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    Um ano atrás, Airen Farreira libertou-se de seu antigo eu após sua luta contra Illia Lindsay. Embora tenha encontrado Karin Winker novamente por meio de Gurgar e do demônio bufão, nunca mais viu o homem em seus sonhos.

    Airen sentia uma certa nostalgia por perder alguém que conhecia há sete anos, desde os quinze até os vinte e dois anos.

    “Eu não me libertei dele…”, pensou.

    Céu familiar, terras familiares, cheiros familiares. O rosto de Airen ficou grave ao olhar para o campo que tão bem conhecia. Ou melhor, sentiu-se apenas tenso. No momento, era apenas um fragmento de consciência flutuando pelo espaço como um fantasma.

    Seu olhar virou-se para uma figura conhecida. Não era Karin. Era alguém ainda mais familiar e, ao mesmo tempo, distante: ele mesmo. Ali estava Airen Farreira, empunhando uma espada com uma expressão séria.

    Swish! Swoosh! Swoosh!

    A espada de Airen era mais poderosa do que a arma do jovem Karin Winker. Seus movimentos eram contidos e afiados. Seu equilíbrio impecável impressionaria qualquer espadachim. Mas nada disso registrou em sua mente enquanto observava a si mesmo treinando com atenção.

    Os olhos de Airen se abriram de súbito. Não estava mais sonhando. Levantando-se, virou-se para a janela. Ainda estava escuro lá fora. Seu quarto permanecia silencioso. No máximo, dormira por três horas.

    Sentado em silêncio, percebeu que aquela não era a primeira vez que tinha esse sonho. Mesmo depois de libertar-se do homem de seu passado, continuava treinando todas as noites em seus sonhos.

    “Não, eu não estava treinando…”, pensou Airen, balançando a cabeça.

    Talvez fossem as palavras de Phillip, mas, naquela noite, finalmente conseguiu se enxergar com clareza. Conseguiu ver sua própria expressão, postura e emoções. Ainda tinha entusiasmo. Sua paixão ainda queimava intensamente. Mas estava se apagando, eclipsada pelo cansaço, pela ansiedade e pela pressão.

    Ao recordar a si mesmo no sonho, Airen assentiu. Agora entendia o que Phillip quis dizer.

    — Eu… — murmurou.

    Por fim, percebeu que não estava focado em seus sonhos e objetivos, mas sim no medo de nunca alcançá-los.

    “Eu não mudei nada desde que me perdi na barreira sombria.”

    Sabia que precisava deixar ir. De fato, já o havia feito uma vez, quando rompeu a barreira. Quando abandonou seu desejo obsessivo de cortar a água, libertou-se. No entanto, essa liberdade desapareceu rapidamente.

    Airen não ficou decepcionado, pois sabia, por experiência, que nem sempre seus esforços seriam recompensados. Não poderia simplesmente conquistar tudo o que quisesse.

    “Posso recomeçar.”

    Airen assentiu. O diretor Ian da Academia de Esgrima Krono e Lorde Phillip Lloyd lhe haviam dito essencialmente o mesmo conselho. No entanto, o comentário de Phillip sobre dormir direito teve um impacto diferente.

    É claro que ele não estava isento de arrependimentos. Ao olhar para trás, pensou: “Eu realmente me mato de trabalhar, não é?”

    Desde que prometeu encontrar sua própria espada como aprendiz, Airen nunca descansou. Se estivesse viajando em uma carruagem, deitado em seu quarto ou se movendo entre cidades, sua mente sempre estava ocupada com pensamentos sobre como alcançar seu objetivo.

    Esse hábito piorou ainda mais quando viu seu eu do passado em Drukali. Ele não conseguia pensar em flores, mesmo olhando para elas. Não conseguia sentir o frescor da brisa, mesmo quando o vento soprava. Tudo o que via, ouvia ou fazia, estava sempre relacionado a outra coisa em sua mente.

    “Como uma criança fazendo birra…”

    Airen riu alto. Ali estava ele, quebrando a cabeça com pensamentos profundos, quando há pouco havia decidido que precisava relaxar e descansar. Agora, estava obcecado em tentar se desapegar de suas obsessões.

    Sentindo que isso não seria fácil, suspirou e levantou-se. Precisaria se esforçar de outra maneira. Então tomou um banho frio, sem sucesso.

    Rindo novamente, saiu do banheiro e viu Brett.

    — Brett? O que está acontecendo? — perguntou.

    — Eu sei — respondeu Brett.

    — O que quer dizer?

    — Ouvi sobre você pelo meu pai. Disseram-me que você não está descansando nem relaxando.

    — Estou errado?

    — Não… Mas estou bem. Levei as palavras do seu pai a sério. Tenho certeza de que logo me sentirei melhor…

    — Não fale besteira — disse Brett Lloyd firmemente.

    Airen encarou o amigo, sem palavras.

    — Eu conheço você. Antes, quando só ficava deitado, trancava-se no quarto para remoer pensamentos. Depois que pegou sua espada, passou a se torturar constantemente, tentando descobrir como melhorar — disse Brett.

    — Alguém como você não pode ser deixado sozinho. Vista-se e me siga. Vou esperar lá fora.

    — O que você quer dizer…? — perguntou Airen, surpreso.

    Brett virou-se com um sorriso.

    — Ficar de bobeira não é tão fácil assim, sabia? Você precisa seguir alguém experiente — disse.

    — Hoje, um veterano experiente vai lhe ensinar como relaxar e pegar leve. Então pare de reclamar e me siga.

    A porta se fechou com um clique quando Brett saiu.

    Airen ficou olhando para a porta antes de rir novamente. Sua risada soou muito mais leve.


    Apesar do que dissera a Airen, Brett Lloyd não era o festeiro que alegava ser. O restaurante famoso não oferecia comida decente, nem o músico de rua era tão talentoso quanto ele afirmava. Quando visitaram um museu de arte, Brett foi o primeiro a desistir por tédio.

    — Você é mesmo um veterano nisso? — perguntou Airen, desconfiado.

    — Eu conheço um bom bar — disse Brett.

    — Pena que ainda não está aberto.

    Airen sorriu enquanto Brett tentava se justificar com um ar altivo. Para ser sincero, já esperava por algo assim. Por mais experiente que Brett alegasse ser, no fim das contas, ele ainda era um jovem de vinte e um anos que passou metade da vida em uma academia de esgrima. O que mais poderia esperar?

    Mesmo assim, Airen não se sentia entediado nem cansado.

    “Obrigado”, pensou, percebendo o quanto seu amigo se preocupava com ele.

    O ódio era um ciclo. Quando alguém odiava outra pessoa, essa pessoa sentia o ódio e o devolvia. Era uma verdade óbvia e exaustiva. Mas o mesmo acontecia com a bondade. Se alguém demonstrava boa vontade, o outro percebia, gerando uma impressão positiva. O ciclo do bem continuava.

    A velha ansiedade de Airen finalmente começou a se dissipar enquanto Brett o guiava pela cidade com gentileza. O Airen que se preocupava constantemente com o futuro deu lugar a alguém que conseguia apreciar as alegrias do presente. Mas essa alegria não durou apenas um dia.

    — Vamos sair, Airen? — perguntou Kiril no dia seguinte.

    — Airen! Fiz novos amigos! Tem um gato preto igualzinho a mim! — exclamou Lulu no outro dia.

    Os dias continuaram assim. Airen aproveitou a bondade de Brett, Kiril, Lulu e do casal Lloyd. E logo começou a retribuir esse carinho. Aos poucos, a pressão de precisar alcançar seus objetivos e a ansiedade com o futuro foram desaparecendo.

    O Airen que não conseguia apreciar as flores ou sentir a brisa compreendeu a importância de estar com aqueles que amava. Com a ajuda de Brett, Kiril e Lulu, percebeu como fora tolo ao se preocupar tanto com o que ainda nem havia acontecido.

    “Fui um tolo”, pensou Airen, sentado confortavelmente na poltrona do teatro, olhando ao redor.

    Estava cercado por pessoas que lhe eram queridas: Brett, Kiril, Lulu, Lance e os Lloyds. Embora fossem todos diferentes, tinham algo em comum: se importavam com ele. Pela primeira vez na vida, Airen conseguiu focar no presente.

    — O que está olhando? — perguntou Brett.

    — A música está para começar, então foque no palco. Você precisa ver tanto quanto ouvir — disse ele, repreendendo-o.

    — Filho — chamou Kaya Lloyd.

    — Sim, mãe.

    — Pare com essa bobagem.

    — Kiril, estou com medo… — murmurou Lulu.

    — Está tudo bem. Vou te dar um abraço — respondeu Kiril.

    — Hmm…

    Airen não riu, mas seu sorriso permaneceu enquanto voltava sua atenção para o palco. A música começou.

    Ele não entendia muito sobre música. Os únicos três instrumentos que conhecia eram piano, violino e violoncelo. Mas ao ouvir a bela melodia guiada pelos movimentos graciosos do maestro, perguntou-se como aquilo se comparava ao que ouvia nas ruas. No fim, não importava. O que importava era que, naquele momento, conseguia focar na música, no presente.

    Sentindo a melodia em seu corpo, Airen fechou os olhos.

    — Hmm, que lindo… — murmurou Brett.

    — Filho — chamou Kaya.

    — Sim, mãe.

    — Pode me explicar o que exatamente achou lindo?

    — Explicarei depois de refletir sobre isso em casa.

    — Filho.

    — Sim, mãe.

    — Se não tem certeza, apenas aplauda quando for necessário.

    — Vou lembrar disso… hmm?

    Brett virou-se para Airen. Seus olhos estavam fechados. Mas ele não dormia. Parecia, ao mesmo tempo, um espadachim e um salvador.

    — Inacreditável… — murmurou Brett, incrédulo.

    — O que foi? — perguntou Lulu.

    — O que houve? É algo sério? — perguntou Lance, com a expressão grave.

    Brett assentiu, sombrio.

    — Airen deve ter alcançado uma epifania… — disse.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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