Índice de Capítulo

    — Ufa… — suspirou Airen Farreira ao se deitar na grama.

    Ele não se sentia frustrado. Pelo contrário, recordava com entusiasmo o duelo intenso que tivera há pouco.

    “Foi incrível”, pensou.

    Se a espada de Ian, capaz de cortar a própria água, era assombrosa, a de Khun estava além de sua imaginação. O fato de ele conseguir golpear duas vezes antes que as ondas divididas se reunissem novamente…

    Não era apenas a velocidade de Khun que o surpreendia, mas sua própria obsessão… ou crença que cultivara ao longo da vida. A espada de Judith também o surpreendeu. Fechando os olhos, Airen lembrou-se de como ela era em Drukali antes de comparar com o que acabara de ver.

    Atacando apesar da dor, sem temer que sua mente e corpo se despedaçassem, Judith era o próprio fogo, mais quente do que ele jamais imaginara…

    “Inacreditável”, pensou Airen, assentindo.

    Ele já havia visto muitas pessoas semelhantes antes: Charlotte, Victor, Greyson e Illia na Terra da Provação. Todos eles haviam sido consumidos por uma paixão ardente que não conseguiam controlar e empunhavam suas espadas com sofrimento. Pareciam tão solitários e obstinados.

    No entanto, Airen não se sentiu preocupado ao ver Judith. Por alguma razão, tinha certeza de que ela resistiria a qualquer coisa que surgisse em seu caminho, por mais intensa que sua chama queimasse.

    Se fosse assim…

    — E quanto a mim? — murmurou.

    Ele conseguiria fazer como Judith? Também poderia inflamar um fogo capaz de deter seus oponentes?

    — Você não pode — disse Khun, balançando a cabeça, como se tivesse lido os pensamentos de Airen.

    Sentando-se no chão, repetiu:

    — Gênios como você e Ian não conseguem. Quero dizer, como alguém que se destaca em tudo e encontra alegria em aprender qualquer coisa poderia apreciar essa dor e solidão? Não pode. Só duas pessoas neste continente podem levar esse tipo de vida…

    Então, apontou para si mesmo.

    — Eu — disse antes de apontar para a casa e continuar — E Judith.

    — Apenas espere. O dia chegará em que você e seu mestre cairão diante de nós… — murmurou.

    — Você está certo. Não acho que conseguiria fazer o que você faz — disse Airen, endireitando-se.

    Khun ficou ligeiramente surpreso com a seriedade nos olhos e na expressão de Airen.

    Mesmo assim, ele continuou.

    — Você me chamou de gênio, mas não acho que seja tão incrível assim. Quando criança, precisei da ajuda da minha família para superar minha preguiça. Meus colegas e professores me ajudaram a ficar em forma, enquanto inúmeras outras pessoas me ensinaram a empunhar uma espada. Ainda assim, fiquei para trás. Achei que teria que continuar dependendo dos outros pelo resto da minha vida — disse.

    — Eu jamais ousaria pensar que… supero Judith de qualquer forma, quando ela avança suportando toda aquela dor — continuou Airen.

    Ele falava com sinceridade. Via Judith, que trilhava um caminho que todos os outros grandes espadachins não suportavam, como a pessoa mais admirável que já encontrara. Ela era incrível, assim como Khun. Embora tivesse conhecido o homem há apenas algumas horas, sentia que havia vislumbrado um pouco de sua vida.

    É claro que isso não significava que Airen não reconhecia suas próprias conquistas. Assim como Khun e Judith encontraram seus próprios caminhos, ele também encontrara o seu. Estava progredindo bem, aceitando ajuda e descansando quando necessário.

    — Por mais que me falte… quero continuar tentando para ser um rival digno de Judith — concluiu Airen.

    Khun fitou os olhos do jovem espadachim por um longo tempo. Seus olhos não ardiam com rivalidade ou carisma. No entanto, Airen sentiu como se o homem enxergasse tudo através deles. Era uma sensação semelhante, mas diferente da que teve ao encontrar Ian pela primeira vez.

    “Talvez, quando um espadachim atinge certo nível, seus olhos se tornam mais perspicazes que os de um feiticeiro…”, pensou Airen, engolindo em seco.

    Embora não tivesse mentido, sentia-se nervoso.

    É claro que Khun não o atacou. Pelo contrário, franziu a testa com um suspiro.

    — Alguém já te disse que você é irritante? — perguntou.

    — O quê? — perguntou Airen.

    — Ah, então já te disseram. Agora entendo por quê…

    — O que você…

    — Seu velho rabugento. Você não é como Ian, que falava sem parar quando jovem. Você realmente soa como um idoso. Passou uns trinta anos em algum lugar ou algo assim?

    — Mas você também não é tão calmo assim…

    De fato. Airen falava com gravidade e compostura inesperadas para alguém da idade de Judith, mas ainda exalava paixão. Ele não seguia ninguém cegamente, mas também aceitava ajuda quando necessário… Talvez fosse por isso que era tão irritante.

    Sentindo-se mal-humorado, Khun se levantou.

    — Estou indo.

    — Para onde…? — perguntou Airen.

    — Para casa, é claro. Está apertada, então nem pense em entrar. Também não faça barulho. Apenas desapareça. 

    — O quê? Você tem algo a dizer…?

    — Claro que ele tem — disse uma voz, não a de Airen, mas a de Kiril.

    Ela estivera ouvindo em silêncio até finalmente caminhar na direção deles. Percebendo que uma discussão estava por vir, Lulu pulou de seus braços. Kiril não se importou.

    — Então, você está reconhecendo o talento do meu irmão ou não? — exigiu, franzindo a testa, as mãos na cintura.

    “Ah, certo…”, Airen assentiu, lembrando-se do motivo pelo qual estava ali em primeiro lugar.

    Ele havia se esquecido completamente da questão do ataque, imerso demais em seu duelo contra Khun e Judith.

    — Hah, você realmente… — murmurou Khun, parecendo surpreso.

    Kiril era algo fora do comum. Enquanto a maioria das pessoas recuava só de olhar para seu físico, aquela jovem permanecia firme mesmo depois de ver seu manejo de espada. Ela realmente parecia não ter conceito de medo.

    “Ela parece ser bem habilidosa, mas…”

    O que o impressionava mais era sua personalidade. Ainda assim, Khun não tinha intenção de ceder. Sem a indulgência de um velho, ele era mais apaixonado do que um adolescente. Mas agora, encontrara alguém que queimava ainda mais intensamente.

    — Preciso falar com Airen um momento — disse Judith.

    Ela saiu da casa e caminhou cambaleante até eles, seus olhos silenciosamente exigindo que saíssem.

    Lulu foi a primeira a se retirar.

    Poof!

    Lulu voou para longe. Lançando um olhar para Khun e Judith, Kiril também se afastou, para surpresa de Airen. Era a primeira vez que via Kiril recuar. Nem mesmo Ian conseguia fazer isso.

    — Que tipo de conversa secreta vocês estão planejando? — perguntou Khun.

    — Ugh, apenas saia daqui, por favor — respondeu Judith.

    — Como ousa falar assim com seu mestre depois de acabar de se tornar… — resmungou Khun.

    Ele era mais teimoso do que os outros dois. Apesar dos resmungos de Judith, continuou reclamando.

    No entanto, por fim, cedeu, voltando para a casa e deixando os dois espadachins sozinhos.

    Plop.

    — Airen — chamou Judith.

    — Sim — respondeu ele.

    — Você ficou muito mais forte desde que nos separamos em Drukali. Muita coisa aconteceu, hein?

    — Ouvi do Khun que você encontrou algum diabo… Não me diga que não vai explicar.

    — Eu vou te contar… — murmurou Airen após um momento de silêncio.

    Parecia que Judith já sabia o essencial do que aconteceu, então ele não viu razão para esconder nada dela.

    Airen contou tudo o que aconteceu desde outubro, incluindo histórias sobre aqueles que conheceu ao longo do caminho.

    Embora soubesse que Judith era forte e que escolhera esse caminho solitário, queria que ela encontrasse alguma alegria. Não queria que vivesse apenas na dor, pensando apenas em sua espada. Não se importava se alguém o chamasse de intrometido. Se ele era teimoso, Judith também era. Tinha certeza de que ela entenderia. Por isso, Airen contou sobre todos que conheceu e o que sentiu em relação a eles.

    — Hmph, que legal — foi a resposta de Judith.

    — O que você quer dizer? — perguntou Airen.

    — Você, Illia e Ignet são gênios incríveis. Vocês fazem meu sangue ferver…

    — Eu adoro isso. Tenho certeza de que suas histórias vão ajudar no meu treinamento. Obrigada, Airen.

    — Haa…

    Airen balançou a cabeça. Judith não havia mudado.

    Com um sorriso, olhou para o céu escurecendo, quando Judith disse algo inesperado.

    — Obrigada.

    — Você pode não acreditar, já que vivo te xingando e tudo mais, mas falo sério. Eu sei o quão babaca posso ser. Me desculpe por… ser tão horrível com você o tempo todo, mesmo quando você está se esforçando para me ajudar. Não posso prometer que serei diferente da próxima vez… mas desculpa.

    — Hm… sim — respondeu Airen, chocado com o pedido de desculpas de Judith.

    Como alguém que passara muito tempo com ela e a conhecia bem, achou aquilo extremamente estranho. No entanto, não deixou sua surpresa interromper a conversa.

    “Pensando bem, Judith sempre foi séria quando precisava”, refletiu.

    Seja durante a avaliação final na Academia de Esgrima Krono, no reencontro no continente ocidental após cinco anos, ou quando se viram na Terra da Provação, Judith sempre se mostrou muito mais sensível do que sua atitude sugeria.

    Ela era…

    “Ela era gentil…”, pensou Airen, com um sorriso, lembrando-se de quem Judith era como amiga.

    Judith retribuiu o sorriso.

    — Que diabos você está sorrindo pra quê? — disse ela.

    — Hm, por que você está xingando de repente…? — perguntou Airen, surpreso.

    — Bem, não é como se eu não xingasse o tempo todo. Ugh… Acho que deveria tentar me controlar. Ouvi Khun xingando o diretor, e ele parecia realmente infantil. Acho que sou igual, né?

    — Hm…

    — Ei, tudo bem. Não diga nada.

    — Desculpa.

    — Não peça desculpas também.

    Depois de calar Airen com um olhar, ela começou a revirar os bolsos. Airen se perguntou o que era. Será que ela tinha algo para ele?

    Como esperado, não era o caso.

    — Para onde você vai depois disso? — perguntou Judith.

    — Hã? — respondeu Airen.

    — Bom, você consegue viajar bem rápido com aquela coisa… aquele grifo, certo?

    — Sim, mas por quê?

    — Então quero te pedir um favor — disse Judith.

    Ela hesitou por um momento antes de entregar algo a Airen com um suspiro.

    Era uma carta selada. Airen olhou para ela sem entender, enquanto Judith explicou, constrangida:

    — Você pode passar na Casa de Lloyd e entregar isso para Brett?

    — E-Eu… está tudo bem se não quiser.

    — Não, está tudo bem — disse Airen com um sorriso.

    Ele se sentiu aliviado.

    Apesar de suas preocupações, Judith não estaria sozinha, afinal.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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