Índice de Capítulo

    Lance Patterson encarou o orc sentado à sua frente. Se ele tivesse se apresentado como um oráculo, Lance o teria expulsado imediatamente. Afinal, ele não acreditava em previsões. Apesar do que Brett lhe contara sobre o que aconteceu em Drukali, ele não acreditava que um vidente tão talentoso simplesmente vagasse pelo continente.

    No entanto, a palavra ‘conselheiro’ o intrigou.

    Talvez percebendo seu interesse, o orc tatuado pediu uma cerveja e comentou:

    — Para ser honesto, a maioria dos chamados videntes orcs que vivem no mundo humano são farsantes. Só falam besteiras sobre elementos, destino ou a Arte dos Cinco sem oferecer nada de útil.

    — E você? Consegue oferecer algo útil? — perguntou Lance.

    — Eu? Não, não consigo. O aconselhamento nunca foi algo prático para começo de conversa. Hahaha — riu o orc antes de virar a caneca de cerveja de uma vez.

    Esvaziando o copo em um segundo, ele pediu outra antes de acrescentar:

    — Mas às vezes, apenas conversar com alguém já faz você se sentir melhor.

    — Não prometo lhe dizer o que o futuro reserva ou qual deveria ser seu objetivo de vida como fazem os videntes. Mas posso ser um ombro para você se apoiar, apenas alguém de passagem — disse o orc.

    — O que me diz? Duas cervejas para ouvir sua história — sugeriu o orc conselheiro.

    Lance permaneceu em silêncio por um tempo antes de suspirar levemente e abrir a boca.

    — É sobre meus amigos… — começou ele.

    Talvez fosse o efeito do álcool ou talvez fosse a certeza de que nunca mais veria aquele orc, mas Lance se pegou confessando sua história com uma facilidade inesperada.

    Uma vez que começou, acabou contando tudo, inclusive o que havia prometido a si mesmo que jamais mencionaria.

    “Ah… não era minha intenção ir tão longe”, pensou Lance, inquieto, ao voltar a si um momento depois.

    Ao mesmo tempo, no entanto, sentiu-se aliviado. Confessar tudo fez com que se sentisse muito melhor, ainda que um pouco envergonhado.

    Ele olhou para o orc, vidente? conselheiro? — e se perguntou o que alguém que viveu muito mais do que ele teria a dizer.

    — Não vejo nenhum problema — disse o orc.

    — Perdão? — Lance franziu a testa.

    — Você está indo bem. Não acho que precise se preocupar tanto com isso.

    — Ah, simplifiquei demais as coisas? Me desculpe. Não era minha intenção ofendê-lo.

    — De forma alguma…

    — Vamos lá. Eu disse que sinto muito.

    Apesar do pedido de desculpas do orc, Lance manteve uma expressão impassível. De fato, ver o orc descartar tão facilmente as preocupações que atormentavam sua vida o fez se arrepender de não tê-lo mandado embora. No entanto, o orc conselheiro não parecia ter intenção de ir embora.

    Depois de virar sua segunda cerveja, ele sorriu levemente e disse:

    — Não estava mentindo quando disse que não vejo problema algum. Quero dizer, você mesmo já sabe disso. Seu sonho não é se tornar o melhor espadachim. Você mesmo disse que basta aproveitar seus treinos e deixar sua família, mentores e amigos orgulhosos.

    — Isso… — murmurou Lance.

    — Eu sei, eu sei. Sua cabeça sabe disso, mas seu coração não aceita. É isso que quer dizer, não é?

    — Para ser justo, a maioria das pessoas é assim — continuou o orc, colocando a caneca na mesa e fazendo um gesto em direção às pessoas ao redor.

    Ele apontou para um garçom correndo para anotar pedidos, um balconista observando nervosamente o balcão e clientes conversando animadamente sobre algo.

    — Qualquer um deles pode invejar outra pessoa. Ao mesmo tempo, todos são invejados por alguém.

    — Tenho certeza de que o mesmo vale para você e aqueles que você inveja — seus próprios amigos, que acabou de mencionar.

    — Não importa o quão fortes sejam, sempre haverá alguém mais forte. E mesmo que chegue ao topo, nunca será o melhor em tudo.

    — O que exatamente está tentando dizer? — perguntou Lance.

    — Já disse. Todos são assim, sejam talentosos ou não. Cada um de nós tem alguma insegurança.

    — Deixe-me reformular: não estou dizendo que seu problema é trivial. Apenas estou dizendo que todos vivem com esse peso — respondeu o orc.

    — Isso… — murmurou Lance.

    — O que importa é… — disse o orc, cortando-o.

    Então, olhou diretamente para Lance.

    Mesmo sendo um especialista, Lance sentiu-se quase encolhendo diante daquele olhar.

    — O que importa é que todos continuam vivendo apesar dos dias difíceis.

    — Olhe para si mesmo agora. E então, lembre-se de quem você era cinco anos atrás.

    — Você avançou nesses cinco anos, ou apenas seguiu em frente?

    — Eu segui em frente…

    De fato, Lance havia crescido muito. Quando era mais jovem, era ingênuo demais, sem qualquer habilidade com a espada. Até mesmo falar com Brett o deixava nervoso no início.

    — Foi o que pensei. Então, me diga outra coisa. Você estava em paz naquela época? — perguntou o orc.

    — Não… — respondeu Lance.

    De fato, ele estava tão atormentado naquela época quanto agora. Ao relembrar, Lance percebeu quantas lágrimas derramou e quantas vezes sentiu raiva quando ninguém estava olhando. Às vezes, quando não conseguia melhorar apesar da frustração, gritava até ficar exausto. Ao ver seus amigos avançarem e o deixarem para trás, culpava-se por ser tão insuficiente…

    — Mas você se manteve firme e alcançou o que antes parecia inalcançável — continuou o orc.

    — Mesmo machucado e frustrado com sua falta de habilidade… você nunca parou. Então, por que acha que agora não pode fazer o que sempre fez antes?

    Lance permaneceu em silêncio por um longo tempo. Ele sabia que o orc estava certo. No entanto, não queria admitir. Queria argumentar que seus amigos talentosos eram completamente diferentes dele. Eles levavam uma vida mais feliz e plena. Ainda assim, no fundo, sabia que seus amigos deviam passar pelo mesmo tipo de dor.

    — Vou pagar pela sua cerveja — disse Lance depois de um tempo.

    — Sério? Ufa, que alívio. Estava preocupado, sabe? Você não parecia muito feliz, então achei que teria que pagar. Além disso, tudo o que eu disse até agora é só um monte de besteira — disse o orc.

    — Por que está me olhando assim? O que eu disse é mesmo besteira. Você pode esquecer, se quiser — insistiu o orc.

    — Você não pode… — murmurou Lance, incrédulo.

    Embora não tivesse tido uma grande epifania, as palavras do orc fizeram muito para acalmá-lo. Falar sobre seus sentimentos o fez se sentir melhor.

    Agora, o orc estava descartando aquele momento como se não fosse nada.

    — Talvez eu não tenha olho para a beleza humana, mas diria que você é um jovem bastante promissor, alto, forte, provavelmente com muitos amigos. Se pedisse conselhos a eles, receberia uma enxurrada de apoio, não é? — continuou o orc.

    — Tenho certeza de que os conselhos deles lhe ajudariam mais do que os meus. Afinal, eles se importam muito com você.

    — Então…

    — Mas há algo que eu gostaria de lhe dizer. Quer ouvir?

    Lance Patterson estreitou os olhos para o orc. O conselheiro sorriu. Depois de virar mais uma caneca de cerveja, disse:

    — Na sua idade, a melhor maneira de superar algo assim é encontrando um amor.

    — O quê…? — perguntou Lance.

    — Não me olhe como se eu fosse um orc estranho. Encontrar uma boa pessoa vai lhe trazer paz de espírito. Você não vai mais se prender a essas preocupações triviais.

    — Não, deixe-me reformular isso, já que essas preocupações são importantes para você.

    — Saia com alguém. Por favor, faça isso. E quando encontrar um pouco de paz, olhe para trás, para sua frustração. Vai se surpreender com o quanto mudou. Em pouco tempo, estará dizendo: ‘Nossa, aquilo realmente não era nada. Por que eu me preocupava tanto?’ — aconselhou o orc.

    — E se eu ainda estiver tendo dificuldades? — perguntou Lance.

    — Então, deveria conversar com sua parceira, e não com um orc velho como eu — respondeu o conselheiro orc, levantando-se e se afastando.

    Lance o observou partir, atordoado, antes de voltar a si.

    “Aquele desgraçado. Ele tomou três bebidas, não duas!”, resmungou.

    — A última bebida foi por apresentar alguém legal a você — acrescentou o orc.

    — Hã? O que quer dizer com isso…? — disse Lance, franzindo a testa, quando uma bela jovem apareceu do nada.

    — Olá — cumprimentou ela.

    Lance reconheceu imediatamente a jovem. Era Kiril Farreira, irmã de Airen.

    Lance lançou um olhar para o orc e suspirou antes de se recostar na cadeira. Embora não soubesse o que estava acontecendo, não podia simplesmente deixar Kiril ali.

    — Kiril, como você…? — começou ele.

    — Você não estava me ignorando, certo? — respondeu Kiril.

    — Hã?

    — Achei que tinha sido bem óbvia, mas você nunca respondeu.

    Lance piscou. Do que Kiril estava falando? O que ela queria? Seu cérebro parecia travar. Talvez fosse por causa da bebida ou pelo choque da situação.

    Mas Kiril não parecia se importar.

    — Você sairia comigo? — perguntou ela.

    — Hã? — ecoou Lance.

    — Vamos lá. ‘Hã?’ não é uma resposta. Eu gosto de você. Ah, e não me pergunte por quê, porque eu não sei. Sempre fui assim. Às vezes, não gosto de alguém sem motivo. E às vezes, gosto de alguém sem motivo. No seu caso, eu gosto de você — explicou Kiril.

    — Então, vou perguntar diretamente. Você não gosta de mim?

    Lance ficou em silêncio. Ele não desgostava de Kiril. No entanto, também não sabia dizer se gostava dela. Para ser sincero, nunca tinha sequer pensado nisso. Estava tão imerso em seus próprios pensamentos que não havia espaço para esse tipo de coisa.

    É claro que não podia simplesmente dizer isso a Kiril. Então, tentou encontrar as palavras certas.

    Infelizmente, Kiril não esperou por ele.

    — Você não me conhece tão bem, não é? — perguntou ela.

    — Tudo bem. Não estou culpando você — continuou.

    — Uhm… — murmurou Lance.

    — Que tal deixarmos as coisas acontecerem naturalmente?

    — Quero dizer, eu gostaria disso. Se você está tão incerto… perguntarei de novo depois de mais algumas bebidas.

    Lance Patterson se viu acenando com a cabeça ao olhar para Kiril sorrindo com seu copo na mão.

    — Nada mal — murmurou Lorde Phillip Lloyd, ainda disfarçado.


    Duas semanas depois.

    — Lulu — chamou Airen.

    — Hã? — respondeu Lulu.

    — Precisamos ir.

    — Entendo. Finalmente estamos voltando para casa?

    — Bem, antes quero passar em um lugar.

    — Hã? Onde?

    — Precisamos ver Illia — disse Airen, observando a expressão confusa de Lulu.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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