Índice de Capítulo

    Depois de deixar a Academia de Esgrima Krono e retornar para casa, Brett Lloyd passou dias aprendendo tudo o que precisava como herdeiro de sua família. Estudou o cenário político do reino e do continente, revisou sua etiqueta, aprofundou-se na academia como um nobre deveria e analisou o estado da propriedade da família.

    Ao mesmo tempo, sem esquecer sua promessa a Judith, dedicou-se a um treinamento incessante, assim como fazia em Alcantra. Afinal, ela lhe dissera que só deveria procurá-la quando sua espada fosse boa o bastante para impressioná-la e a seu mestre. Caso contrário, ela simplesmente não o veria.

    Basicamente, Brett estava correndo sem parar. Ainda assim, conhecia seus limites. Embora não fosse um gênio, era inteligente o suficiente para dar conta de muitas tarefas. Mas isso não significava que devesse ignorar sua própria saúde e trabalhar sem descanso. Precisava se permitir relaxar física e mentalmente, e foi por isso que estava bebendo em um bar fora do castelo. Afinal, que lugar melhor poderia encontrar para relembrar Judith?

    — Brett.

    Foi então que alguém completamente inesperado apareceu diante dele.

    Ao erguer os olhos, viu cabelos dourados, um rosto bastante bonito, embora não tão belo quanto o seu próprio, e um corpo equilibrado. Piscou, confuso. Seu olhar se desviou para o lado, onde percebeu uma mulher desconhecida, porém de alguma forma familiar, e uma gata feiticeira que conhecia muito bem.

    Despertando subitamente, começou a perceber o que estava acontecendo.

    “Não sei por que estão aqui, mas…”

    Antes de mais nada, Brett precisava justificar seu estado atual.

    — Haa… Acho que bebi demais. Não consigo parar de bocejar… Ugh, olhem para mim, lacrimejando — disse, abrindo a boca exageradamente.

    — Mas quem são vocês? O que estão fazendo aqui…?

    — Brett — repetiu Airen.

    — Do que está falando? Acho que você se enganou… — protestou Brett.

    — Eu ouvi você dizer que sentia falta da Judith — disse Airen.

    — Eu também! Você estava bebendo e chorando — intrometeu-se Lulu.

    — Eu, hã… — murmurou Brett, ainda tentando se defender.

    — Devem ter ouvido errado. Eu estava falando sobre Julia, não Judith — balbuciou.

    — E, como eu disse, não estava chorando. Só lacrimejei porque bocejei demais — continuou.

    — Por que está insistindo tanto nisso? Eu não sou Brett, nem conheço ninguém com esse nome… — protestou Brett.

    — Mentiroso! Você nem ficou surpreso ao me ouvir falar! — acusou Lulu, batendo a pata na mesa.

    Brett estremeceu. A gata tinha razão. Poucas pessoas manteriam a compostura ao ver uma gata falante, a menos que já estivessem acostumadas com isso. Bem, ele tinha que admitir que havia perdido. Airen, Lulu e a mulher desconhecida pareciam completamente convencidos de que ele era Brett Lloyd.

    “Eles estão certos. Mas ainda assim…”, pensou Brett, lançando um olhar para o espelho na parede.

    Seu disfarce caro, adquirido para se esconder de sua própria gente, parecia perfeito. Então, ainda deveria estar seguro. Tudo o que precisava fazer era negar até o fim e encontrá-los no dia seguinte como se nada tivesse acontecido.

    Brett estava prestes a sair apressadamente quando Airen soltou uma bomba.

    — Tenho uma carta da Judith. Ela me pediu para entregá-la a você — disse ele.

    — O quê?! — gritou Brett tão alto que todos no bar se sobressaltaram.

    O silêncio caiu sobre eles, inclusive sobre Brett. Olhando ao redor com constrangimento, ele se levantou, suspirou baixinho e sentou-se novamente.

    — Você foi ver a Judith? — perguntou, hesitante após um longo momento.

    — Sim — respondeu Airen.

    — Você não atrapalhou o treinamento dela, certo?

    — Não.

    — Então por que…

    — Então você admite que é o Brett! — interrompeu Airen. — Há quanto tempo, Brett.

    Airen sorriu e estendeu a mão. Brett hesitou antes de aceitá-la com um suspiro. Seu aperto foi mais forte do que deveria, mas Airen, que era um mestre espadachim, não se incomodou.

    Depois de soltá-lo, Brett olhou ao redor e declarou com seriedade:

    — É nisso que eu acredito.

    — Do que está falando? — perguntou Airen.

    — Brett Lloyd, o nobre de alta estirpe que um dia liderará a propriedade Lloyd, tudo bem… Mas o que realmente importa é que ele é um homem romântico, capaz de derramar uma lágrima por sua amada, apesar de seu status e riqueza… — murmurou Brett.

    — O que acha disso, Lulu?

    — Airen, Brett deve estar bêbado… — respondeu a gata.

    Airen balançou a cabeça. Por mais pomposo que Brett normalmente fosse, isso era um exagero. Ele quase se sentiu desconfortável. Mas ninguém estava mais irritada do que Kiril.

    “O que diabos há com esse cara?!”, pensou ela.

    Tendo conhecido Brett pela primeira vez, ao contrário de Airen e Lulu, ela estava completamente perplexa com seu comportamento, especialmente depois de tudo o que Airen lhe dissera sobre ele no caminho até ali…

    Parecia muito estranho ver aquele homem se jogar dramaticamente depois de ouvir tantos elogios sobre si mesmo. Esse cara não podia ser o mesmo de quem Judith gostava. Milhares de pensamentos negativos sobre Brett passaram por sua mente quando outro homem apareceu. Ele era bem maior que Brett e Airen.

    — Lance! — chamou Airen, surpreso.

    — Hã? Airen, como…? Lulu também está aqui. O que houve? O que estão fazendo aqui? — respondeu Lance.

    — Oi, Lance! — disse Lulu.

    Lance Patterson, um dos amigos de Brett, agora estava diante de Airen como um colega.

    Airen ainda não conseguia conter sua surpresa, enquanto Lulu olhava ao redor, um pouco sem jeito.

    — Ah, acho que não mencionei, mas eu estava bebendo com Lance aqui — explicou Brett.

    — Pensando bem, não o vi na academia. Você está…? — perguntou Airen.

    — Sim. Estou aqui para o exame de graduação. Voltei para casa para resolver algumas coisas antes de decidir passar aqui para ver o Brett antes de partir para o treinamento. Ah, a propósito… — disse Lance, estendendo a mão.

    — Parabéns por se tornar um mestre espadachim… — completou com um sorriso.

    Com seus olhos de feiticeiro, Airen pôde enxergar uma gama de emoções naquele sorriso. Ou melhor, viu a alegria genuína dentro dele. Não era difícil adivinhar o que estava acontecendo.

    “Será a pressão do exame de graduação? Ele deve estar passando por muita coisa”, pensou, ligeiramente preocupado, embora não deixasse transparecer.

    Então percebeu que não havia apresentado Kiril a Brett e Lance.

    — Hã? Onde ela está? — perguntou, confuso ao notar sua ausência.

    Ela estava com ele até pouco tempo atrás, encarando Brett friamente como se nunca tivesse visto alguém tão patético em sua vida. Airen quase estremeceu com sua frieza. Então, onde ela estava? Será que voltou para o quarto, decepcionada com Brett? Sua confusão não durou muito, pois Kiril retornou à mesa, parecendo amável e alegre.

    — Olá! Você é amigo de Airen da academia, certo? Sou Kiril Farreira, a filha mais velha da Casa de Farreira — cumprimentou.

    — Ah, prazer em conhecê-la. Sou Lance Patterson, amigo de Airen — disse Lance.

    — Brett? O que houve? Você deveria se apresentar — insistiu Lance.

    — É por causa do disfarce? Achei que já tivesse contado a eles.

    — Sou Brett Lloyd, o filho mais velho da Casa de Lloyd… — murmurou Brett.

    — Entendo. Prazer em conhecê-lo — respondeu Kiril com um sorriso radiante.

    Mas seus olhos não estavam em Brett Lloyd.

    “Ela tem um gosto peculiar”, observou Brett ao vê-la olhando para Lance Patterson.

    É claro que Airen não percebeu nada. Nem Lulu.

    — Vou dormir. Me acordem se acontecer algo interessante — disse a gata sonolenta antes de se enfiar na bolsa de Airen.

    O silêncio caiu novamente.

    — Hm…

    — Uh…

    — Ah, pode falar primeiro — cedeu Brett.

    — Certo. Você vai ficar aqui? Quero dizer, vai beber mais? — perguntou Airen.

    Brett olhou ao redor. Várias pessoas estavam os observando, em parte por causa de Lulu, mas também pelo quão peculiares eles pareciam.

    Percebendo que seu tempo de tranquilidade havia acabado, ele suspirou e se levantou.

    — Vamos — disse.

    — Certo — respondeu Airen.

    — Que pena. Nem bebi direito — lamentou Lance.

    — Sempre há outro dia. A propósito, você veio só para entregar a carta de Judith? — perguntou Brett.

    — Isso e… — disse Airen.

    Ao sair, ele parou por um momento para observar as pessoas caminhando alegremente.

    — Esta é uma boa terra… — murmurou.

    — Hmm? — perguntou Brett.

    — Esta cidade tem uma atmosfera agradável. Já passei por muitos lugares, mas não acho que já tenha visto pessoas tão felizes assim.

    — Hmph. Isso é graças ao nobre que passa cada segundo do dia trabalhando pelo seu povo…

    Brett então sentiu alguém o encarar pelas costas. Ele podia adivinhar quem era.

    Sorrindo, continuou:

    — Meu respeitável pai, lorde Phillip Lloyd, e minha amável mãe.

    Brett lançou um olhar ao redor e viu Kiril com uma expressão perplexa.

    — O que foi? Estão interessados nos meus pais? — perguntou, voltando-se para Airen.

    — Sim — respondeu Airen.

    — Entendo. Mas eles não estão aqui agora. Foram à capital resolver algumas coisas. Vai levar pelo menos uma semana para voltarem.

    — Então só preciso esperar — respondeu Airen imediatamente.

    Mesmo viajando com Khubaru, folheando livros de história em Drukali e ouvindo as histórias de Karakhum e Tarakhan, ele não conseguiu encontrar a resposta para a pergunta: como poderia tornar o mundo um lugar melhor? Derrotar os demônios era tudo o que podia fazer?

    “Talvez os pais de Brett pudessem lhe dizer algo”, pensou Airen.

    Mas não era só a atmosfera da cidade. Airen lançou um olhar ao homem de meia-idade. Embora Brett tivesse se comportado como um tolo naquela noite, ele ainda era o amigo mais confiável de Airen, alguém que o apoiava quando Illia, Judith ou ele mesmo estavam perdidos. Então, ele tinha certeza de que os pais de Brett também poderiam ajudá-lo…

    Eles finalmente chegaram ao destino. Deixando seu disfarce de lado, Brett caminhou com orgulho enquanto os guardas o saudavam.

    — Contemplem, este é Brett Lloyd, o alto nobre — declarou com arrogância.

    — Desculpem. Estou um pouco bêbado. Bebi bastante — acrescentou, zombeteiramente, ao fechar os olhos.

    Então, algo começou a se dissipar de seu corpo junto com sua aura.

    — Você acabou de expelir o álcool? — perguntou Airen, chocado.

    — Sim. É uma habilidade que desenvolvi enquanto pensava em maneiras de usar a aura de forma mais natural. Graças a isso, consigo até vencer meu próprio pai em uma competição de bebida — respondeu Brett.

    — Então, que tal? Vamos duelar? Faz tempo.

    Brett enfiou a mão em seu bolso mágico e puxou sua amada espada azul.

    Airen assentiu. Antes que percebessem, os dois espadachins já estavam no meio do campo de treinamento. Alguns cavaleiros observavam com curiosidade.

    — Por favor — disse Airen.

    — Sério? — respondeu Brett.

    — Tem algo me incomodando ultimamente. Vim aqui porque pensei que duelar com você poderia ajudar… — explicou Airen.

    — Sir Christopher? — chamou Brett de repente.

    — Sim, jovem lorde — respondeu o cavaleiro prontamente, correndo até ele.

    — Este homem aqui é Airen Farreira, um mestre da espada renomado em todo o continente — declarou o orgulhoso filho da Casa de Lloyd.

    — E esse mestre da espada está me pedindo conselhos.

    — Você não acha isso admirável?

    — Sim, acho.

    — Eu estava brincando. Desculpe a tagarelice.

    — Tudo bem, senhor.

    — Tudo bem? Isso significa que concorda que fui tolo?

    — Isso também foi uma piada.

    — De fato.

    Sir Christopher fez uma reverência antes de se afastar.

    Airen observou a cena com desconforto, enquanto Kiril e Lulu balançavam a cabeça. Lance Patterson, no entanto, não. Com um olhar sério, ele caminhou até Brett e Airen.

    — Desculpem, mas posso enfrentar Airen primeiro? — perguntou.

    — Sei que não sou nem de longe bom o suficiente, mas…

    Lance não precisou dizer mais nada. Suas palavras foram suficientes para expressar o que sentia.

    Airen olhou para Brett, que assentiu e recuou.

    — Podemos começar? — perguntou o jovem mestre da espada. O ar ao redor parecia ter se tornado mais pesado.

    — Sim — respondeu Lance, assumindo sua postura com determinação.

    O duelo começou, mas não durou muito.

    — Eu perdi… — disse Lance, recuando com um rosto inexpressivo.

    Mas todos sabiam que ele estava abalado.

    — Certo. Agora é minha vez — disse Brett como se nada tivesse acontecido, assumindo sua postura com mais entusiasmo do que o normal.

    Ele encarou Airen, e o segundo duelo começou.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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