceram. Desta vez não seria diferente. Ele venceria, contanto que compreendesse a espada da água. Se conseguisse cortar a água, poderia se libertar daquele lugar estranho, desagradável e úmido.

    Airen Farreira ergueu sua espada para recomeçar quando uma voz soou atrás dele.

    — Sério? Você realmente acha que pode fazer isso?

    Airen se virou num rompante, chocado que alguém tivesse se aproximado sem que ele percebesse. Tinha a sensação de que a chuva e a água molhando seus pés estavam embotando seus sentidos.

    Seu olhar pousou no recém-chegado. Mas não precisou pensar muito.

    — O diabo bufão… — murmurou Airen, cerrando os dentes ao encarar seu oponente.

    — Haha, como descobriu? Achei que estava um pouco diferente agora. Oh, foi essa máscara, não foi? — disse o bufão, arrancando a máscara com um sorriso, revelando seu rosto horrendo.

    A carne estava rasgada em várias partes, expondo o osso por baixo. Sangue e pus escorriam das feridas, pingando no chão e misturando-se à água, que rastejou rapidamente em direção a Airen. Alarmado, ele saltou para trás, mas não conseguiu evitar o toque.

    Sentindo a malícia densa que preenchia o espaço, Airen abriu a boca para falar algo.

    — Ei, ei! Não fique tão mal-humorado. Estou aqui para te ajudar — disse o bufão.

    — Não fique…? — começou Airen, irritado.

    — Ho! Você não confia em mim? Tudo bem. Estou apenas mentindo. Mas, no fim, isso não importa. Como você sabe, não poderá sair deste lugar apenas com técnicas comuns de espada. Então… — continuou o bufão.

    — Sua lâmina precisará cortar o que deve ser cortado… Só então você conseguirá escapar deste espaço molhado, úmido e desagradável.

    Se Airen falhasse, não teria escolha a não ser perecer!

    O diabo bufão soltou uma gargalhada. Airen sentiu uma pontada de raiva.

    Wooosh!

    Sua espada ressoou, a chama dourada envolvendo a lâmina e queimando a escuridão ao redor. Era a mesma espada que antes havia aterrorizado até mesmo o grande diabo bufão. Mas… não, não era a mesma. Com os ensinamentos de Ignet Cresensia, sua espada havia se tornado ainda mais poderosa.

    Slash!

    No entanto, nem mesmo a poderosa Aura da Espada de Airen foi capaz de ferir o bufão, que afundou na água com um splash e emergiu novamente, ileso.

    Tirando a máscara para sorrir, o bufão balançou a cabeça.

    — Não. Assim não vai dar, parceiro. Infelizmente, você não pode me matar — pelo menos, não neste lugar. Não importa o quão forte seja seu fogo, ele não poderá me ferir. Este é um tabuleiro de jogo criado pelo seu desejo e pela minha malícia. Você não pode simplesmente me afastar à força.

    — Um tabuleiro de jogo? — perguntou Airen.

    — Ei, você também deve saber, certo? Por mais grandioso que eu seja, não tenho como arrastar alguém do seu nível até aqui sozinho.

    — Isso significa…

    — Eu quero te matar — disse o bufão, agora com uma voz diferente, seus olhos brilhando com pura malícia.

    — E eu não quero apenas te matar. Quero te ver morrer em agonia, lutando desesperadamente, sem jamais alcançar o que deseja. Então apostei que você não conseguirá a espada que busca. O que te aguarda é uma morte dolorosa.

    “Então é assim? Já entrei no jogo sem perceber?”, pensou Airen, assentindo, compreendendo por que estava ali e por que não conseguia ferir o bufão.

    Isso nada tinha a ver com o jogo em si. Se Airen queria derrotar o bufão, primeiro precisava vencer o jogo. Somente depois de cortar a água poderia considerar o que viria a seguir. Ele franziu a testa.

    “Isso é um pouco irracional… mas…”

    Se vencesse, conseguiria a espada da água. No entanto, para vencer, precisaria usar a espada da água. Que ironia era essa?

    Mas não tinha escolha. Por mais que odiasse sua situação, sua própria ambição o trouxera até ali.

    Airen assentiu para o bufão.

    — Certo — disse ele.

    — Certo! Boa sorte, parceiro! — disse o bufão, saudando-o antes de desaparecer na água.

    Olhando para o lago descolorido, que havia avançado ainda mais, Airen suspirou.

    “Está tudo bem. Não vou pensar nele.”

    Da mesma forma que não conseguia ferir o bufão, o bufão também não podia feri-lo. Em outras palavras, tudo o que tinha que fazer era focar em seu próprio treinamento. E quando se tratava de treinamento, Airen estava confiante.

    Fechando os olhos, concentrou-se em cortar a água.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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