Capítulo 258: Sob a Água Corrente (1/5)
O Reino Mágico de Runetell era uma nação poderosa, equiparável ao Reino Sagrado Arvilius. Enquanto Arvilius expandia sua influência com seus cavaleiros sagrados, sacerdotes e fé, Runetell crescia com seus magos poderosos e a venda de aparatos mágicos. Havia algo que muitos apontavam como a principal diferença entre os dois.
— Os grandes magos de Runetell são conhecidos por serem reclusos. Raramente saem do reino, sabe? — explicou Oswaldo Odone, o Capitão da Ordem dos Cavaleiros do Crepúsculo.
De fato. O poder de Runetell vinha de seus magos. E os magos, por sua vez, extraíam seu poder do conhecimento e dos registros acumulados. Era por isso que as três grandes casas, incluindo a casa real de Runetell, mantinham sua reputação há séculos. Nenhuma outra família possuía uma história que se comparasse à delas.
É claro que havia Perry Martinez, um gênio entre os magos de batalha, que recentemente havia feito seu nome…
“Mas será que os magos de Runetell o aceitariam? De jeito nenhum…”
Ao lembrar-se de como alguns magos de Runetell eram arrogantes, Oswaldo continuou sua explicação:
— Os magos de Runetell costumam evitar se misturar com pessoas de nações pequenas como Heyle. Ouvi dizer que a Casa Slick é especialmente sensível quanto à linhagem e posição.
— Parece que são o oposto completo do reino sagrado — comentou Kiril.
— De fato. Diferente de Arvilius, que leva em conta apenas a fé de uma pessoa, Runetell é extremamente fechado. Mas deve haver um motivo para ele ter vindo…
O capitão então se virou para aquela pessoa.
No entanto, Airen Farreira não demonstrou qualquer reação. Afinal, até ele mesmo considerava a possibilidade de ser a razão por trás disso.
— Você acha que é por causa de Airen e de mim? — perguntou Kiril.
— Ah, é verdade. Você também teve sua parcela de influência, Senhorita Farreira — assentiu o capitão.
Embora não tivesse pensado em mencioná-la, ele teve que admitir que ela estava certa.
O semblante de todos se tornou mais sombrio. A Casa Slick era conhecida por ser a mais autoritária, mesmo dentro do orgulhoso e recluso Runetell.
“Levando em conta o palanquim com sessenta e quatro pessoas… É possível que Iphrain Slick, genro do rei de Bisau, tenha vindo pessoalmente. Isso não é um bom sinal…”, pensou o capitão.
Um dos dez grandes magos do continente havia comparecido ao banquete dos pequenos reinos para encontrar os irmãos Farreira, que recentemente haviam se destacado. Qual seria o motivo? Ele vinha como amigo ou inimigo? Oswaldo não podia dizer. Apenas desejava que conseguissem passar pelo banquete sem grandes problemas.
— Kiril, estou dizendo isso por preocupação… — murmurou o Barão Harun Farreira, em tom baixo.
— Argh! Sério?! Você ainda acha que eu tenho dez anos ou algo assim? — retrucou Kiril.
— Eu nem disse nada ainda…
— Você ia me dizer para não arrumar brigas ou ser agressiva, não ia?
— Hmph.
O barão pigarreou e desviou o olhar da filha, sabendo que ela havia acertado em cheio.
Kiril franziu a testa levemente, como se estivesse irritada, mas não insistiu no assunto. Suspirou e resmungou:
— Vou ficar quieta. Ou talvez diga que estou doente e fique no meu quarto.
— Acho que não vai ser necessário… — disse Harun.
— Bem, talvez eu faça isso, se você estiver tão preocupado — garantiu Kiril.
Ela falava sério. Estava mais do que disposta a fingir estar doente, não apenas porque temia perder a paciência, mas também porque não queria ficar perto do mago da Casa Slick.
“Ele é horrível…”, pensou, lembrando-se da época em que esteve no Principado de Cezar e viu os dois velhos magos da Casa Slick. Não gostava deles nem um pouco, fosse pela atitude ou pelo olhar. Lembrava-se bem de como tratavam os outros com olhos vazios, sem afeto nem hostilidade…
— De qualquer forma, não vou causar problemas. Então, não se preocupem! — declarou.
— Haha, preocupação? Acho que esse tipo de preocupação nunca passou pela minha cabeça! — disse o capitão de forma exagerada.
Para ser sincero, ele havia ficado um pouco preocupado. Mas as palavras de Kiril o tranquilizaram. Com uma risada, ele então olhou para Airen.
“E sei que não preciso me preocupar com o mestre espadachim Farreira”, refletiu, observando o jovem com um olhar de confiança e um leve sorriso.
— Phew, hah, phew, hah… Tudo vai ficar bem, certo, Sir Oswaldo? Hein? Vai ficar tudo bem… — perguntou o rei.
— Sim, Vossa Majestade… Vai ficar tudo bem — respondeu Oswaldo.
— Phew… hah… certo? Concordamos. Mas por que continuamos hiperventilando? Hein? O que devemos fazer? Ah? O que… devo fazer agora?
“Os Farreira não são o problema. O problema é Sua Majestade”, pensou Oswaldo Odone, suspirando ao observar o rei de Heyle em pânico.
Claro, ele entendia por que o rei estava tão nervoso. O homem já era tímido por natureza. Mesmo depois de Hill Burnett, o Capitão Tenente, ter lhe dito dezenas de vezes que não precisava se preocupar, ele ainda assim enviara Oswaldo à Casa de Farreira. Era natural que se sentisse pressionado pelos outros reinos, que estavam desesperados para recrutar talentos e se exibir.
No entanto, o Reino Heyle não ficava atrás. Na verdade, tinha mais do que o suficiente de talentos. Tome-se como exemplo Kiril Farreira, a renomada feiticeira, e Airen Farreira, o mestre espadachim.
Quando o capitão indicou para que o rei olhasse, ele finalmente se virou e sorriu gentilmente.
— Oh, oh! Um mestre espadachim! Um mestre espadachim! Nosso pequeno reino tem um mes… um jovem mestre! Eeek! — exclamou ele.
Porém, sua tranquilidade não durou muito. Ao observar o gigantesco palanquim da Casa Slick, posicionado ao lado da comitiva dos quatro reinos reunidos para a competição de caça pré-banquete, o Rei de Heyle não pôde deixar de sentir-se diminuído.
A rainha apertou sua mão com firmeza.
— Está tudo bem. Vai ficar tudo bem — confortou-o.
— Certo? Phew… Vai ficar tudo bem — murmurou o rei.
— Mas é claro que vai. Até agora, nada aconteceu. Tenho certeza de que conseguiremos passar por isso sem problemas e voltar para nossas vidas. Agora, por que não anuncia o início da caça com uma piada, Vossa Majestade? — sugeriu Oswaldo.
— Certo — respondeu o rei, antes de soprar a trombeta.
“Ele realmente não precisava fazer isso pessoalmente…”, pensou o capitão com pesar, observando o rei soprar a trombeta em vez de dar a ordem ao trompetista.
Felizmente, as pessoas dos outros reinos pareciam tão nervosas quanto o rei para notar isso.
Ao ver os caçadores partirem, ele voltou a lançar um olhar ao palanquim da Casa Slick. Além do tamanho digno de um palácio, o que o surpreendia era o fato de todos os sessenta e quatro carregadores serem magos.
— Ei-ah!
O capitão instigou seu cavalo para avançar e sacudiu a cabeça, como se quisesse se livrar de seus próprios pensamentos. Esperava que o mago de Slick permanecesse tão quieto quanto estava até agora. Melhor ainda se ele não aparecesse de forma alguma. Mas não era o único a pensar assim. Os convidados, bem como os enviados de Bisau, pareciam compartilhar do mesmo desejo.
O problema surgiu cerca de uma hora após o início da caça.
— Hm… — murmurou Iphrain Slick ao abrir a janela do palanquim, observando calmamente a paisagem.
Todos ficaram imóveis. Afinal, não havia garantia de que o mago permaneceria tão silencioso como até então. Alguns pareciam temer que o poderoso homem de Runetell pudesse provocar um conflito assim que saísse de sua vista.
No entanto, Iphrain Slick não fez nada disso. Parecia não estar interessado em ninguém. Bocejou, como se estivesse entediado, apreciando a brisa do outono por um instante antes de estalar os dedos.
Duas das sessenta e quatro carregadoras do palanquim, ambas mulheres, entraram, e a porta se fechou. Logo, gemidos embaraçosos, do tipo que só se ouvia durante o ato carnal, encheram o ambiente.
Os registros históricos da época da escravidão contavam que os nobres frequentemente mantinham relações em suas mansões situadas em meio a grandes campos.
No entanto, não faziam isso por um desejo voyeurístico. Simplesmente não se importavam se alguém os ouvia, pois consideravam seus escravos menos que humanos, mais parecidos com cães, cavalos ou gado.
Iphrain Slick parecia ter a mesma mentalidade, ou era o que as pessoas pensavam.
— Hmph…
— Hmph, hmph…
Alguns pigarrearam, pois a total indiferença do grande mago os afetava mais do que qualquer hostilidade poderia. Outros pareciam até aliviados pelo fato de o velho homem não lhes dar a menor atenção. É claro que todos tinham queixas. No entanto, ninguém ousava falar. O clima da competição de caça azedou, e o tempo parecia se arrastar.
— Vossa Majestade, os caçadores estão conduzindo a presa. Por favor, prepare-se.
— Ah, entendo… Hmph! Que javali decente! Muito bem. Deixem-me mostrar do que sou capaz! — disse o rei.
A competição de caça era, na verdade, uma competição apenas no nome, sendo mais um pretexto para que os quatro reinos socializassem. Assim, a regra não escrita era que cada um atirava em sua vez. Foi nesse momento que o grande palanquim, que havia permanecido quieto desde o episódio anterior, desceu ao chão silenciosamente. De lá saiu Iphrain Slick, segurando um arco.
A flecha voou com força.
Thud!
Seja por magia ou pura força bruta, sua flecha atingiu diretamente o javali.
Foi um desrespeito descarado às regras e ao Rei de Heyle, anfitrião do banquete. O clima azedou novamente.
Alguns olharam para o rei com interesse, vendo-o paralisado. Embora normalmente pudessem sentir certo prazer em testemunhar a humilhação de um concorrente, tanto Sonan quanto Colon, assim como Bisau, não puderam deixar de sentir um pouco de simpatia pelo Rei de Heyle. Mas foi só isso, ninguém ousou se manifestar contra o grande mago de Runetell.
Exceto uma pessoa: Airen Farreira.
— Senhor, perdoe-me pela ousadia, mas deveria respeitar a etiqueta e aguardar sua vez.
— Huh…
O Capitão da Ordem dos Cavaleiros do Crepúsculo ficou perplexo.
E ele não foi o único. Muitos encararam o mestre espadachim com incredulidade. No entanto, mais pessoas voltaram seus olhares para Iphrain Slick, o poderoso mago de Runetell.
Nem o grande mago nem o mestre espadachim pareciam se importar. Os dois se encararam, imóveis, como se tivessem sido congelados no tempo.
Foi o repreendido, Iphrain Slick, quem falou primeiro.
— Gostaria de se juntar a Runetell, jovem? — perguntou ele.
A plateia sequer teve tempo de se chocar com a súbita proposta antes que Airen Farreira respondesse, com firmeza:
— Nem um pouco.
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